Pandemia acelera mudança de comportamento do consumidor
O consumidor mudou e parece que esse é um caminho sem volta. Ele já vinha em um processo de mudança, mas a pandemia, que provocou o isolamento social, acelerou o andar da carruagem.
Para Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva, a pergunta mais importante neste cenário não é saber para onde vai o consumidor no pós-pandemia e, sim, para onde ele não volta mais. “As respostas são claras: ele não volta para as relações de consumo anteriores. O consumidor conhece mais marcas, agora, ampliou muito o seu leque e seu empoderamento”, avalia.
O Locomotiva tem realizado inúmeras pesquisas junto ao mercado e um dos destaques de um dos estudos é que 93% dos entrevitados acreditam que após o fim do isolamento social a vida não será como antes.
“Em cinco meses ocorreu a mudança que iria acontecer em cinco anos”. Segundo ele, houve uma integração rápida do on e offline. Para ele, o varejo teve de mudar da noite para o dia. “Não teve escolha, por exemplo, com a higiene. O consumidor está preocupado com isso. Ele quer saber se o ambiente é higienizado, se os funcionários usam máscaras, se tem álcool em gel na loja. Ele assumiu o controle”, afirma. Neste contexto, ainda segundo ele, a publicidade vai ter de mudar também. “Antes, a comunicação desqualificava para se qualificar. Hoje, não”, dispara.
A internet foi e está sendo a menina dos olhos do consumo. “Se eu resolvo pela internet, por que vou comprar de outra maneira. Esta é a tônica do ‘novo’ consumidor.
Para Meirelles, a pandemia acelerou o processo de mudança na forma, por exemplo, do pagamento, já que a digitalização fez o dinheiro vivo sumir da carteira das pessoas. O grande destaque é o dinheiro de plástico. E isso também muda o movimento do bancos. Além do crescimento do e-commerce, outras maneiras de negócios surgiram. O Magazine Luiza é um dos maiores destaques nesse quesito, uma vez que se “abriu” para o embarque de outros empreendedores. “Isso abre um leque gigante. É um novo ecossistema de negócios. Amplia a capacidade de receita do varejo”, diz.
Meirelles declara ainda que o céu não é mais o limite e acredita que as marcas chegaram, agora, ao século 21 por força das circustâncias. “As empresas precisarão ser capazes de ir além dos 4ps da propaganda”, analisa, acrescentando: “O perfil do consumidor vai conduzir a marca, que, por sua vez, não vai mais solucionar as suas questões com um filme na TV. O impacto na indústria será gigante. Muda tudo. Os profissionais de marketing e o perfil de agências inclusive. Nada será como antes”, conclui.
A opinião de Meirelles vai de encontro à análise de Ana Julião, gerente-geral da Edelman Brasil, que também pesquisou o “novo” consumidor. Para ela, o perfil já não é mais o mesmo do que era antes da Covid-19, e as tendências que foram antecipadas com a pandemia devem se consolidar.
“De acordo com o Relatório Especial do Edelman Trust Barometer 2020: Confiança nas Marcas, realizado entre 27 de maio e 5 de junho, com mais de 22 mil respondentes em 11 países, o consumidor se tornou mais vulnerável e, dessa forma, mais preocupado com a sua saúde e com as suas finanças, além de mais exigente em relação às marcas”, relata Ana.
Segundo conclusão dela, para consumir, ele precisa confiar que a marca vai entregar o que promete, que é uma parceira tanto na solução de seus problemas quanto na solução de questões da sociedade e vai “proteger mais”, “ser mais acessível” e “informar mais”.
“O estudo mostra que 82% dos entrevistados no Brasil dizem que a vulnerabilidade que sentem em relação à sua saúde física e financeira está entre as razões pelas quais a confiança se tornou mais importante hoje do que era no passado. Além disso, quase a totalidade dos brasileiros afirma que as marcas ajudarem a solucionar seus problemas pessoais (96%) e os problemas da sociedade (93%) é muito ou extremamente importante para conquistarem ou preservarem a sua confiança. Neste momento, sentir-se seguro ao usar a marca é mais importante na hora da compra do que era no passado para 48% dos brasileiros”, declara.
Quando o assunto é mudança na percepção de compra, ela fala que, se antes confiar na marca era importante, “hoje se tornou crucial”. A confiança (57%) é a terceira consideração mais importante para o brasileiro na hora de comprar uma nova marca, atrás apenas de preço (69%) e praticamente empatada com reputação (58%). A confiança (63%) também é o terceiro atributo mais relevante para que o consumidor se torne fiel, seguido de preço (71%) e de como a empresa trata seus clientes (64%)”, revela.
De acordo com Ana, as marcas estão se movimentando para entender – e atender – esse “novo” consumidor. “Não se posicionar durante uma crise não é mais uma opção para as empresas, e muitas delas já estão atuando a partir de seus valores e de seus propósitos para o bem das pessoas e da sociedade”. Sobre a comunicação das marcas, hoje, ela afirma que mais do que nunca, a melhor forma de se comunicar é com verdade. “O estudo mostra que os consumidores desejam que as empresas ‘informem mais’, com 69% dos brasileiros dizendo apreciar quando as marcas comunicam sobre tudo o que estão fazendo para ajudar o próximo durante a crise”. E, para que essa comunicação seja mais efetiva, ela acredita que deva priorizar as mídias espontâneas e os porta-vozes mais empáticos ou de autoridade no assunto. “Enquanto a publicidade se mostra cada vez menos eficiente, com sete em cada dez pessoas a evitando, 34% afirmam que veículos de imprensa, reportagens e documentários contribuíram para que tivessem confiança na marca”, cometa.
Ana aponta que as principais mudanças – como a preocupação com a sociedade – devem ser perenes. “Na verdade, a pandemia apenas acelerou tendências de comportamento que já estavam se desenhando”.
Reconhecimento
Sandra Martinelli, presidente-executiva da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), também fala que pesquisas já evidenciavam que o consumidor está disposto a pagar mais caro por produtos de marcas as quais ele reconhece e acredita no seu posicionamento em relação a questões contemporâneas da sociedade. O propósito e a empatia já eram elementos importantes na obtenção de diferenciais por parte das marcas. “Com a crise acelerou-se o processo de transformação do comportamento do consumidor. O alinhamento de valores morais, éticos e acerca da sustentabilidade tornaram-se questão de sobrevivência para as empresas. Há também o claiming social por equidade, uma vez que as diferenças sociais e raciais foram ainda mais evidenciadas pela crise”, diz.
Rachel Muller, diretora de Cafés da Nestlé, também afirma ter observado que a quarentena reforçou comportamentos e acelerou algumas tendências. “Quanto ao café, essas duas constatações se deram, respectivamente, em relação ao consumo dentro do lar e à premiunização do mercado. “Se há algo que aprendemos neste período, foi a certeza da imprevisibilidade. De toda forma, ainda que muitas cafeterias tenham permanecido fechadas, o café continuou presente na vida do brasileiro. E as pessoas deram seguimento à sua jornada de experimentação e ao aumento de repertório rumo à categoria premium, conta.
Para a executiva da ABA, a transformação é hoje um termo “trending topic”. Junto com a palavra novo, é amplamente mencionada e citada sob diversos contextos econômicos, sociais e culturais. “O recorrente emprego desses vocábulos é consequência do grande impacto sentido em todas as esferas da sociedade, deixando mudanças que serão perenes. Uma delas é a relação entre marcas e consumidores”. Segundo ela, essa relação já passava por aceleradas mudanças por conta do aumento de consciência na jornada de decisão de compra. “A pandemia adicionou componentes importantes neste sentido, que elevaram consideravelmente a noção de propósito das marcas”.
Sandra apresenta alguns dados do estudo Hight-Tech Retail – A Tecnologia e o Comportamento de Compra do Brasileiro, desenvolvido pelo Grupo Croma, que aponta que comodidade (69%), tempo (61%) e atendimento (44%) serão os principais fatores que influenciarão a decisão de compra nos próximos três anos. Além disso, a oferta de serviços e experiência do cliente devem gerar maior preferência e interação dos consumidores.
Ainda de acordo com Sandra, diversas empresas estão desenvolvendo pesquisas sobre o “novo normal” para os consumidores. “Um estudo sobre hábitos realizado pela Kantar Insights mostra que os consumidores esperam atitudes que colaborem de fato com o dia a dia, atuando na linha de frente neste momento difícil”, relata.
Sobre o profissional de marketing, Sandra fala que ele já vinha se adaptando ao consumidor interconectado e empoderado, que agora “passa a lidar ainda mais fortemente com a agenda de criação de conexões de valor pelo viés do propósito”. “Não mais como vantagem competitiva para as marcas, mas como meio de assegurar a relevância e a sobrevivência após a pandemia. E tudo isso com os mesmos recursos, em muitos casos”.
Ela conta ainda que em um webinar, Márcia Esteves, CEO e partner da Lew’Lara\TBWA, afirmou que o mundo navega por um “normal” muito diferente, muitas das ações que nós estamos nos acostumando hoje terão impacto duradouro nas vidas, nos negócios e nos comportamentos.
Para ela, o papel do storytelling para garantir conexões significativas com as pessoas, a fim de criar novas formas de engajar e entreter os consumidores, passa a ser componente fundamental para estreitar conexão emocional com os consumidores.
Sandra acredita que o consumidor será mais exigente no pós-pandemia, principalmente no que tange aos valores morais e éticos das marcas, bem como seu propósito e empatia. “De acordo com o Edelman Trust Barometer 2020, 52% dos brasileiros experimentaram um novo produto em função do alinhamento da marca com suas crenças. A jornada de compra, que já passava por mudanças aceleradas nos últimos anos, hoje passa por caminhos que vão além do produto ou serviço. Sustentabilidade, diversidade e aprovação social tornaram-se componentes estruturais do processo de decisão de consumo”. Ela aposta em um consumidor mais crítico e ciente da influência gerada por lives, stories e posts, que tende a rechaçar, mais do que antes, conteúdos considerados politicamente incorretos. “Mas também ansioso pelo consumo reprimido. E com mais acesso à conveniência oferecida pelos apps, pela robotização e por mais tempo em casa. Inexoravelmente adaptado a este novo normal”, resume.