João Daniel Tikhomiroff: ideia excelente e realização excepcional fazem uma boa peça

 

“Ter o primeiro e o segundo diretores de cena mais premiados do mundo em Cannes em um mesmo júri já mostra o poder que ele terá.” A frase é de Philip Thomas, CEO do Cannes Lions, se referindo ao americano Joe Pytka (presidente da área de Film Craft no festival de 2013) e ao brasileiro João Daniel Tikhomiroff, sócio e diretor de cena da Mixer, que irá representar o país na 60ª edição do festival. Ele, que é jurado em Cannes pela quinta vez – o brasileiro que mais ocupou esse posto na história –, espera o que todos estão dizendo do Cannes Lions 2013: uma competição de muito rigor.

FALTA DE TRADIÇÃO
“Acho que os brasileiros ainda não aprenderam a inscrever em Craft. Talvez pela falta de tradição nessa linha de categorias técnicas, algo que não existe nas premiações nacionais. O que não ocorre em toda a Europa e nos Estados Unidos. Você pega o D&AD, o famoso anuário de criação inglês, ele tem a área ‘Film Advertising Crafts’. Eu mesmo fui jurado lá uma vez. E premiar a parte técnica é comum até fora da publicidade. O próprio Oscar é um exemplo disso. Essa falta de distinção para a excelência da realização nunca foi perseguida por aqui. Acho que é uma falha de todo mundo – das agências, mídia especializada e até das próprias produtoras, que não se moveram para isso. A única premiação brasileira que faz a mesma distinção entre o criativo da agência e o diretor de cena da produtora é o Profissionais do Ano, da TV Globo (que, porém, também não tem área técnica, mas apenas concede troféus para a agência e a quem produziu o filme ou campanha), sem importar quem inscreve o trabalho. Em Cannes, vai para quem inscreve, que praticamente sempre é a agência. Porém, há o crédito para a produtora no painel, na cerimônia de entrega dos Leões. Isso porque certa vez houve um protesto liderado pelas produtoras italianas, seguidas de outros europeus. Fizeram um verdadeiro motim, cobrando os devidos créditos do Hatchuel (Roger, que comandou o festival de 1985 até 2003), inclusive ameaçando impedir que as agências inscrevessem os filmes por questões de direitos autorais.”

INSCRIÇÕES ERRADAS
“Muitas inscrições brasileiras, por causa dessa falta de experiência, vão para subcategorias equivocadas. Eu mesmo, no ano em que fui jurado em Craft, tive que mover dois trabalhos do país para ter mais chances de premiação. E com o argumento real que era uma falta de tradição do Brasil e pedindo a compreensão do júri, dizendo que meu objetivo era não prejudicar o valor de uma peça que poderia ter alguma chance de Leão pela sua qualidade.”

ROTEIRO
“Tem uma categoria dentro de Craft, que destaca o melhor roteiro, que acho bem bacana e na qual o Brasil tem possibilidades de premiação. Porque é uma base que parte dos criativos das agências. Claro que o júri considera a união do trabalho das agências com a produção. Mas, como disse, a base é a criação. E o Brasil tem inscrito pouco nessa subcategoria. Considerando que as verbas de produção por aqui são muito baixas se comparadas com as dos Estados Unidos e com as de alguns europeus, até porque os nossos investimentos estão ainda muito direcionados para a compra de mídia, premiar o roteiro seria uma boa saída. Pois é difícil competir com trabalhos como ‘The Gift’, GP em 2010, onde só esse filme, que foi o prêmio máximo da área, teve uma verba de US$ 1,5 milhão (‘The Gift’ era um dos cinco filmes de uma websérie para a Philips, criada pela DDB de Londres, com produção da RSA Films, também da capital inglesa, e direção de Carl Erik Rinsch).”

IDEIA X PRODUÇÃO
“Em parte pode até ser que em Craft, ao contrário de outras áreas, o valor da produção tenha um peso maior para a conquista de um Leão que a ideia. Mas não que seja uma regra ou que esse peso seja algo primordial. Eu, por exemplo, não consigo distinguir a ideia da realização. Tenho um olhar em que o valor da produção – e aí não coloco apenas questões financeiras, mas também a qualidade – só tem sentido se ele estiver a serviço de algum conceito. Se a ideia for excelente e a realização for excepcional, elevando-a ainda mais, daí temos um prêmio em Craft. Mas lógico que quem irá definir os critérios é o presidente do júri.”

JOE PYTKA
“Eu conheço bem o Pytka. Somos amigos, apesar de não o ver há algum tempo. Quando veio ao Brasil foi a convite meu. Fora que, por ser de uma geração anterior, era meu exemplo nesta área. Sempre disse que em publicidade queria chegar perto dele. Posso dizer que é um cara normalmente mau-humorado e extremamente rigoroso. E muito americano, com tendência a ter uma percepção mais anglo-saxônica. Apesar de que se trata de uma área onde Estados Unidos e Inglaterra costumam dominar, sem depender da visão dos jurados. Mas o Pytka tem um olhar muito forte para a realização e que dá valor às boas ideias. E creio que vai sugerir que o júri observe exatamente a excelência da realização a serviço de um conceito, sem separar totalmente. Pois se separar, corre o risco de, em uma determinada categoria, premiar uma fotografia esplendorosa, sem notar a qual ideia, produto ou marca ela estava ligada. Qual o fim daquela fotografia? Às vezes aquela fotografia foi colocada daquela maneira linda no trabalho até para atrapalhar a comunicação. O júri tem que estar atento para não se deslumbrar em uma área técnica sem observar o que está por trás do recurso em questão. Nós estamos dentro de um storytelling e temos que saber contar essa história de forma adequada – e, aí sim, usando recursos que se destacam. Porém, não acredito que os jurados irão perder o foco. O nível este ano é muito grande em todas as áreas, não só em Craft, já que é a 60ª edição do festival.”

TRABALHOS BRASILEIROS
“Recebi alguns trabalhos brasileiros e há coisas legais. Prefiro não citar nenhum específico, primeiro por ser um desrespeito aos outros. E também porque iria passar um critério muito pessoal, sendo que estarei em um ambiente coletivo em Cannes. Acho eticamente inconveniente. O que posso dizer é que irei procurar dar o meu melhor para que o trabalho brasileiro que realmente tiver qualidade possa almejar algum prêmio. Mais do que isso não posso prometer.”

RIGOR
“Até pelos critérios do presidente do júri, como já disse, e também dos outros jurados, igualmente experientes, todos deverão ter posições firmes. Também temos que ver que é uma data histórica para o festival, que já mostrou uma preocupação do Philip Thomas (CEO do Cannes Lions) em montar um time muito representativo de presidentes e jurados, sejam veteranos ou jovens. A responsabilidade de 2013 deverá ser redobrada e a premiação mais criteriosa. Pode ser que mude tudo quando chegarmos lá. Mas minha previsão inicial é de que ganhar um Leão será mais difícil, para todos os países. Nem sei se o Philip irá pedir aos jurados um rigor maior na hora de avaliação. Creio que nem precisa. Todos devem estar indo para lá imbuídos desse espírito.”

SEM INTERSECÇÃO
“Craft, quem sabe junto com Press e Outdoor, e Radio Lions, obviamente, é uma das áreas em que seu papel é mais claro. Não há tantos pontos de intersecção, como entre Mobile e Cyber, Promo e Direct, o próprio Film Lions com outras categorias, muitas vezes com o próprio Cyber. Integrated, claro, exige que o trabalho passe por diversas disciplinas, mas também se confunde com Titanium. No Craft, e nas demais que eu citei, não. O júri tem uma definição melhor do que premiar e onde premiar. Aliás, falando em Press e Outdoor, não entendo por que se dividiram, mesmo estando expostos em ambientes diferentes. Porque no fundo têm o mesmo motivo – são mídias impressas. E muitas peças são premiadas em ambas categorias. Deveria continuar igual ao que era no passado, nos tempos de Press & Poster (depois a área virou Press & Outdoor e ainda permaneceu unida, antes da separação, em 2006.”

QUINTA VEZ
“Claro que quem vai pela primeira vez fica muito nervoso, preocupado, com receio de se expor perante os outros membros do júri e até diante da mídia especializada. Tendo uma experiência maior, você vai mais relaxado. Já sabe um pouco das coisas que vão acontecer, das discussões, dos choros e das alegrias, das decepções e êxitos, quem vai ficar com raiva e quem vai achar ótimo. Lembro uma vez que um amigo de fora do país me disse: ‘Tem uma coisa que você deve sempre lembrar. São milhares de inscritos em Cannes. E quem ganha é 1%. Então, 99% não vão gostar do resultado’ (nos últimos anos, a média de premiados está na casa dos 3% do total de inscritos).”

ORIGEM DO FESTIVAL
“Cannes nasceu como Craft. As produtoras que fundaram o festival, criado em 1954, só em 1967 subdividiram as áreas Cinema e TV em ‘comerciais para produtos e serviços’, e existiam troféus para melhor produção e melhor fotografia. O ‘Palme d’Or’, Leão designado para a produtora de filme que mais pontos somou no festival, é mais antigo que o ‘Agency of the Year’, prêmio similar para a melhor agência.”