O etarismo na propaganda: a diferença na comunicação online entre gerações
Já reparou que, também na propaganda, temos um vasto vocabulário para coisas que sempre existiram, mas, por precisarmos recorrentemente expressá-las, foram ganhando mais relevância? Assim tem sido com o etarismo – palavra que define o ato de reduzir alguém a um estereótipo pela idade; preconceitos baseados em determinada faixa etária. Neste momento, o tema está em alta, mas queremos que permaneça.
Ao olhar para a diversidade, há um grupo que continua sendo sub-representado e/ou estereotipado: pessoas com mais de 50 anos. Basta fazer um exercício: puxe na memória campanhas publicitárias que trazem pessoas com mais de 50 anos. Se o que lhe veio à cabeça foram produtos e serviços como cosméticos antissinais ou empréstimo consignado, planos de saúde e farmácia, é porque existe um motivo para eu estar escrevendo este texto. Quando falamos de etarismo, esses caminhos são os clássicos preconceitos reproduzidos constantemente.
Precisamos, antes de tudo, quebrar ideias preconcebidas sobre grupos etários que dificilmente fazem parte do contexto de uma agência ou de uma equipe de marketing. Como diferenciar quais são as vontades, necessidades, desejos e comportamentos de pessoas mais velhas? Como essas pessoas querem ser vistas, o que querem consumir, o que faz ou não sentido pra elas? Do ponto de vista de quem cria estratégias de comunicação baseadas em dados e pesquisas, aqui vão alguns dos principais preconceitos que podemos começar a derrubar: mitos sobre as pessoas 50+.
Mito 1: “Não temos pessoas 50+ nas campanhas porque nosso foco é a geração Y ou Z”
A cultura da supervalorização da juventude tende a um único padrão desejável, de modo que enquanto os jovens são associados à beleza, boa saúde, disposição e sucesso, os mais maduros são o contraponto – desagradáveis, desatualizados, incapazes física e mentalmente. Esse cenário acaba gerando um fenômeno de internalização inconsciente dos estereótipos negativos sobre o envelhecimento, a falsa correlação entre o aumento da idade e a perda de vitalidade.
A desvalorização do envelhecimento é assunto recorrente em redes sociais. Um estudo voltado para a representação do envelhecimento, feito pelo Twitter, apontou mensagens de usuários reforçando estereótipos negativos, como assumir o grupo como vulnerável e homogêneo, criando a sensação de que se deve combater o envelhecimento como algo evitável, ou escondê-lo, disfarçando o que lhe é característico. Uma análise de 84 grupos do Facebook constatou que o etarismo transbordava dentre as mensagens: 74% ridicularizaram pessoas mais velhas, 27% os infantilizaram e 37% sugeriram que esse grupo etário fosse excluído de atividades públicas, como ir às compras, de acordo com o estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Para combater esse cenário, é necessário estimular campanhas e ações que desconstruam atitudes etaristas. Não se trata apenas de criar campanhas tendo esse objetivo como central, mas de combater o etarismo através das mensagens de marca, seja qual for o objetivo de negócio. Um dos caminhos é a intergeracionalidade, conectando diferentes gerações que tragam benefícios para ambas as partes. Ou seja, campanhas que unam as gerações em torno do mesmo tema, tornando o conteúdo empático: independentemente da idade, todos podem se reconhecer em alguns comportamentos. Um exemplo é a campanha de SKY no TikTok, que convidou a influenciadora Regina Rouca a produzir conteúdo de humor ligado a datas comemorativas. Outro exemplo, também criado pela Mirum para SKY, deu espaço a mais uma influenciadora que entrou na famosa trend Get Ready With Me. Vovó Maria mostrou que não tem idade certa para curtir a Copa do Mundo.
Inclusão é também dar visibilidade à maturidade colocando essas pessoas em primeiro plano. É importante ainda se atentar e respeitar as diferenças dentro da mesma geração e considerar o gênero, raça, localização geográfica e demais especificidades.
Mito 2: “Pessoas com mais de 50 anos não estão na internet porque não entendem como funcionam as redes sociais”
A pesquisa da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, citada anteriormente, identificou que a preferência por redes sociais de cada grupo etário difere. Os motivos estão menos atrelados a dificuldade de uso do que se imagina.
O grupo 50+ utiliza as redes sociais como forma de lazer e conexão, em contrapartida, as gerações mais novas vivem o FOMO (fear of missing out), o medo de ficar de fora das informações mais recentes, e por isso apresentam uma presença em redes onde esses tópicos se disseminam mais rápido: TikTok, Instagram, Twitter, consumindo diferentes formatos de conteúdo. O entretenimento está no caminho desta jornada, nem sempre sendo o objetivo principal.
As pessoas 50+ não sentem a obrigação de consumir conteúdo de tendências rápidas, optando com mais frequência por redes mais comunitárias – como o Facebook, com seus grupos e seu algoritmo que, até então, é organizado com base nas conexões de amizade. Bem menos imediatistas do que a geração Z, estão lá para seu lazer, manter conexões e encontrar informações.
Mas também não deixam de lado o algoritmo de entretenimento do TikTok, sendo mais receptivos à aleatoriedade de conteúdo, de acordo com o TikTok Insights: 7 em 10 pessoas do grupo 50+ preferem conteúdos de marcas que sejam divertidos e engraçados nesta rede, em comparação a outras plataformas sociais. Com um pé em cada plataforma, as pessoas 50+ navegam em função do desejo por conexão ou simplesmente para distração. Assim, para estabelecer uma comunicação efetiva e criar conexões orgânicas com as pessoas 50+, é necessário estar presente em territórios online de sua preferência, tendo em vista também o seu objetivo em cada plataforma.
Mito 3: "Pessoas com mais de 50 anos possuem interesses restritos, como produtos para saúde e o mercado antienvelhecimento”
Pessoas mais velhas querem se ver em todo tipo de propaganda, independentemente do setor. A “nova velhice” é uma tendência que revela como os desejos e estilo de vida mudaram para pessoas que adentraram os 50 anos ou mais a partir dos anos 1990 – já em uma sociedade mais globalizada, com acesso a computadores pessoais, internet e tecnologias avançadas.
A maioria não associa nenhum setor se comunicando diretamente com eles. Ainda há baixa representatividade - mesmo a indústria de cosméticos, que geralmente entende-se como a mais orientada às mulheres 50+, não é vista por elas por esse viés, de acordo com o Estudo de Gerações: Diversidade, Equidade e Inclusão da Meta Latam, uma pesquisa realizada na América Latina com pessoas 60+ e maior incidência de respondentes por país no Brasil. Mesmo com esse novo conceito de velhice, as propagandas ainda não acompanham essas mudanças, e seguem em sua maioria excluindo ou estereotipando o grupo 50+.
Em campanha realizada pela Mirum para a oferta de bolsas maturidade (50+) da Unicesumar, pessoas que são pais e mães revelam seus sonhos de obter uma formação superior, invertendo a crença de que este é um desejo exclusivo da juventude. A dedicação aos filhos permitiu que esses se formassem, e agora chega a vez dos pais.
Mito 4: “Gerações maduras não têm poder aquisitivo para consumo e não se interessam por tecnologia”
Crescem cada vez mais a silver economy, movimentação financeira por pessoas 50+, e as Agetechs, soluções de tecnologia com foco nas necessidades e interesses desse grupo etário. No Brasil, a quantidade de pessoas 50+ equivale a pouco mais do que a população total da Coreia. Estamos falando da maior silver economy da América Latina: de acordo com a pesquisa do World Data Lab de 2020, os brasileiros movimentaram US$ 348 bilhões em 2020 e os prognósticos visam a atingir US$ 572 bilhões no final da década.
Considerando o recorte do público com mais de 65 anos, esses destinam seu dinheiro não só em um setor exclusivo, mas certamente o lazer está em alta: um levantamento da Associação Brasileira de Agências de Viagens indica que 15% dos pacotes turísticos, para destinos nacionais e internacionais, foram vendidos a esse grupo etário.
No cenário tecnológico, as Agetechs fazem uso das queixas para desenvolver produtos e serviços adequados – utilizando a internet das coisas para casas mais inteligentes, que permitem autonomia e conforto na moradia, ou a partir de aplicativos que as conectam a empresas buscando contratá-las, ou ainda entre muitas outras funções de suporte à longevidade. Não apenas desenvolvem soluções orientadas às necessidades dessa geração, como também tornam fácil a operação da tecnologia, agregando acessibilidade e usabilidade conforme necessário. Em pesquisa sobre o mercado da longevidade, a Pipe.Social mapeou 343 startups com foco nas necessidades de pessoas 50+.
Essas iniciativas deixam claro que este é um público que merece mais atenção, tanto da sociedade, quanto das marcas. Ignorar as pessoas que, ano a ano, adentram o grupo etário 50+, é ignorar também um vasto território criativo, com alta potência de inovação e presença, já que nenhum mercado específico parece ter encontrado a simpatia desses consumidores. Resta às marcas criarem iniciativas, considerando a diversidade na maturidade, para atrair estes consumidores que não se veem representados nem atendidos por elas.
Deixar de lado o viés de que a idade define comportamentos e interesses, e passar a identificar a maturidade também como um fator de diversidade só tem a agregar – seja na representação da nossa sociedade, em como nos comunicamos com uma audiência mais abrangente sem perder o tom de proximidade, até a influenciar clientes a se orientarem a soluções e produtos que atendam a uma parcela populacional que está em crescimento e tem poder de consumo.
Daniel Kiesel é diretor de estratégia da Mirum