Perdoe o chato
Para minha alegria espero que você não concorde comigo. Desejo do fundo de meu coração que você fique indignado com o que vou afirmar. Mas eu estou ficando muito chato. Melhor dizendo, acho que estão muito chatos os textos que tenho publicado aqui nesta página. Tomado por um brutal desânimo com o ser humano, notadamente o brasileiro, tenho derramado o fel do pessimismo com um amargor de dar raiva. Quando recebo o meu exemplar da revista, procuro a coluna, por vários motivos. O primeiro é conferir se foi publicada, em homenagem à minha insegurança. Depois leio toda ela, já distante da emoção de escrevê-la, tentando raciocinar como leitor. E tenho deparado nas últimas semanas com um velho chato e choroso, emburrado com a situação do país e seu povo, chamado Lula Vieira. Trancado em casa, remoendo a distância das netas e dos amigos, exposto ao chorrilho das agressões e babaquices das redes sociais, prometo a mim mesmo que na próxima semana vou voltar a ser um contador de histórias da propaganda, um cronista pândego que viveu 50 anos criando peças destinadas a vender coisas, ideias, pessoas, cidades.
E se divertiu fazendo isso, convivendo com pessoas muito especiais. E que, para mal de seus pecados, continua atuando, mas em home office, se relacionando com colegas e clientes via computador, que tem a capacidade de transformar qualquer reunião numa chatura sem fim. A telefonia, mesmo com imagens, afasta contato humano, matando toda a carga emocional do sorriso, do olhar, dos gestos. Pela tela do computador, as pessoas nos são íntimas como o William Bonner. Então, para honrar o nome da coluna – Storyteller – deixa eu voltar ao espírito da página e contar uma historinha muito boa, que me foi passada por um dos que dela participaram. Mauro Salles. Quando ele, Mauro, assumiu a direção da TV Tupi descobriu que havia um débito de 500 mil dólares com a RCA que, por princípios empresariais do proprietário da TV, jamais se cogitou em pagar. Mauro achou que, apesar dos anos de atraso, seria muito bom honrar o compromisso, para que se restabelecesse o crédito da emissora que, já em vias de se tornar rede nacional, necessitava de equipamentos fabricados pela empresa americana. Por isso, para total surpresa da RCA, que já havia digerido o calote, a conta foi paga. Foi motivo para jantares e comemorações de todo tipo e, o restabelecimento do crédito, motivo do gesto de adimplência de Chateaubriand, o dono da Rede, que, dizem línguas maldosas, teve um sério ataque de urticária por ter honrado uma dívida. Chatô não se fez de rogado diante do restabelecimento do crédito. Tratou de adquirir 5 milhões de dólares em equipamentos. As emissoras associadas receberam o que havia de moderno em aparelhagem, a última palavra em transmissão de som e imagem. E a RCA nunca viu a cor do dinheiro. Ainda sobre televisão. Juntamente com o Ronaldo Rosas, uma vez eu entrevistei para o programa que fazíamos na TV Educativa o grande Benvindo Siqueira. À uma certa altura, perguntei para ele se morava no Rio de Janeiro. Foi o suficiente para baixar nele o Caboclo Carioca.
Desandou a falar bem do Rio, de suas belezas naturais, seu povo, suas mulheres, o por do sol, as praias, as matas. Foram alguns minutos de verborragia. Ao fim, Benvindo sentou-se numa cadeira, olhou para o câmera, juntou as mãos e disse: “agora você me dá uma enrabadinha…” Passamos uns 15 minutos sem poder gravar, pois ninguém mais conseguiu fazer nada sem cair na gargalhada. Ainda neste programa, numa outra ocasião, um psicólogo defendeu a tese que era natural da raça humana a troca de parceiros sexuais. Até porque, disse ele, não havia na natureza nenhum animal monogâmico. Foi quando alguém discordou, dizendo que, por exemplo, havia sim um bicho que não pulava a cerca. O pombo. Fez-se um silêncio constrangido. De certa forma, essa afirmação desmentia toda a tese do doutor. Para tentar salvar a situação, Ronaldo, seríssimo, o âncora do programa, declarou solene: “Mas também pombo é chato para caralho”. Foi um grande momento da televisão do Brasil.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor
(lulavieira.luvi@gmail.com)