Planejamento: menos filosofia, mais vivência
Após conquistar prestígio dentro das agências, o planejamento precisa se equilibrar na corda bamba entre o racional e o intuitivo. A avaliação é de Fernand Alphen, diretor de estratégia da JWT e um dos participantes do Fórum Top de Planejamento, realizado nesta terça (19) e quarta-feira (20) pela ESPM, em parceria com a PS Carneiro, dentro da Virada Estratégica — sediada no WTC Sheraton, em São Paulo. “O planejamento sempre oscila entre dois movimentos: de um lado é maleável, sensorial; de outro, porque nasceu da costela do departamento de pesquisa das agências, é exato e convicto. O planejamento está nesta gangorra”, analisou Alphen, que começou sua carreira na criação. “Sou um outsider”, definiu, sentindo-se, assim, confortável em apontar os exageros tanto nas abordagens superracionais quanto nas hiperintuitivas dos profissionais.
Segundo o executivo, o departamento ganhou prestígio e glamour nos últimos anos porque virou a área pensadora e filosófica dentro das agências, o que trouxe, em sua visão, uma “ortodoxia pseudocientífica” para ela. “Com esse modismo, criamos um departamento de ideias rebuscadas, que apontam tendências microscópicas e estímulos extremamente eruditos”, criticou. A vocação para a pesquisa e para o levantamento minucioso de informações também pode ser uma barreira, que mata a criatividade, disse. “A obsessão com dados é uma forma de censura. É contra a liberdade”. Por outro lado, o planejador sensorial e intuitivo, que capricha nas metáforas, pode construir briefings incompreensíveis. “Os planejadores às vezes constroem posicionamentos de marca metafóricos, difíceis de serem entendidos”, analisou.
Embora assuma que o equilíbrio entre as duas porções – razão e intuição – seja difícil de alcançar, Alphen sugeriu que os profissionais não se “encastelem atrás de dados” e nem sejam “gurus de intelecto primitivo”. “É preciso equilibra-se entre o improviso e a ortodoxia e equalizar a imaginação e o pragmatismo”, aconselhou. “Tem que descer do pedestal filosófico e fazer decolar dados e aterrissar insights”.
Alphen também criticou a burocratização no processo de construir o briefing. “Meu plano na JWT é abolir o briefing de papel”, revelou. “Quero que a conversa com qualquer cliente gere anotações pessoais de cada um. Se não, fica um ‘vai e vem’ inútil, a burocracia de esperar o papel que não desce da criação, que não chega do atendimento. São processos que atravancam”, sintetiza.
Marcas enraizadas
Como construir marcas enraizadas culturalmente? Esse foi o tema da apresentação de Katrin Warketin, diretora de planejamento da Ogilvy & Mather, e Nadia Dubois, diretora de planejamento da David, agência do grupo Ogilvy no Brasil. O primeiro desafio, de acordo com Katrin, é encontrar um grande ideal para ter propósitos claros. Esse “big ideal”, segundo denominação da agência, surge quando a marca se posiciona dentro de uma tensão cultural.
Um clássico exemplo, segundo Nadia, foi o posicionamento “Pela Real Beleza”, lançado por Dove em 2004. “A marca olhou para a tensão cultural relacionada ao estereótipo de beleza e seu grande ideal foi pensar na beleza natural de toda mulher”, explicou. A estratégia cultural, contudo, não precisa tocar em assuntos espinhosos, esclarece Nazia. “Não precisa ser algo que vá mudar o mundo para sempre, mas algo que irá mudar a vida dos consumidores dessa marca para melhor”.
Na busca pelo ideal, as marcas devem atentar para três pontos: o primeiro é que são os consumidores quem criam a cultura na qual as marcas vivem. “O que importa é o que nós significamos para eles”, reforça. O segundo ponto é suspender o julgamento. “É difícil para marcas que sabem o que querem acreditar que os consumidores não irão aceitá-la como é. Mas, se quer ser uma marca forte, precisa entender quem está comprando o seu produto. Sem, contudo, perder a sua alma”, disse. Por último, as marcas devem ser corajosas. “Há momentos em que se deve respeitar o status quo e há momentos de chacoalhar as estruturas”, indicou Nazia.
Um dos exemplos de como uma marca pode ser desafiadora é a campanha “It gets better”, do Google Chrome, que reuniu depoimentos de homossexuais na internet para serem compartilhados. “Quando uma marca é muito grande, é preciso entender que ela tem responsabilidades porque afeta a vida das pessoas. É necessário agir de forma corajosa sobre suas crenças”, completou Katrin.
Planejar depende de experiências reais
A experiência, repertório e vivência de um planejador e como ela pode ser transmitida para o diálogo de seus clientes com as marcas foram os principais temas abordados durante o segundo dia do fórum Top de Planejamento 2013. Falando sobre “Como potencializar o digital na fidelização de clientes e reputação das marcas”, Luiz Buono, sócio e vice-presidente de planejamento e atendimento da Fábrica, destacou que a não se pode considerar digital uma empresa apenas pela montagem de uma estrutura. “O digital tem que ser orgânico. Não basta apenas contratar um diretor de criação especializado. Além disso, ele está em constante movimento e, para acompanhá-lo, são necessários elementos e atitudes como transparência, proximidade, inovação, confiança, credibilidade, emoção, colaboração, tecnologia, design e cocriação”, cita.
O profissional também reforçou a diferença entre audiência e interação — citando o segundo quesito como primordial na comunicação atual. “Estamos migrando do conhecimento do consumidor para o conhecimento de comportamento. Não se deve mais mensurar desejos, mas sim o efetivo. Não se considera mais o vender por vender, mas sim ajudar, contribuir, entreter o consumidor. O que importa não são mais as impressões, mas sim as “expressões”, completa.
Renata Serafim e Ana Paula Lombardi, respectivamente diretora-geral e diretora de planejamento da Talent, aproveitaram o case de Ipiranga, na casa desde 1995, para ilustrar como o trabalho da agência pode influenciar positivamente não só na comunicação, mas no negócio do cliente como um todo. “Lá em 1995, enxergamos que o negócio do Ipiranga não era só o combustível, mas o varejo. O cliente entendeu e aí nasceu a rede de postos com serviços como AM/PM e JetOil. Na sequência, chegamos ao conceito “Apaixonados por carro como todo brasileiro”, destacando aquele zelo com o carro que era característico”, explicou Ana.
Cercado de confiança do cliente, o departamento também foi fundamental, de acordo com Renata, na transformação de um posicionamento já consolidado para acompanhar a evolução do negócio. “Nos dois ultimos anos, esse conceito precisava de uma revisão, tirando o carro do centro de tudo para colocar as pessoas. O Ipiranga já era um lugar de multisserviços, aí chegamos no atual “Um lugar completo esperando por você”, que trouxe como bagagem a linguagem bem humorada e mais próxima do consumidor”, completa.
Vivência
Representando a The Group, o sócio-diretor Fernando Guntovitch e o diretor de planejamento Douglas Gomes analisaram a dinâmica do planejamento. “O planejamento não é uma caixa preta. Não temos que contar histórias, mas sim inspirar. Ele nunca está 100% pronto, é dinâmico e sempre pode evoluir”, analisa Guntovitch. “Planejar é trocar a o pneu de um carro em movimento — e o importante não é o pneu, mas sim o movimento”, relaciona Gomes. O profissional enfatizou que só as experiências externas levam o planejador a ter maior conhecimento de causa. “Para ser um planejador é preciso olhar para o lado, trocar referências, buscar novidades. A marca é o que conecta tudo, mas ela só existe quando as pessoas dão um significado a ela. E essa trama é união do sentimento com a lógica”, finaliza.
Com conceito semelhante, Ana Paula Cortat, vice-presidente de planejamento da Africa, abordou a necessidade que sente — e acha primordial — de ter experiências além das salas do escritório e relatórios de pesquisa para se realizar um bom trabalho de planejamento. “A resposta não está na tecnologia, nem no olhar constante para as tendências, nem no futuro. Ela está no passado, no presente e nas pessoas. Contar histórias sempre foi importante, só que agora elas naõ podem só prender a atenção do público, precisam também gerar atitude e participação. Isso mudou o papel do planejador, dando a ele mais responsabilidades de gestão. Por um lado é interessante, mas por outro é um risco. Naõ podemos deixar essas atribuições burocráticas tirarem nossa conexão com as pessoas. Temos que ir pra rua, ter vivência, repertório. Pessoas sem contato com a realidade não deviam fazer planejamento. Não podemos perder o foco e esquecer que a resposta está onde ela sempre esteve: lá fora”, finalizou.