Produção de campanhas cresce nas agências, mas receitas caem

As expectativas para 2020 tiveram de ser revistas com os efeitos sintomáticos da pandemia. A comunicação mudou o mood e se adaptou à nova realidade, que exigiu das marcas um discurso publicitário mais empático, solidário e com propósito. Sem a métrica do falsê. A maioria das agências contabilizou aumento da sua produção, mas sem reflexo na rentabilidade, que certamente será impactada na atual temporada.

Foto: Jakob Owens / Unsplash

A 11:21, por exemplo, realizou 53 campanhas durante a quarentena, 320 posts para redes sociais, cinco filmes para TV e digital, 18 anúncios impressos e 178 peças de rádio. Também chegaram seis contas para o portfólio de negócios da agência: Proptech Kzas (site do mercado imobiliário de São Paulo), Bemfixa (bricolagem e home improvement), Guipli (startup de aplicativos), Ajudalive (lives), Bees of Love (ONG) e Med Levensohn (b2b).

“Pensamos que seria difícil manter o padrão criativo. Mas aconteceu o contrário; houve um aumento enorme na produtividade e também no nível criativo, alcançamos um novo patamar de ousadia e inovação”, esclarece Gustavo Bastos, CEO e CCO da agência. “Num primeiro momento, nosso faturamento despencou. O ano já estava difícil, com muitos desafios e um investimento para crescer em São Paulo logo antes da pandemia. Em abril, já sentimos o ritmo melhorar. Tem sido um período de muito aprendizado, de muito esforço e muita mudança, mas tem valido a pena.”

Gustavo Bastos viu movimento da 11:21 crescer verticalmente e melhora a partir de abril

A AlmapBBDO teve elevação de 160% no volume de produção de peças digitais só nos últimos três meses, quando foi intensificado o conceito always on. “Eu diria que este patamar não voltará ao que era antes. Veio para ficar. Se pensarmos em campanhas, nós temos mais de uma dezena em produção no momento e, desde o início da pandemia, já colocamos no ar sete novos comerciais para O Boticário; 1 para Hering; 2 para Bradesco Saúde; 3 para Elma Chips; 1 institucional de Volkswagen; 1 campanha completa de pré-lançamento do VW Nivus, com diferentes filmes; 2 novos filmes para Cielo; 1 para MAN; 1 campanha para Whats- App; 1 novo filme para o Pacto Global e filmes para Pedrigree e Whiskas. Ou seja, mais de 20 novos comerciais, isso sem contar as dezenas de animações e vinhetas para os mais diferentes meios e marcas. Além de 7 da Volkswagen, para 19 países da América Latina. Ainda fizemos lives com grande repercussão, como a da Marília Mendonça, que teve a participação de Havaianas e até hoje é a maior live de música da história. Lançamos a CNN no país. Criamos ações para Gol, Cielo, Rappi e Doritos Rainbow, que apresentou uma campanha no dia da Parada LGBTQIA+ de São Paulo, este ano realizada apenas de forma virtual, com luzes que iluminaram a cidade a partir da Avenida Paulista, destacando toda a importância da causa. A ação fez parte da campanha #1Kiss1Donation, com R$ 1 milhão em doações destinadas a 10 instituições LGBTQIA+ presentes em todas as regiões do país, além do investimento educacional para ONGs e coletivos. Não à toa, Doritos foi a marca mais citada no dia da Parada LGBT de São Paulo”, detalha Filipe Bartholomeu, CEO da AlmapBBDO.

“Começamos o ano de 2020 com uma previsão de crescimento de mais de 20%, por uma combinação de elevação orgânica nos negócios, de escopo dentro dos clientes e new business – foram cerca de 10 novas contas entre o fim de 2019 e este ano. O primeiro trimestre, mesmo tendo o mês de março parcialmente atingido pelos efeitos da chegada da Covid-19, confirmou as nossas previsões. No entanto, daí pra frente, obviamente, sentimos o grande impacto nos negócios das marcas que atendemos – com queda especialmente no que diz respeito a investimentos de mídia. Na contramão dela, eu diria que nunca fomos tão demandados por nossos clientes, com muito trabalho e problemas bastante robustos para serem solucionados em todas as frentes de negócio”, acrescenta Bartholomeu.

Bartholomeu: “Tivemos um aumento de 160% no volume de produção de peças digitais”

Mais de cinco mil materiais foram produzidos de forma remota pela Leo Burnett Tailor Made. Marcio Toscani, co-CEO e COO da agência, pondera que foram lançadas campanhas de grande porte para Bradesco, Fiat, Samsung, Extra e Nivea. “Todas as mídias foram importantes durante esse período, mas a TV e o digital tiveram protagonismo maior pelo fato de as pessoas estarem em casa fazendo home office e em confinamento. Foram vários desafios: o primeiro deles foi o de colocar uma operação em pé, do dia para a noite, que funcionasse para as 400 pessoas trabalharem em esquema home office. Fazer parte de um grande grupo facilitou bastante, principalmente na questão de suporte e tecnologia. Também foi desafiador rever toda a estratégia de comunicação dos clientes, os direcionamentos criativos, a questão de produção sem abrir câmera (o que fizemos muito bem). Assim como na maioria dos negócios, a rentabilidade da agência também foi afetada. Mas continuamos bastante positivos em relação à retomada”, comenta Toscani.

Rodolfo Campitelli, sócio e COO da Bold, contabilizou produção de duas mil peças nos últimos meses, de filmes a conteúdo digital. Ele credita o desempenho à carteira diversificada de clientes que inclui os segmentos de evento esportivo, metal sanitário, alimentação, beleza, tecnologia, educação e varejo. “Estamos superando este momento e conseguimos conquistar duas novas contas desde que começou a pandemia. Além de uma relevante conquista, a conta integrada do Makro Atacadista, que faz parte da carteira da Bold desde 2016, mas que era apenas da parte digital/online. Ainda assim, 2020 é, certamente, um dos anos mais difíceis para o mercado publicitário”, diz ele.

Rodolfo Campitelli, sócio e COO da Bold, conquistou e-commerce do varejista Makro

A Innova AATB, do sócio-diretor Alexandre Carmona, conquistou as contas da Boehringer, Mercado Bitcoin, Space Plan (branding) Bic, Asus (ambas para eventos), Daycoval e Space Plan. “O volume de produção aumentou em 60% nas entregas direcionadas aos meios digitais em geral. Neste período também consolidamos entregas de campanhas estratégicas para mídias tradicionais, com spots de rádio, filmes para TV aberta e PayTV. Além de anúncios para revistas e jornais. Porém, a mídia de destaque ficou para lives em TV e plataformas digitais”, relembra Carona.

Na Cheil, como observa o COO Martin Montoya, o impacto negativo do segundo trimestre foi por conta da incerteza. “O investimento de mídia teve uma diminuição maior do que o número de peças produzidas. Tivemos uma leve queda sendo que as mídias offline caíram mais, enquanto o volume digital aumentou”, relembra Montoya, que aproveitou para ativar negócios online dos seus clientes e games. “Nossa equipe especializada no segmento de games dobrou de tamanho durante a pandemia. Fizemos muito trabalho para a Epic Games, particularmente para o Fortnite.”


Sylvia Panico, COO global da David: desafio de rever planos

A David desenvolveu 15 filmes e mais de 30 posts durante a quarentena. “Tivemos produções para clientes como Burger King, Coca-Cola, Playstation, Activia, Neston, BTG e Lacta”, enumera Fabiano Beraldo, head of integrated production, lembrando que as contas das marcas Lacta e Bis chegaram à agência nesse período. Por outro lado, o momento é desafiador para a David. “Tem sido um desafio o fato de rever planos, estratégias e budgets em um curto espaço de tempo e muitas vezes com mais entregas. Essa combinação de fatores tem impacto na rentabilidade do mercado de um modo geral, inclusive para nós, das agências”, argumenta Sylvia Panico, MD e Global COO da David.

Na Artplan, o CEO Antonio Fadiga fala que a demanda cresceu bastante, mas não significou crescimento de receita. “Acreditamos que ainda levará um bom tempo para isso acontecer”, prevê o executivo.

Na Artplan, o CEO Antonio Fadiga fala que a demanda cresceu bastante, mas não significou crescimento de receita

Uma reinvenção diária foi a opção da SunsetDDB, nas palavras de Cris Pereira Heal, CBO da agência, destacando que foram 31 vídeos, 332 posts, 15 prints e 10 formatos de merchandising/PDV. “Tivemos de nos reinventar e criamos datas comemorativas para celebrar com as pessoas em casa o Dia do Hambúrguer Seara e o Dia da Pizza Seara Gourmet – transformando as casas em pizzarias. Criamos atividades para os pais brincarem com as crianças, a linha Kids de Vigor. Apresentamos o papel social das nossas marcas com a campanha do Banco BV, Abrace uma causa, e Vigor, nas telas do HC. Colocamos um chef em casa com as lives do Claude Troigros para Seara Gourmet, lançamos uma nova forma de pagar com o lançamento da OLX Pay. No Dia do Orgulho LGBTQIA+ colocamos na Paulista 6 Caminhões da Ambev, que levavam as cores da bandeira LGBTQIA+ para que esse dia não fosse esquecido”, elenca Cris.

Quanto ao Havas Groupe, Erh Ray, CEO e CCO da BETC Havas, prefere não falar em rentabilidade. Mas o movimento foi elevado. “Produzimos 32 filmes durante a pandemia, incluindo a maior campanha do ano de Pão de Açúcar e uma grande campanha para Vanish, trazendo um desafio real de 60 dias com duas influenciadoras que realizam postagens todos os dias, além de materiais de TV e outras mídias.”

A Publicis Brasil desenvolveu campanha institucional A mudança que tanto queremos para seu cliente Carrefour, um dos 100 trabalhos que colocou na rua durante o isolamento

CRESCIMENTO
A Havas Plus, do CEO Marcos Lacerda, cresceu em clientes como a TIM (portal, BTL, residencial e corporate) e também teve as conquistas do Banco Pan e TecBan. “Nos primeiros dias da pandemia, alguns projetos pararam para uma eventual readequação de tom e mensagem. Outros surgiram. E aos poucos as coisas foram retomando o ritmo. Talvez em uma escala mais conservadora, mas, ainda assim, bastante coisa foi feita. O dia a dia de CRM, kits varejo, projetos avulsos etc. seguem em ritmo acelerado”.

A Publicis colocou mais de 100 trabalhos na rua nos primeiros quatro meses de isolamento social e tem na agenda ações já programadas para até o fim de 2020. “O perfil dos jobs mudou muito e foi preciso agilidade e pensamento estratégico para se adequar à nova realidade. Mas, de maneira geral, as empresas buscaram se posicionar junto ao público, prestando serviços e investindo em uma comunicação empática e solidária, o que ajuda a entender a grande atividade mesmo diante das inseguranças do cenário político-econômico. Outro fator importante de destacar foi a capacidade da agência em entender o momento de cada cliente, criando cases que foram sempre bem recebidos por uma população que passava (e ainda passa) por um momento extremamente sensível. No geral, observamos uma retração no volume de mídia comprada em relação ao ano passado, pois vários clientes tiveram de promover corte de despesas. Nosso olhar pra mídia é sempre técnico, buscando KPIs específicos. O meio digital claramente se destacou por todas as circunstâncias que nos lançaram em um mundo ainda mais virtual e pela possibilidade de transferência de atividades que normalmente vivemos no mundo offline para o online, como aulas e entretenimento (vide o fenômeno das lives). Vários de nossos clientes têm mais de 40% e de 50% de mídia digital no seu mix de meios. Isso já vinha crescendo ano a ano, mas se intensificou em 2020. Por outro lado, dependendo do KPI buscado, outros meios como TV e mídia impressa também tiveram seus valores reforçados em vários casos”, finaliza Eduardo Lorenzi, CEO da Publicis.

Eduardo Lorenzi, da Publicis Brasil: readequação de procedimentos e mais aprendizado