Você percebe que está há muito tempo na profissão quando viveu épocas em que: 1) Nem passava pela sua cabeça colocar um negro num anúncio; 2) Passava pela sua cabeça colocar um negro num anúncio, mas a agência não tinha coragem de apresentar ao cliente; 3) Você colocava um negro num anúncio, a agência apresentava, mas o pessoal do marketing pedia para retirar o negro; 4) Você colocava um negro num anúncio, a agência apresentava, o marketing aprovava, mas o presidente da empresa pedia para retirar o negro; 5) Você colocava um negro num anúncio, a agência apresentava, o marketing aprovava e o presidente “deixava passar”.

Em todas essas situações, ninguém assumia que se tratava de racismo próprio, mas de uma precaução com o racismo dos outros. Ou seja, a agência temia, o marketing temia, o presidente da empresa temia, temiam o quê? Que o consumidor, em última instância, fosse racista. Já hoje, o cliente pede que se coloque um negro no anúncio para que a marca não seja acusada de racista. Por quem? Por aquele mesmo consumidor que ele suspeitava que fosse racista? Será o Brasil menos racista hoje do que era há 30 anos?

O fato é que as marcas viram-se obrigadas a se alinhar internacionalmente, pressionadas, elas, sim, por movimentos antirracistas em seus países de origem. Com isso, se impõe ao Brasil um tratamento mais civilizado à questão. O que contribuiu para a paulatina, mas inequívoca, aceitação natural do negro na propaganda. E as crianças começaram a se tornar adultas vendo negros nos anúncios e os filhos delas muitos negros mais. Aliás, essa é a única maneira de uma sociedade incorporar verdadeiramente conceitos justos e corretos: a persistência. O racismo, no entanto, ainda está vivo e bastante impregnado na sociedade, o mesmo racismo que, cruelmente silencioso, barrava o negro na propaganda. A diferença é que os racistas passaram a ser obrigados a aceitar a diversidade como a melhor representação humana.

A maioria, em silenciosa resignação. Já uma minoria barulhenta aponta um exagero na imposição do politicamente correto, tentando disfarçar seu preconceito. No caso da homofobia, não é diferente. Tudo o que não era natural na propaganda sempre parecerá exagerado no início.

Vale lembrar que há, poucos anos, homossexuais só apareciam em anúncios para serem debochados. Piadas grotescas com gays ajudaram a consagrar grandes nomes da criação publicitária. São coisa ainda fresquinha suas obras incorretas. Não surpreende, portanto, que cause polêmica uma marca não apenas tratar um transexual com dignidade, como dar a ele o merecido protagonismo num exemplo a ser seguido. Coisa inimaginável há duas décadas. Iniciativas desse tipo, no entanto, precisam ser mais do que espasmos sazonais politicamente corretos da propaganda.

Se um dia negros surpreenderam num anúncio, a persistência na sua inclusão vem acabando com qualquer estranheza. É preciso insistir em outros representantes da nossa diversidade para que também sejam percebidos, aos olhos da maioria da sociedade, naturalmente em seus papéis. Só assim evoluímos como nação.