Os tempos de Lula
Todos temos nossos tempos. A própria natureza nos indica, dentre
tantos outros, o tempo de plantar e o tempo de colher. Os primeiros
tempos de Lula na política foram extremamente benéficos para o país.
Ele enfrentou, juntamente com outros companheiros políticos ou não, as
durezas de uma ditadura militar que começou como uma revolução – e
assim foi na época chamada por grande parte da população brasileira e
pela mídia em geral.
Mas, passado o seu tempo de ter desviado o país da rota ideológica
aguçada por Cuba na América Latina, o que era um movimento criado para
mudar os destinos da pátria, revolucionando o que parecia inevitável
na época, transformou-se em uma ditadura que não deveria ter
acontecido.
E, como todo regime de força, não tolerava os contrários, em número
cada vez maior no Brasil, devido à impropriedade da troca de comando
nos destinos da nação, sem legítima consulta popular.
O cenário tornou-se propício para lideranças setoriais, como Luiz
Inácio Lula da Silva, assumirem o papel de opositores do regime, pondo
em xeque o período militar que durou 20 anos.
O retorno à democracia aumentou os horizontes de políticos cassados e
exilados, incentivou a juventude a retomar seu interesse pela política
e no vazio do trabalhismo provocado pela ditadura militar, abriram-se
várias frentes de lideranças, a principal delas ocupada por Lula, um
dos primeiros dentre todos a colocar a própria vida em risco, saindo à
frente de manifestações contra o regime, sem a proteção das leis que
hoje vigem e permitem todo tipo de protesto.
Lula foi preso, Lula foi solto, um dos conselheiros inseparáveis de
Lula era um calejado publicitário anarquista, que escrevia
semanalmente no PROPMARK, Carlos Maia de Souza, o Carlito Maia.
Sem a sempre necessária instrução escolar, mas um intuitivo de mão
cheia e sabendo falar para o povo como poucos, Lula despontava no
horizonte político brasileiro como um autêntico líder da oposição.
Esse seu tempo, porém, terminou, pois o principal adversário com o
qual pelejava depôs armas. Devolvido o poder aos civis, Lula
prosseguiu líder, mas na condição de mais um dentre muitos que também
lutaram contra a ditadura e outros que surgiram durante a transição de
regime.
Exatamente aí nascia um novo Lula, não mais um sujeito com extrema
coragem física, enfrentando cães e baionetas, mas um líder com um novo
perfil, agora disputando com outros civis a conquista do poder.
Espelhou-se em outros líderes trabalhistas mundiais, os tempos eram de
mudanças no planeta. Propositalmente, ou até por acaso – mas jamais
por afinidade –, foi-se aproximando das esquerdas, que nele enxergaram
a escada necessária para camuflar a subida dos degraus rumo ao poder.
Já havia surgido o PT, substituindo para alguns o antigo Partidão,
ainda com sérias restrições nas camadas mais altas da população.
O PT foi um acerto e um erro. Acerto por aproveitar as forças
remanescentes dos antigos partidos trabalhistas, com destaque para o
PTB de Vargas, que o regime militar a todos encerrou para criar apenas
depois: Arena e MDB, que representariam a situação e a oposição.
Um erro porque só considerou simpatizantes o operariado, tornando a
errar mais tarde ao se espalhar pelo mundo chapa branca do
funcionalismo.
Nessa quadra da História, um novo Lula surgiu, diferente do humilde
nordestino abraçado pela grande metrópole. Ao perder o inimigo número
1, passou a travar batalhas com líderes da sua estirpe, também
possuidores de muitas torcidas.
Mas as esquerdas já haviam identificado nele, ainda no período
militar, o novo Messias. E Lula não resistiu aos afagos. Posicionou-se
como líder esquerdista, mais do que trabalhista. Aqui se inicia um
novo tempo para ele, já entrado nas benesses proporcionadas pelas
organizações internacionais e nacionais do setor, que apostavam suas
fichas na fala fácil do novo líder e seu total descomprometimento com
a verdade.
O Lula operário do ABC deixou o emprego, mudou de casa, de cidade e de
profissão. O torneiro mecânico, que perdeu um dos mindinhos em um
torno, já se vestia melhor, aparava a barba e aprendia a saborear os
mais caros vinhos franceses.
Passou a gostar da nova vida e percebeu como nunca havia antes
percebido, que o dinheiro fazia mágicas.
A partir daí estava pronto para um novo tempo, que veio com a sua
eleição para a Presidência da República, depois de perder outras
disputas.
Ao proferir a frase lapidar de que o Congresso Nacional era formado
por pelo menos 300 picaretas, deu seu recado e ao mesmo tempo comprou
uma briga sem fim.
Se teve bons companheiros desde o início da sua longa jornada, a
chegada ao poder maior fez com que se juntasse a todo tipo de gente,
principalmente os interesseiros. O canto da sereia com certeza rondava
seus ouvidos nas noites de insônia.
Veio o tempo da fartura, a ilusão da infinitude. Deixou seus ideais de
lado, aqueles mesmos que o fizeram líder dos pobres e desprotegidos,
para desenvolver um projeto de permanência na crista da onda, que
embutia atitudes reprováveis, embora tentadoras no início.
O plano não deve ter sido dele, ou só dele, mas adotou-o de forma
deliberada: as empreiteiras e outros grandes empreendimentos seriam
aquinhoados, em troca de alguns benefícios. Os primeiros testes foram
feitos, deram certo e estabeleceu-se a rotina.
Foi reeleito, já muito modificado, conseguiu eleger uma desastrada
sucessora, cujo mandato ceifado pôs a nu o que boa parte da população
já sabia.
A decretação do Fora Temer pelas hostes de esquerda provocou o que o
Dr. Mariz, defensor de Temer, bem lembrou na quinta à tarde, na CCJ da
Câmara: “Pau que mata Michel, mata Lula”, parodiando o velho ditado
popular.
***
Este Editorial é uma homenagem ao juiz Sergio Moro, por sua admirável
coragem de aplicar a lei, através de trabalhosa e irretorquível
sentença, nela incluindo o preceito universal de que “por maior que
seja uma pessoa, ela está abaixo das leis”.