Precisamos falar sobre a oitava arte

Em 2019, ainda se discute se o videogame deve ou não deve ser considerado forma de arte. Há quase 20 anos, a maioria da Suprema Corte Americana declarou: “Como os livros, peças de teatro e filmes protegidos que os precederam, os videogames transmitem ideias – e até mesmo mensagens sociais – por meio de muitos dispositivos literários conhecidos (como personagens, diálogos, enredo e música) e por características distintas do meio, como a interação do jogador com o mundo virtual”.

Assim como a indústria cinematográfica, considerada a sétima arte, inaugurou a prática de produção onde artistas tradicionais e digitais de diferentes lugares do mundo estavam combinados em uma mesma obra, os games têm a capacidade de englobar a arte tradicional com a digital, criando múltiplas disciplinas de expressões artísticas tradicionais e virtuais combinadas em uma mesma obra de arte interativa. A imersão com realidade virtual ou aumentada extrapolam os limites da tela e recriam simulações de novas realidades paralelas.

Por mais incrível que possa parecer, a indústria de games supera com facilidade o faturamento de todo o mercado de filme e música combinados. Com expectativa crescente, a previsão internacional de faturamento para 2019 é de 90 bilhões de dólares. Sendo assim, uma das carreiras mais promissoras para artistas do presente e futuro.

Todas as disciplinas artísticas, do tradicional ao digital, da música à programação, são os ingredientes dessa indústria bilionária do entretenimento que traz a possibilidade de mesclar todas os veículos de expressão artística em uma mesma obra de arte interativa, que apesar de ser passível de cópia, é uma experiência única. Sua percepção varia de jogador para jogador, assim como em outros tipos de arte.

Portanto, games são, sim, a oitava arte.

Mas como estão os brasileiros – e o Brasil – nesse mercado?

No festival de publicidade de Cannes, existe uma jargão que diz: “O brasileiro perde para o brasileiro.” Nossos artistas são destaque em múltiplos setores da arte mundial. Assim, quando uma produção tupiniquim perde para alguma produção mundial, é provável que outros brasileiros estejam por trás.

As maiores produções dos games internacionais contam com brasileiros como Rafael Grassetti, principal Diretor de Arte da Santa Monica Studio, responsável pelo maior sucesso de vendas do Playstation 4, o jogo do ano de 2018: God of War.

Falando em consumo, somos, segundo a Newzoo, 75,7 milhões de jogadores, o que nos posiciona em 13º no ranking global e o primeiro entre os latino-americanos. É um mercado que anda sozinho, descolado de qualquer crise ou baixa no poder aquisitivo.

Há infinitas possibilidades de carreira dentro dessa indústria. A representatividade brasileira no cenário de Arte Digital mundial está cada vez mais expressiva e nos encontramos nesse preâmbulo. O Brasil tem a potência criativa para exportar grandes talentos para o mundo. Temos capacidade para nos tornar uma grande produtora mundial de jogos. Não apenas participando da indústria globalizada vigente, mas como produtora de conteúdo criativo e original.

E para quem quer se jogar nessa carreira, as barreiras hoje também são infinitamente menores. Antes, o know-how de Arte Digital no Brasil era muito restrito e inacessível aos brasileiros fora do eixo São Paulo e Rio de Janeiro. As faculdades e cursos muitas vezes nem tinham cursos da área ou não preparavam os profissionais para o mercado, provocando uma massa de profissionais desempregados com pouca experiência, enquanto sobravam vagas para profissionais mais experientes.

Com o crescimento do mercado de Arte Digital no mundo, as universidades e cursos também evoluíram. Cresceu também o conteúdo de ensino online. Com plataformas de ensino ou Youtube, os artistas digitais contam com uma biblioteca vasta para todas as disciplinas. Aprender nunca foi tão democrático. O conteúdo de ensino em português, apesar de ser muito pequeno se comparado à biblioteca internacional, também está avançando.

E quando o artista brasileiro bem preparado perceber que com um bom computador, uma internet decente e um inglês razoável, ele pode trabalhar para o mundo, mostraremos do que somos capazes, porque a nossa criatividade está misturada com a nossa diversidade cultural, nosso histórico comum de exploração e sofrimento, de destruição e reinvenção. A energia do Brasil é notável e como dizem: “O brasileiro não desiste nunca”.

Milton Menezes é cocriador da UNHIDE Conference, festival de Arte Digital, fotógrafo, artista digital e um dos sócios da Lightfarm Studios, onde dirige e trabalha com as equipes de Fotografia, Photoshop e Direção para grandes marcas, como Gopro, Audi, Heineken, Armani, Samsung e New Balance. Ganhador de Leão de Cannes, já foi inúmeras vezes capa da revista Lürzer’s Archive e destaque nas edições de melhores ilustradores e fotógrafos do mundo. Ele é também co-fundador e instrutor da UNHIDE School, foi professor avançado de Photoshop na Miami Ad School e palestrante e instrutor no Adobe MAX