Perda de foco
Dos muitos releases que recebo, observo que a grande maioria parece indicar que os meios são mais relevantes que os fins e que o objetivo maior de anunciantes e suas agências não é o de vender mais, fortalecendo suas marcas e ativando vendas, mas o de parecer ser pioneiro, o primeiro a usar certos truques em suas áreas, ser um bom moço (ou boa moça), trabalhar pela diversificação ou ser até “mais realista que o rei”.
Estou em dúvida se isso se trata da obsessão em ser o primeiro, de não ficar fora de moda ou da mais pura miopia, confundindo o acessório com o principal, as fímbrias de consumo com o cerne de compradores da marca ou, até, acreditar que marcas e produtos já estão “vendidas” – ou “compradas”, dependendo do ponto de vista – e que o propósito maior do marketing e da comunicação é o de “dourar a pílula” e fazer juras (nem sempre em compasso com a realidade dos pontos de venda, físicos ou digitais) de que a marca está cumprindo toda a extensa cartilha do politicamente correto.
Por outro lado, ao se assistir os principais canais de TV e ver as ofertas na mídia digital, podemos ver a dicotomia entre algumas marcas, que fazem publicidade diáfana e bem-intencionada em alguns momentos, mas passam a maior parte do tempo gritando ofertas cujo único compromisso é destacar que vendem por menos e com maiores facilidades.
Este não é um comportamento esquizofrênico moderno, diga-se de passagem, mas o que tem-se visto, nos últimos tempos, é justamente esse aumento da perda de foco dos executivos e profissionais de marketing e comunicação, que parecem ter perdido o objetivo claro e límpido de que estão no jogo para ganhar segundo as regras estabelecidas e pretendem direcionar suas jogadas para aquilo sobre o qual estão melhor preparados para fazer ou – o que é pior – estão melhor estruturados para vender. Isso leva a uma verdadeira “cadeia subversiva” de interesses, no qual a partir de uma convicção baseada em percepções equivocadas de qual seria um caminho para diferenciação e convencimento dos consumidores, embarcam todos – de clientes a fornecedores, inflados por uma mídia pouco crítica – em verdadeiras viagens que afastam as marcas do bom caminho, do trabalho duro de encontrar um conjunto próprio de elementos diferenciadores, de estruturar uma solução exclusiva para a marca, de passar tudo pela lente de aumento de uma análise consciente e pela carpintaria de combinar mensagens de modo envolvente para os consumidores e pertinente para o produto/serviço.
O que todos esquecem, ao embarcar nesse trem da alegria de experiências, story telling, mensagens virais, diversidades e outros muitos “ismos” que assolam a nossa área, é que a razão de nossa profissão é dramaticamente simples e direta: “we sell, ou else”, como dizia, repetidamente, um dos gurus de nossa atividade, David Ogilvy.
Ou, como dizia, também constantemente, Theodore Levitt, o criador do conceito de miopia em marketing: “Nada pior do que fazer bem feito o que não deveria ser feito”. Porque, quando fazemos alguma coisa bonita, bem-intencionada, respeitável, corremos o sério risco de acreditar que era aquilo o que deveria estar sendo feito, para tarefas prosaicas como vender mais papel higiênico, diferenciar um carro entre dezenas de outros muito parecidos, conseguir gerar a percepção de valor para produtos banais e facilmente acessíveis, estabelecer prioridade de gastos entre as muitas dezenas de opções que o mercado nos oferece – para tempo e recursos cada vez relativamente mais escassos.
Nossas tarefas no dia a dia do marketing e da publicidade são conceitualmente simples e diretas. Assim como deveriam ser nossas mensagens.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)