Poliana Sousa: “Temos de nos ajudar se queremos ter 50% de mulheres na liderança”

De Cuiabá (MT) para os Estados Unidos e de volta ao Brasil, Poliana Sousa tem cerca de duas décadas de experiência em marketing em gigantes como P&G e, desde agosto de 2018, na marca Coca-Cola. Recentemente, ela conquistou o posto de primeira mulher brasileira na vice-presidência de marketing da Coca-Cola Brasil e passou a cuidar de 27 marcas da companhia. Além de refrigerantes, seu papel agora é liderar o crescimento sustentável de categorias como sucos e chás. Mas para ela a missão é ainda maior. Defensora da igualdade de gênero, a executiva atua em questões ligadas aos pilares de diversidade e inclusão. Acompanhe a entrevista.

P&G PARA COCA-COLA
Passei quase 20 anos na P&G em vários países, cargos e categorias dentro do marketing e da área de insights. Fui muito feliz na P&G, estava numa posição muito legal. Mas quando a Coca-Cola apareceu na minha vida tive aquele brilho no olhar. O que me atraiu muito foi a possibilidade de crescer. É o sonho de qualquer marketeiro trabalhar com a Coca-Cola. Então me abriu os olhos pela oportunidade e possibilidade de aprender numa nova indústria.

RECONHECIMENTO
Estava muito feliz com o time, o trabalho e as responsabilidades que eu tinha. Quando surgiu essa vaga e o convite para liderar o marketing foi uma honra e uma felicidade. Teve um processo global com candidatos de outras unidades de negócio da companhia. Quando fui a escolhida, fiquei muito feliz, recebi como um grande reconhecimento do trabalho feito.

PRIMEIRA BRASILEIRA
Fiquei muito feliz de ser a primeira brasileira a ocupar essa posição (VP de marketing no país), é um marco grande para a nossa indústria, ter mais brasileiros e mais mulheres em posições de liderança. E também feliz que a Coca-Cola leva a sério essa questão da diversidade. A empresa valoriza resultados e o trabalho bem feito. Não importa quem ou como é. Todos têm oportunidades iguais. Isso é prova da maneira de pensar e trabalhar como companhia de forma global.

BRASIL
É um país importantíssimo, a quarta operação de Coca-Cola no mundo. Meu grande desafio é manter a consistência e trazer a novidade e os planos que vão levar a gente para outro nível de crescimento.

EQUIPE
São muitas categorias, além de refrigerantes. São aproximadamente 60 pessoas no time de marketing, mas não trabalhamos sozinhos. Operamos próximos dos times de comercial, insights, finanças, área técnica, e dos nossos fabricantes pelo Brasil. Eles ajudam nossas marcas a chegarem nas gôndolas dos supermercados, bares, restaurantes, lanchonetes, padarias… O marketing tem uma responsabilidade grande de gerar demanda, de crescer essa conexão emocional da marca com os consumidores, mas tem um papel de também entregar resultados de negócios. E em paralelo a gente tenta melhorar a vida do consumidor e entregar o que acreditamos como prioridades que temos para ajudar o mundo a ser um lugar melhor. Desenvolvemos isso como marketing, mas não sozinhos.

OUTRAS CATEGORIAS
Temos uma oportunidade gigantesca. Em refrigerante temos participação grande de mercado, mas sempre existe oportunidade de expandir, inovar e melhorar. As outras categorias são igualmente importantes. É um mercado que temos uma participação menor, como sucos, água, mas com oportunidade de crescer. Estamos vendo resultados muito interessantes em crescimento de share nesses segmentos.

PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS
Fiz um estágio durante a faculdade nos Estados Unidos, na área de insights da 3M, mais analítica e técnica. Trabalhei com um projeto de adesivo para carro. Foi superimportante para entrar no mercado de trabalho, entender o que era uma grande empresa. Trouxe-me bastante aprendizado. Lembro de querer aprender, fazer mais. Queria muito trabalhar numa multinacional e voltar para o Brasil. Depois que me formei ainda fiquei mais quatro anos e voltei com a P&G em 2002.

FACULDADE
A matéria que eu mais gostava era comportamento do consumidor. Achava o máximo entender o que ele pensa, o que ele quer, o que ele acha. Eu ficava ‘nossa, esse negócio é fascinante, tenho de trabalhar com isso’. Sempre fui muito curiosa, conectada com gente. Sagitariana, gosto de muvuca, festa, conexões e tudo isso. Interesso-me muito por pessoas e lembro que isso me fascinou. Acabei entrando na P&G na área de insights, área muito focada em pesquisa e tendências de mercado. Mas percebi que tinha de trabalhar no marketing, que é onde usamos esse conhecimento. Como mulher latina no centro-oeste americano tive de enfrentar muito desafio nesse começo para ser escutada, respeitada, valorizada. Fui aprendendo e ganhando espaço, consegui uma oportunidade de marketing e cheguei até aqui. Foi uma batalha grande, mas sempre fui persistente.

BASTIDOR
Vim de uma família de classe média baixa, de Cuiabá (MT). Sou a primeira da família a se formar na faculdade, fui para os Estados Unidos com bolsa de estudos, trabalhei em fast-food para pagar meus custos de vida, trabalhei em vários restaurantes, fui garçonete, fiz comida mexicana… E sempre valorizei muito cada pequena vitória.

MENSAGEM
O que sempre digo para quem está começando é que não importa de onde você vem, de onde está começando, precisa ter persistência. Você vai escutar muito não, mas isso você já tem. Como faz para transformar o não em sim? Não pode desistir. Até me emociono.

Poliana Sousa: “Marcas têm uma responsabilidade enorme de ajudar a moldar a cultura para as novas gerações”

CAMINHO PARA OUTRAS
Uso muito minha vida, meu histórico e aprendizado para ajudar. Temos mentoria, o programa Coletivo Jovem, feito pelo Instituto Coca-Cola Brasil para inspirar e empoderar jovens de 16 a 25 anos, e temos um grupo de diretoras e outras líderes no WhatsApp, o Sororidade KO, para buscar e criar condições de mais igualdade na companhia. É uma inspiração para as meninas que estão começando a carreira e sonhando em trabalhar em empresas como a Coca-Cola. É uma área que me envolvo com paixão, fiz questão de participar, um pouco pelo meu histórico e também porque acredito. Não é um assunto só de mulher aqui dentro, e estamos muito próximos do RH. Também trabalhamos o olhar das marcas para que nossas campanhas e comunicação reflitam o que acreditamos.

PAPEL DE LÍDER
Temos 20 mulheres no grupo, quatro VPs. Começamos o grupo com as líderes porque vimos que, quando a gente se fortalece como líder e como mulher na companhia, a gente se apoia e se ajuda, e ficamos mais fortes para ajudar as meninas que estão chegando. O primeiro encontro foi na minha casa, depois fomos para casa de outra e assim por diante. É fora do horário de trabalho, para gerar empatia e confiança. E isso ajuda muito. Antigamente tinha e acho que ainda tem isso de que ‘mulher não ajuda mulher’, mas enquanto houver essa percepção não vamos avançar. Temos de nos ajudar se queremos ter 50% de mulheres na liderança, em todas as empresas e posições no mundo. Cada uma está sempre ajudando e apoiando a outra, incentivando e celebrando as conquistas. As ideias são divididas e todas são envolvidas. Com isso nos sentimos mais fortes para fazer a diferença. Esse é nosso papel como líder, mostrar que quem está chegando pode ser o que quiser ser. Mais do que entregar um bom negócio, e eu sempre vou fazer o melhor que eu posso para isso, acho que tenho esse papel e esse dever de fazer a diferença na sociedade.

PESQUISA MORE GRLS
Além de ter igualdade na Coca-Coca Brasil, queremos garantir que nossos parceiros tenham a mesma filosofia. Falta muito para avançar na área de criação e os números estão aí para provar. No ano passado olhamos para todas as agências que trabalhavam com nossas marcas e chamamos uma a uma para conversar e entender quais os planos para melhorar o cenário. A criação no Brasil sempre foi uma área muito dominada por homens, e as mulheres acabaram indo para outras áreas, como atendimento. Mas acredito que hoje as agências estão muito conscientes desse desafio, e estão trabalhando para melhorar esse cenário.

FOCO NA CRIAÇÃO
Homens e mulheres pensam diferente. Precisamos ter essa soma e combinação para termos ideias mais fortes. É um caminho a percorrer e nós realmente exigimos isso. É nosso papel como grande anunciante, com a responsabilidade que temos. Do que adianta eu ter 50/50 e minha agência não ter a mesma mentalidade?

CULTURA DO CANCELAMENTO
Acredito que operar na base do medo não traz nenhuma ideia vencedora. Uma marca como a Coca-Cola, por exemplo, que tem poder, presença mundial, que representa felicidade, diversidade, energia e une as pessoas, para se diferenciar tem de tomar riscos muitas vezes. Nunca houve medo de se posicionar. É um dos nossos propósitos como marcas: ser ponte. Sabemos que não vamos agregar a todos. Vamos atrás das ideias mais avassaladoras para conquistar o consumidor. Se não tivéssemos corrido riscos ao longo dos anos talvez a marca não estivesse aqui hoje.

PÚBLICO JOVEM
A música é uma das grandes paixões dos jovens. Nos associamos à música porque tem tudo a ver com nossa marca. É um casamento perfeito. Realmente apostamos bastante, estivemos presentes em vários festivais e estaremos, por exemplo, no Lollapalooza 2020. É onde o nosso consumidor está e queremos ele com a Coca-Cola na mão. Outra paixão do jovem é esse universo de séries, filmes e games. Estivemos muito presentes nesse universo, por exemplo, com Marvel, Star Wars, Stranger Things, e esse pilar também faz parte do nosso DNA.

EMBALAGENS QUE FALAM
É uma estratégia vencedora porque usa o principal ativo da marca, está nas mãos das pessoas e elas percebem que é mais que uma bebida deliciosa. Traz interação, proporciona uma experiência que vai além do produto. Fazemos isso em vários países. É uma característica icônica, é um diferenciador.

SUSTENTABILIDADE
O Reciclar pelo Brasil começou com a junção dos programas de apoio a cooperativas de catadores de materiais recicláveis da Coca-Cola Brasil e Ambev: ambas abriram mão de seus programas-proprietários, dando o exemplo de como seria possível ter resultados melhores. Em pouco mais de dois anos de existência, se tornou uma plataforma de 15 empresas em transformação, constantemente revisando sua metodologia a cada novo entrante. Faz parte do amadurecimento da trajetória das empresas a compreensão de que há temas onde não deve haver competição. Se colocamos o objetivo comum no centro da conversa, fica evidente que a união de esforços é a melhor estratégia.

LEGADO
Marcas têm uma responsabilidade enorme de ajudar a moldar a cultura para as novas gerações. A Coca-Cola quer deixar um legado de fazer com que as pessoas se juntem e se sintam energizadas para fazerem a mudança que elas querem no mundo.