Plantando doenças para vender remédios
Francisco A. Madia de Souza
Os brasileiros se acostumaram com a prática cruel de criar dificuldades para vender facilidades. Faz parte da história e da cultura do país. Quanto maior a teia, mais aranhas para sangrar o bolso dos cidadãos e contribuintes brasileiros. Aranhas formais e venenosas – a máquina do Estado –, e aranhas informais e também venenosas – funcionários corruptos que pegam carona nas oportunidades perversas de impostos, multas e taxas desproporcionais, e vendem formas de tungar o Fisco. Quadro triste da tragédia brasileira. Na indústria farmacêutica essa é uma prática centenária. Plantar doenças para vender remédios. No inglês, prática mais que conhecida como Branding Condition. Mais de uma dezena de livros escritos sobre o assunto com exemplos emblemáticos.
A técnica possui três caminhos distintos. O primeiro é dar grandiosidade a uma doença corriqueira e banal. E, claro, lançar um novo remédio para uma velha doença. A segunda é rebatizar antigos problemas – eliminando o estigma – com novas e emblemáticas denominações. E, claro, remédio novo em anexo. E a terceira, transformar pequenos sintomas e manifestações insignificantes em um novo campo de atenção da medicina, claro, com remédio novo em anexo.
Durante décadas as pessoas conviveram com azia. Quando apertava compravam um remedinho na farmácia. Uma das indústrias transformou azia em Gerd – Gastroesophageal Reflux Disease – e potencializou as vendas de seu Zantac. Inicialmente lançado para úlceras estomacais, mais que triplicou as vendas quando médicos e pacientes “compraram” a ideia da Gerd. Quando o processo de Branding Condition se revelou tremendamente bem-sucedido. Brochar fazia parte da vida das pessoas. Viagra e similares jamais alcançariam o sucesso se os homens precisassem confessar recorrência de brochadas. Sai brochar entra DE – Disfunção Erétil – e Viagra decola. Caso típico do segundo caminho. Rebatizar o problema e possibilitar o fluxo da solução. Dar fim ao estigma da prosaica, corriqueira e tradicional brochada.
Sempre convivemos naturalmente com pessoas extrovertidas e pessoas tímidas. E assim seguia a vida e a humanidade. Mas na timidez existia uma tremenda oportunidade. Uma das indústrias farmacêuticas decidiu “Branding Condition”, mapear e alardear o “problema” e, claro, em anexo, trazer a solução. Através de um trabalho de RP começou a revelar a timidez de certas celebridades (claro, pagas para o papel).
Ricky Williams, running back na NFL, passou a comentar em todas as suas entrevistas sobre suas dificuldades em se relacionar e comportar naturalmente diante de outras pessoas e rapidamente estava plantada a Social Anxiety. Remédio? Paxil! Depois de dois anos era o sétimo remédio mais lucrativo da história nos Estados Unidos, e a empresa de RP ganhou o prêmio de melhor campanha do ano de 1999. Quanto mais convivo com essas lamentáveis histórias mais admiração tenho pela Aspirina. O mais santo dos remédios, que custa menos que dinheiro de pinga; e, mais que Bom Bril, resolve 2001 sintomas e doenças, de verdade.
Francisco A. Madia de Souza é consultor de marketing, sócio e presidente da MadiaMundoMarketing