Andrea Siqueira:  “A busca pelo equilíbrio em agências existe há cerca de cinco anos” (Crédito: Divulgação)

Os assuntos que envolvem a diversidade, mais precisamente a igualdade entre homens e mulheres em lideranças do meio corporativo, fazem parte da agenda das empresas há anos, mas ainda encontram alguns entraves para sair do discurso e serem colocados em prática. 

Segundo dados do Fórum Econômico Mundial (FEM) de 2018, entre os 149 países avaliados, o Brasil ocupa a 92ª posição no ranking global de disparidade de gênero. Ou seja, fala-se muito sobre a importância em ter uma cultura inclusiva nos ambientes de trabalho, mas os números não retratam a realidade brasileira, que ainda é de desequilíbrio.

No segundo semestre de 2019, observamos duas grandes baixas de profissionais femininas no mercado publicitário. No mês de setembro, a executiva Cintia Gonçalves, sócia e chief strategy officer (CSO) da AlmapBBDO, deixou a agência onde trabalhava há 19 anos para se dedicar a projetos de conteúdo e inteligência de dados. Já em novembro, foi a vez de Ligia Vulcano anunciar sua saída da SunsetDDB, onde ocupava desde setembro a função de chief business officer (CBO). Porém, vale ressaltar que em janeiro a publicitária foi anunciada como copresidente da agência ao lado de Guilherme Jahara, mas foi substituída nove meses depois por Pipo Calazans, que deixou a TracyLocke Brasil. 

Para Andrea Siqueira, diretora-executiva de criação da agência BETC/Havas, as mulheres perderam espaço na última década. “Quando eu cheguei em São Paulo, em 1998, havia muitas mulheres em cargos de liderança: Ana Carmen Longobardi, Tetê Pacheco, Camila Franco, Claudia Issa, Renata Prado, Adriana Cury e várias outras criativas que se tornaram amigas, e já eram grandes talentos na época. De repente, o ambiente das agências, em alguns lugares, ficou tão machista e agressivo que desestimulou muitas da minha geração e gerações seguintes. A busca pelo equilíbrio existe há mais ou menos cinco anos, quando a Joanna Monteiro provou que podia estar à frente de uma grande agência no Brasil (na FCB), conquistando importantes prêmios da indústria da comunicação e abrindo novamente o caminho”, ressalta.

Fernanda Antonelli: “A principal mudança nesta última década foi de comportamento” (Crédito: Divulgação)

Já para Fernanda Antonelli, managing director da W+K São Paulo, as mulheres estão se ouvindo mais, compartilhando suas experiências e criando coragem para lutar por seus direitos. “Era urgente que a gente rediscutisse e repensasse o papel da mulher tanto no mercado de trabalho como na sociedade. Portanto, pra mim, a principal mudança nesta última década foi de comportamento, de parar de reconhecer situações, frases e obrigações que desvalorizam a mulher como sendo aceitáveis, normais. Ainda somos poucas mulheres em posições de liderança, precisamos ter oportunidades para provar que podemos liderar no trabalho e inspirar outras mulheres. Felizmente, existem empresas que começam a se conscientizar sobre o quanto uma liderança mais plural agrega novos olhares às antigas questões”.

EMPODERAMENTO

A manifestação sobre o empoderamento feminino, e de todas as minorias, realiza-se na esfera abstrata, da busca filosófica pela igualdade de uma  humanidade mais justa para todos. Com isso, como sair do discurso e colocar os direitos em prática?

Segundo a executiva Marcia Esteves, que acaba de assumir como CEO da agência Lew’Lara\TBWA, após uma exitosa atuação de cinco anos à frente da Grey Brasil, sendo os dois últimos anos como presidente, onde conquistou diversos prêmios nacionais e internacionais, este movimento é importante para que se dê visibilidade às práticas concretas de apropriação dos espaços de poder realizadas por mulheres e outras minorias, no cotidiano da vida em sociedade. “Uma coisa importante é o discurso sobre o empoderamento, o discurso sobre dar o poder a alguém. Outra coisa, tão importante e vital, é a prática estratégica, realizada pelas mulheres, de assumir a posição de poder e exercê-la com competência. Acredito que colocar seus direitos em prática é ser sujeito de sua ação, algo radicalmente diferente de ser empoderada, objeto da ação de empoderar”.

Marcia Esteves: “Acredito que colocar seus direitos em prática é ser sujeito de sua ação” (Crédito: Divulgação)

Para colocar os direitos em prática é preciso do apoio das empresas, do governo e da sociedade. Uma pesquisa realizada pela Ipsos revela que quase 1/3 dos brasileiros não se sentem confortáveis em ter uma chefe mulher. 

“Não basta chegar lá. Mesmo as que chegam lá precisam provar que são capazes, todos os dias. Muitas empresas ainda são ambientes adversos para as mulheres. Essa massa crítica e sensível de suporte começa a se formar no discurso do empoderamento. Portanto, não paremos de falar sobre isso, de apontar os erros, e continuemos lutando, conversando, somando para uma sociedade mais diversa e justa na esfera pública e privada”, destaca Fernanda.

As vantagens da inclusão e da diversidade para as empresas são cada vez mais claras. Um estudo desenvolvido pela consultoria McKinsey, em 2017, salientou que empresas cujas equipes executivas apresentam maior diversidade de gênero têm lucratividade 21% acima da média. Se há diversidade étnica, os lucros são 33% maiores.

“A comunicação existe para uma marca falar com as pessoas. Portanto, se essa marca fala para mulheres, é importante que quem esteja criando ou trabalhando a voz desta marca tenha olhar feminino. É importante equilibrar o ecossistema”, diz Ana Leão, managing director da Isobar Brasil.

Ana Leão: “É possível que na próxima década alcancemos esse equilíbrio” (Crédito: Divulgação)

Ainda segundo a executiva, o desafio da próxima geração de meninas é não aceitar o machismo e as diferenças pelo simples fato de ser mulher. “É possível que na próxima década alcancemos esse equilíbrio. Mas o equilíbrio não depende só de nós, depende dos outros que estão em dominância aceitarem e comprarem a ideia do equilíbrio, por isso que esse movimento não é rápido. A próxima geração, que já é essa geração Z, e um pouco dos millennials, possue uma visão mais de igualdade, com menos resistência e com menos sentimento de perda, pois o que atrasa o equilíbrio é o dominante se sentir perdendo, mas na hora que o dominante entende que ele também ganha com o equilíbrio, aí que as coisas, de fato, mudam”, ressalta.

O que fica claro é que cada ser humano traz, pode trazer e deve apresentar um olhar diferenciado para qualquer projeto que se propõe a realizar em grupo. “O olhar feminino é tão rico e valioso quanto o olhar masculino. O olhar jovem e o olhar maduro, o olhar ingênuo e o sofisticado, o olhar de raízes culturais do campo e o olhar urbano, o olhar da razão e o olhar da intuição. O que seria da criatividade, da qual depende a publicidade, sem esses olhares?”, reforça Marcia.

Para conhecer suas histórias, seus percalços e entender quais serão os desafios a serem enfrentados na nova década, o PROPMARK realizará em 2020 uma série de entrevistas com mulheres que fazem a diferença na indústria de comunicação. Profissionais de agências, veículos, anunciantes, produtoras e das profissões mais distintas serão ouvidas em um projeto que vai unir todas as plataformas da publicação: impresso, site, vídeo e redes sociais.