"Precisamos criar uma métrica unificada"
A falta de ferramentas claras para medir a audiência digital versus a TV aberta é uma das principais questões do CEO do SBT, José Roberto Maciel. Com quase 20 anos de emissora, a missão do executivo é continuar liderando os três grandes pilares que têm orientado a estratégia do canal até o momento: família, diversão e informação. Nesta entrevista, ele faz balanço de 2017, revela os lados positivos e negativos das negociações da Simba com as operadoras de TVs por assinatura. Ele afirma também que outro desafio de um veículo hoje é a transformação para o digital e saber valorizar o conteúdo em qualquer plataforma.
José Roberto Maciel é CEO do SBT
Qual o balanço de 2017?
O ano de 2017 foi e tem sido muito difícil para a economia de uma maneira geral. Todos os segmentos sentiram e a televisão aberta, sendo o maior veículo de comunicação do país, também sofre. Foi um ano em que todo mundo teve de fazer um forte exercício e repensar a estrutura. No SBT, tivemos o trabalho de rever cada gasto e investimento para assegurar que o vídeo fosse preservado. A audiência este ano melhorou e tivemos respostas positivas em várias faixas de horários. A TV aberta continua tendo dois papéis fundamentais: o fator de integração nacional e a geração de repertório na vida das pessoas.
Quais foram os lados positivos e negativos das negociações da Simba com as operadoras de TVs por assinatura?
É difícil dizer se foi ou não a melhor estratégia ter tirado os sinais de TVs das operadoras. Toda a negociação é complexa e nós sabíamos que não seria simples. O intuito do movimento era conseguir ter uma remuneração sob o conteúdo das três emissoras (SBT, RecordTV e RedeTV), que é um conteúdo relevante, tal qual outros conteúdos que já são remunerados como, por exemplo, o da Rede Globo. Talvez, se a economia estivesse bombando como em anos anteriores, quando se tinha o mercado de TV paga crescendo dois dígitos, o movimento fosse mais fácil. Mas era um movimento que devia ser feito, senão o conteúdo da TV aberta não seria reconhecido como relevante e temos total consciência de que agregamos valor aos pacotes das TVs por assinatura. Afinal, isso foi um grande indutor das vendas no início, pois muitos telespectadores assinavam o pacote para ter uma qualidade melhor de sinal da TV aberta. O curioso nesse movimento, que ajudou no crescimento da audiência, é que muita gente foi buscar alternativas para poder continuar acessando aos canais quando o sinal da TV aberta saiu das operadoras. Em nosso monitoramento, na décima terceira semana após o desligamento, já tínhamos a mesma audiência que antes. Agora que voltamos, queremos que essa plataforma cresça. O movimento não foi realizado para ficar mais rico ou colocar mais dinheiro no bolso, mas, sim, para que a Simba seja uma plataforma que possa induzir mais produção de conteúdo. Ser um agregador e dar espaço para criar e fazer.
Existe a ideia de ter um canal específico para a TV paga?
Temos a intenção de criar novos canais. A partir do momento em que retemos 20% do recurso recebido da Simba, para que ela invista em tecnologia e conteúdo, novos canais são uma possibilidade. Mas, tudo isso precisa fazer sentido economicamente para a emissora e para as operadoras. Há um novo mundo, que é o da OTT (Over The Top), então, não necessariamente, essa iniciativa de novos canais precisa depender eminentemente das operadoras, podemos investir em uma plataforma proprietária de OTT e, assim, oferecer conteúdos como se fosse um Netflix ou como faz o Hulu no mercado americano. Estamos olhando tudo, mas com muito pé no chão. Começamos a idealizar o projeto agora, estamos montando toda essa estratégia, mas devemos começar a colocar em prática ao longo do ano de 2018.
Hoje se fala muito em modelos de coprodução, mas o SBT já realiza isso há muito tempo, você acredita que esse seja um caminho para enxugar gastos?
Depende muito do projeto. Na série A Garota da Moto, que dependia muito de cenas externas, a parceria com a Mixer, do João Daniel Tikhomiroff, foi fundamental, pois eles possuíam uma maior agilidade e flexibilidade para montar equipes, o que nós internamente não tínhamos, pois as jornadas de trabalho acabam nos penalizando e deixando o produto um pouco mais caro. O programa Bake Off Brasil: Mão na Massa era gravado em um espaço alugado e nesta edição foi gravado no SBT, pois temos um espaço de 370 mil metros quadrados na emissora. Fizemos toda a produção por aqui e tínhamos a vantagem de ter a supervisão artística mais próxima para acompanhar e fazer correções com muito mais rapidez. Então, há situações que valem a pena fazer a coprodução fora da empresa, em outras produções não.
A TV aberta já se posiciona como uma produtora de conteúdo para qualquer plataforma?
Cada vez mais as emissoras no Brasil e no mundo começam a se posicionar como grandes produtores de conteúdo. A TV aberta continuará sendo um grande celeiro de talentos com qualidade de produção e vai referenciar todo o mercado. O que a gente está ganhando com essa questão da proliferação da distribuição é a chance de pegar um bom conteúdo e colocar em qualquer lugar. Conteúdo proprietário ou não, com parceria ou não, não importa se de graça ou cobrado, se o conteúdo for relevante as pessoas vão querer acessar. Se tiver um diferencial do conteúdo que está no ar, ele paga para ver. Com algum detalhe a mais do que ele viu na TV aberta, ele vai pagar. Agora, se o conteúdo não tiver relevância, você pode ter a melhor plataforma do mundo, ninguém vai ver. Conte uma boa história. É isso o que as pessoas querem, e vão querer sempre.
A briga pela vice-liderança está cada vez mais acirrada, como enfrentá-la?
A briga pela vice-liderança de audiência não é nova. Muitas vezes fazem leituras com recortes diferentes de horários ou a própria conveniência, mas no SBT sempre olhamos a grade nas 24 horas e, por um simples motivo, aqui produzimos conteúdo comercial para o dia todo. Então, quem não tem, faz recortes diferentes. O mercado não compra mais isso, pois é uma escravidão que o brasileiro inventou. O anunciante não olha a audiência de apenas um programa, ele olha a audiência de um período, pois a campanha comercial dele não é para um único programa. Ele olha uma sequência histórica de audiência. É isso que ele vai comprar. Para enfrentar a audiência, estamos sempre inovando dentro de nossos programas. Seja na atração do Silvio Santos, Eliana, Raul Gil, Celso Portiolli e Ratinho, enfim, nos programas dos nossos âncoras fixos, estamos sempre fazendo uma série de quadros diversificados ao longo dos 12 meses. Lançamos muita coisa nova dentro dos programas.
Qual o maior desafio de um veículo de comunicação hoje?
Converso com pessoas de várias áreas e a maior preocupação é com a transformação digital. O fato de o SBT não ser o first mover do mercado é porque a gente não tem recurso para jogar fora. Fazemos movimentos muito mais planejados e pensados. O setor de TV aberta precisa brigar para que o seu conteúdo seja valorizado no mundo digital. Precisamos sair do que chamávamos de dólares analógicos e brigar por dólares digitais, pois centavos digitais não pagam a conta. Esse é o grande desafio que o mercado tem. A grande falha que a mídia tradicional no mundo inteiro cometeu foi permitir que esse mundo fosse precificado por uma lógica de preço de classificado. E esse desafio não é apenas do Brasil, mas, sim, da mídia do mundo inteiro. Estamos brigando agora para criar uma métrica tão crível como a TV aberta tem com a medição de audiência ou a mídia impressa tem com o IVC. Qual vídeo no mundo digital retém 24 milhões de pessoas por uma hora? Isso é o que a nossa novela consegue rentabilizar, sem contar as visualizações digitais em todas as nossas plataformas. Ou seja, precisamos criar uma métrica unificada que ainda não existe.
Já se falou muito sobre o processo de sucessão da emissora, havia até uma consultoria envolvida, como anda esse processo?
O Grupo Silvio Santos tem atualmente uma estrutura de governança muito bem organizada. Óbvio que está em fase de maturação, mas existe a presença forte da segunda geração e uma preocupação muito maior com planejamento de médio e longo prazo. Eles reconhecem a importância de ter uma estrutura profissionalizada e gerida por processos com indicadores de desempenho, metas e objetivos claros.
Os anunciantes estão mais abertos a realizarem formatos inovadores?
Percebo que há uma preocupação muito grande deles em fazer com que suas marcas estejam cada vez mais inseridas dentro de conteúdos. Quanto mais suave for este processo, melhor. Por isso, cresceu tanto a questão do branded content como a gente vê hoje. Mas isso não é uma coisa nova, sempre existiu. Eles querem o conteúdo cada vez mais inserido para que consigam entregar a mensagem dentro de algum contexto que não seja simplesmente no break comercial. Mas isso significa que o break comercial vai morrer? Não. Nada é excludente. O fato é que atualmente os anunciantes querem a mídia 360 graus. No SBT, não há plano comercial que não apresente todos os pontos de contato com o telespectador que podemos oferecer. Temos televisão aberta, aplicativo, canal no YouTube, Facebook, Twitter e Instagram, ou seja, tudo o que a gente puder encontrar do ponto de vista de contato está no plano comercial. O mundo digital é fabuloso para gerar engajamento e lide, mas conversão ainda é na televisão aberta.
A aposta no conteúdo infantil foi acertada?
Existe uma estratégia importante de manter a programação infantil no SBT. Se a emissora parasse de exibir seu conteúdo infantil deixaríamos cinco milhões e oitocentas mil crianças sem acesso ao conteúdo, e estou falando também do Bom dia & Cia e do bloco Disney. O Brasil não é o eixo Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, a penetração da TV paga no país só atinge um terço dos domicílios, os outros dois terços, o Brasil real, ainda não podem pagar pela TV e pela internet, e só tem a TV aberta como fonte de informação e entretenimento. No longo prazo, o SBT forma uma memória afetiva com esse público, tanto que 60%, 65% da audiência das novelas do nosso horário nobre vem do público acima dos 17 anos. Ou seja, é o pai e a mãe que sentam no sofá para assistir televisão com o filho. Por isso, mantemos a programação infantil, pois ela tem a missão de gerar esse recall e afetividade com o conteúdo da emissora.