"Brasil tem talento e criatividade"

 

Filha de um grande publicitário, Hugo Weiss – que junto com Caio Domingues fundou a Caio Domingues & Associados Publicidade –, Patrícia Weiss passou sua infância e adolescência no mundo da propaganda. Para consultora estratégica de branded content & entertainment, transmedia storytelling e cultura de marca na Asas da Imaginação, além de chairman e fundadora da operação do BCMA (Branded Content Marketing Association) na América do Sul, Cannes é uma espécie de reconexão à sua própria bagagem pessoal. E ser jurada no festival pela primeira vez é um presente. Quando começou a falar de branded content, há cerca de 10 anos, sentia-se um ET. Hoje é especialista na área e será uma das representantes do Brasil no júri de Branded Content and Entertainment Lions, depois de uma carreira onde passou por grandes agências de publicidade, como Ogilvy e Leo Burnett. Sua visão é a de que o Brasil tem boas chances, apesar de conservar um mindset ainda tradicional e antigo. “Temos talento e criatividade”, ela disse em entrevista concedida ao propmark. Leia abaixo os principais trechos.

Narrativa
“É a área que representa a potente intersecção do marketing com o entretenimento e a propaganda. Que reconhece o valor de iniciativas criativas e eficazes de branded content e entertainment, como uma poderosa ferramenta situada no centro da estratégia da marca, proporcionando o encontro do propósito e do significado da marca com a verdade e o insight do consumidor. Uma categoria que valoriza o alto poder de conexão e engajamento das narrativas das marcas, independente de mídia ou plataforma. E, de forma relevante e contextualizada, envolvendo o novo consumidor, cuja atenção está dispersa e assumiu, definitivamente, o poder sobre o que, onde, quando e como assiste. Um consumidor que não é mais passivo, cria e produz plenamente em uma cultura participativa, onde é coautor da conversa social que acontece ao redor dos conteúdos.”

Poderosa ideia
“O festival tenta abraçar todas as formas de expressão das marcas com foco no reconhecimento do valor da criatividade, da poderosa ideia. Muitas vezes é um sinalizador de tendências do mercado mundial de comunicação e marketing. Sou filha de um grande Mad Men. Cresci vendo a agência do meu pai conquistar muitos prêmios nos festivais, acompanhando e me formando em uma época de muito embasamento na propaganda clássica e de grandes mestres. Onde o poder e valor da ideia transcendiam promessas, discursos, meios e verbas. Cannes é o clássico, é o berço, e me conecta sempre com a minha ‘bagagem’. Minha crítica vai para a complexidade que se tornou conseguir assistir às melhores palestras e seminários. A logística complicou demais desde o ano retrasado.”

Reconhecimento demorado
“Foi uma grande emoção finalmente ver a categoria de Branded Content e Entertainment ser criada no festival, há três anos. Cannes demorou demais para reconhecer esta área, que já se configurava como realidade há muito tempo nos mercados da Europa, Estados Unidos e Austrália.”

Jurada
“É extremamente importante pra mim, pois significa um reconhecimento e valorização daqui e de fora do Brasil, sem precedentes. Eu me sinto profundamente recompensada e grata, principalmente porque não tenho vínculo e nem represento agências, grupos e nem clientes. A sensação de ganhar este prêmio, sem qualquer questão política envolvida, é ainda mais prazerosa. E inesquecível. Receber a notícia foi um tremendo susto, uma surpresa maravilhosa. Chorei e demorei muito para acreditar. Não tenho vergonha alguma disso. Fiquei e continuo feliz demais. Minha expectativa é a melhor possível: ver evolução, amadurecimento e marcas contando histórias autênticas.”

Dedicação e ética
“Os júris são políticos. Cannes é o pico extremo, a grande dama. Há seres humanos que podem defender mais o que conhecem, o que preferem, as suas origens e o que lhes convém. Eu não paguei ingresso para entrar nesse jogo. Estou tranquila por poder participar, contribuir e defender, com a minha experiência, o que for melhor e mais justo dentro dos parâmetros da categoria. Ano passado tive uma experiência ótima, sendo a única jurada brasileira e convidada também para palestrar sobre Branded Content no BE Festival of Branded Content & Entertainment and Transmedia Storytelling, na Austrália. Um festival que ainda não abriu para inscrições de outras regiões. Pude julgar cases incríveis da região Ásia-Pacífico. Um mercado ousado, criativo, muito espirituoso e bem-humorado, mas diferente do brasileiro nesse território, pois é adiantado como o americano e o europeu, onde o modelo do negócio não é orientado à mídia. Sem a menor modéstia, me acho uma jurada excelente porque sou absolutamente dedicada, séria, ética, justa e tenho grande experiência em avaliar a criatividade, estratégia e eficácia das ideias. Vou representar da melhor forma possível o Brasil.”

Beauty Inside
“O case ‘The Beauty Inside’ (trabalho da Pereira & O’Dell, GP na área em 2013) deu uma aula sobre como respeitar o território do entretenimento, sem intrusão. A história ficcional do protagonista, Alex, rompeu as fronteiras da publicidade e do entretenimento. Tanto que até um merecido Emmy Award ganhou. Totalmente centrada na audiência que, literalmente, protagonizou as histórias. Contemporânea, universal, social na essência e participativa, e ainda um case de transmedia storytelling. Ele construiu um território de conversa da marca com a audiência, que foi totalmente engajada. A história humanizou as duas marcas, sem interromper a vida das pessoas.”

Criatividade
“Ser criativo em Branded Content é criar uma narrativa para a marca que conecta emocionalmente e engaja as pessoas porque fez sentido, porque contou uma história que foi relevante para a vida das pessoas, agregando valor e significado. Onde o herói é a audiência, o entretenimento é a linguagem e o foco não é gerar impacto de uma mensagem, likes ou views, mas sim desenvolver um território participativo de experiências contagiantes capaz de provocar relacionamento e conversa. Quando as marcas contam histórias maiores do que seus produtos.”

Brasil
“Várias agências aqui já estão anunciando que desenvolvem projetos de branded content e muitas virão. Há uma forte demanda mundial das marcas que precisa ser atendida. A qualidade aparecerá na medida em que a inteligência prometida for entregue e o mindset verdadeiramente transformado. O Brasil tem inteligência e fantástica capacidade criativa. Estou bem otimista e imagino que o número de inscrições vai aumentar ainda mais neste ano, inclusive a quantidade de cases inscritos por agência. E a nossa capacidade de decifrar os códigos de categorias menos tradicionais fica mais aguçada. Temos grandes chances porque temos talento e criatividade.”

Redes sociais
“As redes sociais funcionam de forma muito natural e intuitiva para mim. Somos humanos, seres altamente sociais, nos agrupamos por afinidades em uma cultura-mundo hiperconectada, adoramos compartilhar nossas experiências conversando e nos relacionando agora de forma muito mais divertida, interativa, rápida, ao vivo e em tempo real. As redes sociais funcionam como a nossa extensão. A relação social entre as pessoas hoje é mediada por imagens, e vive em ritmo de espetáculo. O ‘parecer ser’, muitas vezes vale mais do que ‘ser’, e o ‘parecer ter’, também. As relações ficaram mais próximas e conectadas, a sensação de distância e tempo entre as culturas diminuiu barbaramente. Profissionalmente, isso rompe muito mais as fronteiras e permite sim uma maior expansão profissional, aproximação e repercussão dos movimentos de cada um, das ideias e opiniões, das informações compartilhadas. As possibilidades para o branded content expandiram absurdamente com a era da conversa social e altamente visual, onde 2012 foi o ano da foto e 2013, o ano do vídeo. E o vídeo é a melhor ferramenta para contar e compartilhar histórias e a emoção contida nelas.”

De ET a especialista
“Eu nunca tive tanto eco quando falo ou escrevo sobre branded content, como tenho hoje no Brasil. Em 2004, 2005, chegava a me sentir quase um ‘ET’ em reuniões, mas sabia que era uma questão de tempo para haver uma maior conscientização do mercado brasileiro. A revolução está acontecendo faz tempo, e tudo começou quando os consumidores ganharam muito poder com a internet e a tecnologia dos equipamentos que gravam a programação da TV. Eles deixaram de ser passivos, assumindo o controle do que vão assistir na TV. Um processo definitivo de quebra do antigo sistema tradicional de distribuição de conteúdo midiático. Isto vem afetando progressivamente as estruturas das indústrias do entretenimento e da propaganda no mundo todo, provocando uma inevitável reinvenção do negócio. A mudança profunda está na transferência de poder de quem faz e distribui os produtos de entretenimento, para quem os consome.”

Story-led Marketing
“O futuro já está sendo desenhado, fora do Brasil. Marcas desenvolvendo conteúdos em formato de história (brand stories ou brand storytelling), proprietários e originais, cada vez mais personalizados e contextualizados, afinados com o propósito da marca e sintonizados com o que gera significado para a audiência. ‘Story-led marketing’: o branded content & entertainment incorporado como ferramenta principal do marketing e o storytelling no coração da estratégia da marca. A propaganda, é óbvio, permanece forte. Mas uma propaganda que entretém e envolve a audiência.”

Desafios e oportunidades
“Somos muito apressados no Brasil. Às vezes queremos garantir o pé na mudança sem ‘perder’ muito tempo na elaboração e preparação do novo. Já temos até risco de banalização do tema, infelizmente. A pressa de prometer e entregar o serviço e o know-how para os clientes parece incontrolável. Branded content não é uma disciplina. Não é um novo nome de alguma coisa antiga. Não é product placement, nem product integration (termo novo que recicla o antigo product placement), por mais que isso doa. O que é tão antigo como a TV é a prática muitas vezes exagerada e intrusiva do product placement, recurso muitas vezes mais seguro para não abandonar o tradicional filme em 30 ou 60 segundos. O nosso problema e grande desafio é o mindset. Já que o modelo de negócio do mercado brasileiro é orientado à compra de mídia, criando uma forte resistência, uma força oposta à evolução e desenvolvimento da cultura de branded content. Enquanto a mentalidade e o objetivo do nosso mercado se mantiverem o mesmo, a chave não vai girar. Pois branded content dá muito trabalho, demanda tempo, planejamento estratégico, criação, dedicação e paixão.”

Além da propaganda 
“Gosto muito de ler – sou uma das ‘loucas’ dependentes da Amazon –, correr, fazer qualquer coisa com meus inadestráveis cachorros e ver e rever muitos filmes e seriados. Se não fosse publicitária, seria arqueóloga. Cheguei a passar no vestibular, mas não deu para conciliar com a faculdade de comunicação.”