Picadinho
“De certa forma, a ausência de emoção de Vossa Majestade é uma bênção. Ninguém precisa de histeria num chefe de Estado”. Harold Wilson para a Rainha Elizabeth II, que lamentava não conseguir chorar em público.
Era um sábado na hora do almoço. Encontrei-me com Nelsinho Batista, na época diretor da Rádio Jornal do Brasil. Após os abraços e comentários sobre o tempo, ele me convidou para almoçar. Respondi que não tinha tempo, pois minha mulher havia pedido que eu fosse até uma loja de móveis para comprar um banco daqueles que se colocam aos pés da cama. Nelsinho respondeu: eu tenho um lindo, dou para você, esquece isso e vamos almoçar. Claro que achei um absurdo total, mas a vida é assim. Fomos almoçar. Enquanto isso chegava, sem que eu soubesse, um banco de veludo cinza em casa, providenciado pelo Nelsinho. No meio da tarde minha mulher telefonou. Eu já estava inventando uma desculpa, quando ela elogiou minha eficiência. Tinha adorado o banco e a rapidez. Aproveitei e mandei vir mais uma garrafa. Depois mais uma. Quase que naquela noite tive de dormir no banco de veludo cinza.
Houve uma reunião do Clube de Criação do Rio de Janeiro na cobertura de um edifício com uma livraria no térreo. Dispensei o motorista da agência e com ele minha pasta, com a carteira de dinheiro e os cartões de crédito. Separei uma graninha para o táxi e fiquei nos trabalhos de salvação da publicidade pátria, o que incluía dar um trato em uma garrafa de uísque, como de praxe na época. E foi com algumas doses na cabeça que desci do elevador e saí por engano na livraria onde Ziraldo, primo de minha mulher, estava autografando o Menino Maluquinho. Ziraldo me saudou com entusiasmo: “Que bom que você veio!”. Covarde que sou, além de meio de porre, garanti que jamais deixaria de estar presente. Gastei o dinheiro que tinha comprando o livro e ganhei um magnífico autógrafo com um textão, para meus filhos. E fui a pé de Ipanema até Cosme Velho, com o livro que eu fatalmente ganharia, amaldiçoando Ziraldo, o Menino Maluquinho, as noites de autógrafo em geral, o álcool e o Clube de Criação do Rio de Janeiro em particular.
Nossa agência, a V&S atendia a conta da Rádio Jornal do Brasil. O grande jornal popular na época era o O Dia, que vendia mais que O Globo e fazia uma concorrência bastante aguerrida na área de classificados com o JB. Vai daí que, numa concorrência muito disputada, ganhamos a conta de O Dia, que (saudade!) significava um grande faturamento. Sergio do Rego Monteiro, diretorzão do Grupo JB, ao saber disso me chamou para uma reunião, tirou a nossa conta, pediu meu crachá de volta e, dramaticamente, o fez em pedacinhos. Quando consegui acalmá-lo, expliquei que eu tinha a conta da rádio e não do jornal e era uma injustiça eu não poder atender O Dia e A Rádio Jornal do Brasil, uma vez que não eram concorrentes. Sergio achou que – vá lá – eu tinha alguma razão e resolveu desfazer a ordem. E eu pedi um novo crachá. Minutos depois estávamos em reunião e entrou um funcionário da segurança perguntando qual seria a data de validade de meu novo documento. Sérgio respondeu com toda a seriedade: “Escreva aí – até a próxima cagada…”
Na inauguração de uma das empresas do Grupo Ibope, o velho Montenegro me encomendou o discurso para a solenidade em São Paulo. Segundo sua orientação, preparei três laudas e ao final escrevi: “não se esqueça de agradecer”. Eu queria lembrá-lo que ele deveria saudar as personalidades presentes. Mas o recado ficou assim curtinho. Montenegro era um gênio, mas não gostava de fazer discursos. Leu comportadamente o texto e encerrou, conforme eu tinha sugerido: “Obrigado, Lula!”
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)