Pelo direito de não atualizar

Houve um tempo em que conhecíamos todos os taxistas do ponto da esquina pelo nome. Bem como o açougueiro, o sapateiro e o guarda-noturno. Eles, e outros, compunham a identidade do lugar em que vivíamos. Travávamos com cada um diálogos em que circulavam informações do interesse da comunidade.

Essas conversas mapeavam o nosso entorno e balizavam muitas das nossas opiniões. Vizinhos sabiam quem viajou, quem ficou doente, quem vai casar, quem se separou… Com exceção de uma guerra mundial ou de um furacão devastador, justificadamente não havia notícia mais importante do que a que relatasse o que se passava no bairro. Afinal, era de lá que partíamos para a aventura do mundo e é para lá que nos recolhíamos em segurança.

A inovação tecnológica, em progressão geométrica, vem desmanchando esse conceito de convivência. A proximidade física perde seu significado, bem como a pessoalidade. Que, aliás, virou uma brincadeira cínica: bonequinhos com nomes próprios fazem as vezes de gente, respondendo com frases programadas em algoritmos, consultas que fazemos em aparelhos eletrônicos. Novas gerações nascem sob esse padrão e os jovens começam a vida desejando que a tecnologia se torne ainda mais automática e impessoal. Sua vida comunitária é virtual e a tecnologia é determinante para a aproximação, independentemente de distância.

As relações já não se dão com o entorno, pois as compras são encomendas em aplicativos e os entregadores são sempre diferentes; o ponto de táxi, igualmente, fica no celular, e os motoristas também são sempre outros. Câmeras de segurança e alarmes substituem guardas-noturnos, emudecendo os velhos apitos. Sapateiros são franquias em shoppings, onde anônimos fazem os consertos. Ninguém mais tem tempo nem intimidade para um dedo de prosa.

Redes sociais nos empurram para nichos, tentando resolver o desmanche da comunidade natural, onde a riqueza estava na diversidade. Como sobreviver, sem ser saudosista, mas simplesmente não querendo esse avanço veloz da inovação? Como sermos aceitos com naturalidade, na condição de não precisarmos que as coisas mudem tão radicalmente, porque do jeito que elas ainda são proporcionam experiências que nos fazem falta? Por que sermos obrigados a aprender sempre um jeito novo, mais rápido, de fazer as coisas, sob pena de não podermos mais fazer, uma vez que o jeito anterior vai ser desativado? Quanto mais vivemos, mais guardamos referências.

Portanto, certas escolhas pelos métodos “antigos”, por exóticas que pareçam, diante da opção por uma versão atualizada do que quer que seja, são emocionalmente mais confortáveis. É preciso lembrar que a nós, os mais velhos, não resta tempo para criar um laço histórico de afeição com nada. Muito menos pelo que é substituído o tempo todo. O taxista, o açougueiro, o sapateiro e o guarda-noturno eram importantes não apenas por seus papéis profissionais. Mas porque eram pessoas conhecidas, cujas personalidades passavam a compor o mosaico da nossa existência. Eram necessariamente íntimas para não perdermos a noção de humanidade.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com).