Prêmios indicam momento brasileiro

 

O recorde brasileiro de inscrições no Cannes Lions 2012, de 3.419 trabalhos nas 15 áreas que compuseram o Festival Internacional de Criatividade este ano, duas a mais que o ano passado, renderam ao Brasil mais um recorde consecutivo no número de Leões: 79 no total, frente aos 68 do ano passado e aos 58 do anterior. Desses, um é referente ao inédito Grand Prix de Radio Lions, conquistado pela Talent em trabalho realizado para a revista Go Outside, enquanto os outros correspondem a 10 de ouro, 16 de prata e 52 de bronze. O balanço é menos homogênio que o de 2011, com um Leão de Agência do Ano, seis de ouro, 24 de prata e 37 de bronze para o Brasil.

Passando a euforia das celebrações em plena Riviera Francesa, porém, nascem os mesmos questionamentos de anos anteriores, mas que se intensificam frente a números cada vez mais expressivos — acompanhando o crescimento do próprio festival: seria o número crescente de Leões uma mostra do crescimento da força criativa do Brasil globalmente, ou apenas uma reflexão do aumento de áreas e trabalhos concorrentes? Ter um Leão de bronze na estante da agência vale o mesmo que um de ouro? Quanto de retorno um investimento frente ao enorme gasto de valores em inscrição e tempo dedicado à seleção e adaptação de peças traz às participantes?

Sergio Valente, presidente da DM9DDB — que ultrapassou a marca de 100 Leões nesta edição de Cannes — ressalta que qualquer comparação deve levar em conta as mudanças pelas quais o festival passou nos últimos anos, mantendo como critério principal para tal a proporcionalidade. “O Brasil tem um número maior de Leões porque tem uma propaganda muito boa, que acompanha o crescimento do número de áreas. São mais medalhas frente a mais provas. Claro que isso só é natural porque temos uma indústria competitiva, de um padrão elevado, mas devemos ter cuidado com comparações. A marca de 79 Leões este ano é incomparável com uma de 40 há 10 anos, por exemplo. Hoje o festival é outro, com áreas que não existiam lá atrás. Eu não estou feliz porque a DM9 ganhou mais Leões que em anos anteriores, mas sim porque ganhou, proporcionalmente, mais do que antes, em comparação a si mesma e à rede DDB”, analisou.

Presidente e diretor de criação da BorghiErh/Lowe, José Borghi considera o resultado positivo e expressivo, mas destaca que um Leão não tem mais o mesmo peso que em anos passados, além de, atualmente, apenas integrar uma agenda muito maior do que a competição em si do Cannes Lions. “Acho um resultado espetacular e que o Brasil está sabendo usar Cannes muito bem. A importância do prêmio, porém, é relativa. A quantidade não necessariamente faz a qualidade e reputação — e às vezes até joga contra, na verdade. Quando você ganha muita coisa, a importância acaba se pulverizando um pouco. Claro que continua sendo ótimo ganhar, mas a importância de um Leão comparada com 10, 20 anos atrás, sem dúvida foi reduzida. Se todo mundo conhece o brilho, ele perde um pouco da relevância. Além disso, Cannes não é mais um festival de criação, é um grande evento, uma feira de negócios e comunicação, não é mais uma competição entre agências. O interesse das redes e tudo que vem ao redor disso hoje ganhou uma importância maior”, alerta.

Um dos responsáveis pela criação do trabalho que se transformou no GP brasileiro conquistado em 2012, João Livi, diretor geral de criação da Talent, acredita que o crescente número de Leões do país no festival pode ser relacionado com a evolução na qualidade de trabalhos feitos em diferentes disciplinas, bem como com uma postura mais contemporânea da indústria nacional. “O Brasil está se modernizando, ou seja, está ficando mais competente em mais áreas — e produzindo trabalhos bacanas para todas elas. O mercado tem crescido nos últimos anos e adquirido alguns comportamentos mais contemporâneos, está maior e mais competente. Isso não quer dizer que o Brasil seja o mercado mais evoluído do mundo, mas está em posição bem privilegiada em quesitos como porte, estrutura, execução e criatividade”, avalia.

Interesse global

A relevância dada pelas redes internacionais às premiações, especialmente relativa a Cannes, sempre existiu, mas parece mesmo estar ganhando peso mais político nos últimos tempos, o que pode acarretar desde um incentivo a um trabalho criativo que renda troféus à certa espécie de cobrança a suas representantes nos mais diferentes mercados — especialmente nos que se destacam naturalmente como criativos, como é o caso do Brasil.

A definição pode ser percebida, por exemplo, na recente mudança de postura da Y&R, há mais de uma década como líder do ranking de faturamento entre as agências brasileiras, mas que não costumava figurar na lista de mais premiadas. Em 2011, porém, a agência conquistou quatro Leões de bronze, sendo um em Film Lions e três em Press, e em 2012, sendo a segunda brasileira a mais inscrever (247 trabalhos), atrás apenas da F/Nazca S&S (256), finalizou o Cannes Lions com nove troféus — um de prata e oito de bronze, vindo de quatro áreas diferentes: Press, Media, Radio e Outdoor.

“Mudou a orientação, em um movimento para deixar a agência mais criativa. Os festivais não são a única maneira de medir isso, mas dão uma visibilidade muito grande. O Tony Granger, cco global da Y&R, está buscando resultados mais expressivos ao redor do mundo, e reflexo disso foi 2012 sendo o maior ano da rede em Cannes, com 50 Leões — e o escritório brasileiro tendo o maior o mais premiado. Queremos sim ver a qualidade criativa do nosso trabalho reconhecida em festivais, e os resultados deste ano mostram que estamos no caminho certo”, relata Rui Branquinho, vice-presidente de criação da Y&R.

Valente lembra que a DDB sempre considerou relevante um resultado positivo em festivais, citando que o grupo ABC, da qual a DM9 faz parte, também vê com bons olhos o destaque criativo traduzido por troféus. “Posso dizer que, tanto para o ABC quanto para a DDB, uma boa performance é totalmente bem vinda. A DM9 vive isso desde sua fundação e inclusive foi esse um dos fatores que mais chamaram a atenção da DDB em 1997 (quando a agência passou a integrar a rede). Eu sento no board criativo da DDB pelo desempenho da DM9. Essa chancela de qualidade que as agências recebem via prêmio são muito bem vindas porque se revertem em valor de marca”, enfatiza o presidente da DM9DDB.

Há, porém, o outro lado da pura e simples avaliação criativa dos trabalhos inscritos, que tem ficado mais latente com o viés político e econômico que uma grande quantidade de prêmios pode trazer às redes, os quais podem incidir, de forma negativa, na essência de um festival publicitário: laurear as melhores ideias. “Hoje há um jogo bem pesado e, se você analisar os resultados, pode ver que as redes com mais estrutura, dinheiro e determinação acabam indo melhor. Muitas vezes, elas entram com pressão para ter maior quantidade de jurados dentro do festival, o que pode fazer uma diferença brutal no resultado. Isso acaba se tornando uma guerra de poder e influência. É um pouco frustrante para um criativo, mas é preciso ter estômago e paciência”, ilustra Borghi.

Metal

Já referente à questão da “cor” dos Leões conquistados, há certo consenso na opinião dos criativos em relação à relevância do troféu, independente de seu metal. “Costumo brincar com a minha equipe que ‘a cor passa e a fera fica’”, comenta Valente, que colocou um Leão de bronze conquistado em Press em destaque na sede da DM9DDB, em São Paulo, por ter sido ele o 100º a ser conquistado em Cannes, este ano. “O número é lembrado. A cor só mostra o posicionamento do júri. Não existe um ‘critério Cannes’, mas sim dos jurados que participam daquela edição. Você não pode acreditar que sua qualidade é definida só pela cor ou existência de um Leão”, complementa.

João Livi, da Talent, aborda o mesmo ponto, indicando ainda uma relação entre uma permissividade maior dos jurados em entregar um bronze. “O mesmo material que escrevemos este ano poderia ter resultado diferente se o júri fosse outro. Mesmo o GP da Talent em Radio poderia ser bronze em outro festival. O Brasil ganha muitos bronzes, mas outros países também. A quantidade de bronzes é naturalmente maior nesses festivais. Parece que dar um bronze é mais fácil para o jurado, quando considera o trabalho digno de prêmio, já que ele não precisa necessariamente de uma grande discussão, como um ouro, por exemplo”. Livi ainda cita a força maior de mercados como o de Estados Unidos e Reino Unido, bem como a qualidade e investimento em produção, como diferenciais a favor desses países. “No ponto de vista de recursos e produção, esses caras estão à nossa frente. Além disso, muita coisa deles já chega ao festival mais conhecida, para marcas mais famosas, campanhas mais divulgadas. A cadeia é mais forte”, reforça.

Além de ter análise semelhante à de Livi e Valente quanto à subjetividade e pontualidade do julgamento, Branquinho lembra que, em números gerais, a proporção de Leões distribuídos entre concorrentes é pequena a ponto de reforçar a relevância deles independentemente do metal. “Se pegarmos o total de inscrições, acredito que menos de 1% dos trabalhos viram Leões de bronze. Diante de um número desses, não dá para achar que o prêmio não é ótimo. Acho que um número expressivo, seja de qual metal for, é sempre positivo”, completa o vp de criação da Y&R.

Quanto vale?

As inscrições para um trabalho no Cannes Lions vão de € 299, em Radio Lions, até € 1.195, para Titanium and Integrated ou Creative Effectiveness. Descontados possíveis descontos, as agências brasileiras teriam € 1,3 milhão, o que corresponde a cerca de R$ 3,5 milhões. Somente em Press Lions, foram aproximadamente R$ 870 mil em 948 anúncios inscritos. Apesar do valor exorbitante, o retorno disso, além de belos enfeites para as prateleiras das agências, é de negócios, garantem alguns dos criativos. “Não tem mais a ver com o ego publicitário. Claro que ganhar prêmios não é o fator principal, mas sem dúvida uma performance de destaque contribui para gerar novos negócios, seja diretamente na carteira de clientes, ou como atração dentro do mercado. Todos os nossos anúncios celebrando a conquista de Leões convidam empresas a conhecerem nosso trabalho”, ressalta Sergio Valente.

“Em muitas redes, ganhar Leões significa posições em ranking, valor de ações e até bônus. Hoje há empresas internacionais que realizam suas concorrências baseadas na lista do Gunn Report e, para você estar lá, precisa ganhar prêmio”, acrescenta Borghi, lamentando o “fim do romantismo” do ato de concorrer para ter suas ideias aplaudidas.

Livi relembra que, especialmente via Cannes, os anunciantes tem aumentado sua ligação com as premiações e, consequentemente, o interesse por elas. “Os prêmios sempre ajudaram a criar uma reputação criativa, mas existia um colchão muito grande entre a avaliação dos profissionais de criação e dos clientes em relação a eles. Hoje, esse colchão diminuiu. De dois anos para cá, todos os meus clientes pedem para fazermos uma apresentação sobre Cannes, o que antes nunca acontecia. Esse elemento sozinho não garante uma conta para a agência, mas contribui com mais força que antes”, revela o diretor geral de criação da Talent.

Em relação à decisão de quanto investir na busca por Leões, Branquinho cita a necessidade de pés no chão, junto à uma análise profunda, para entender as reais possibilidades e transformar a equação, mesmo repleta de itens subjetivos, em mais efetiva possível. “Quanto mais você tem que investir, mais o bom senso e o critério têm que ser ampliados. Não dá mais para pensar no ‘escreve aí para ver no que dá’, não tem como sair arriscando”, avalia o vp da Y&R. Porém, ele crê que valores altos mantêm um nível aceitável dentro de uma competição como Cannes: “Esses valores te obrigam a ter mais critério e cuidado para mandar apenas aquilo que realmente vale a pena”. Unindo todos os questionamentos, Borghi sugere um resumo da discussão em uma reflexão: “Toda agência e criativo deve se perguntar: até onde você vai para ter um Leão?”.