Produção de carros tem queda histórica e retomada deve ser lenta
Os números mostram a complexidade do cenário para o setor automobilístico. Em abril no Brasil foram emplacados 55.700 veículos, queda de 66% em relação a março e de 76% em relação a abril de 2019. As exportações, que já cairiam por questões econômicas, recuaram mais em função da pandemia: foram exportados 7.200 veículos – pior resultado em 23 anos. Com as fábricas fechadas, foram produzidos apenas 1.800 veículos no mês (queda de 99%), o pior nível desde o início da série histórica da indústria automobilística, em 1957.
Em coletiva, Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), comentou o levantamento. “Posso dizer que é a maior queda de emplacamentos da história para o mês. No acumulado somente 613,8 veículos emplacados, contra 839,5 no período em 2019. Mesmo em períodos de greve e outras crises nunca enfrentamos um nível tão baixo e sabemos que a retomada será lenta.”
Segundo a entidade, o setor pode ser ajudado com algumas medidas: de imediato, o aumento da liquidez, com linhas de crédito de prazos alongados e juros baixos; e a médio prazo, estímulos aos consumidores, reforma tributária e redução do ‘Custo Brasil’.
No entanto, apesar dos números críticos e do desafio gigante, o setor não sofre com desabastecimento nem falta de atendimento. Para manter estabilidade nos empregos, todas as montadoras aderiram de alguma forma à MP 936, estão tomando outras medidas práticas para retomar gradualmente a produção a partir de maio – um mês-chave – e garantir a sobrevivência de um grande ecossistema de fornecedores.
NOVAS PRIORIDADES
A Renault, que suspendeu a produção em 23 de março, retomou dia 4 de maio no Complexo Ayrton Senna, em São José dos Pinhais (PR). No local, ela produz veículos de passeio (Kwid, Sandero, Logan, Stepway, Duster e Captur), utilitários (Duster Oroch e Master), motores e injeção de alumínio.
Para segurança dos 7.500 colaboradores (5.600 ligados à produção), o protocolo de segurança inclui ônibus desde a porta de casa com medição de temperatura, uso de máscaras, tapetes de higienização na entrada do trabalho, outra medição de temperatura, trocas de máscaras. A limpeza foi intensificada, os assentos estão distantes e há divisórias de acrílico nos restaurantes.
Com cerca de 15 mil empregados nas quatro unidades fabris (São Bernardo do Campo, Taubaté e São Carlos, em SP; e São José dos Pinhais, no PR), a Volkswagen também se prepara para o retorno gradual. Inicialmente será um turno de operação, respeitando os protocolos de segurança e higiene e diretrizes dos governos estaduais.
Com a produção parada desde 24 de março nas fábricas na América Latina (uma na Argentina e três no Brasil), a FCA também deve retomar a produção gradualmente nesse mês. Já o plano de investimentos de R$ 16 bilhões para a América Latina, essencialmente no Brasil, previsto de 2018 a 2023, segue com valor mantido, mas pode ter algumas postergações de seis a 12 meses. “É um ciclo que inclui lançamentos, versões especiais, novas tecnologias de infotenimento, serviços conectados e importações de modelos elétricos e/ou híbridos, entre outras coisas”, explica Fernão Silveira, diretor de comunicação da FCA.
Ele conta que, em função de todas as mudanças, a comunicação teve, sim, planos adiados, mas mais do que isso o foco também mudou. A empresa tem trabalhado num plano de investimento de mais de R$ 7 milhões em ações de combate à Covid-19.
Entre os projetos há dois hospitais de campanha para pacientes com a doença: um em Betim (MG), com capacidade para 200 leitos; outro em Goiana (PE), com 100. Além disso, há a recuperação de ventiladores pulmonares que estão fora de serviço. “A responsabilidade social é essencial. Outra coisa é que o diálogo com nossos funcionários ganha outra dimensão e está evoluindo. Mas isso não significa que não estamos trabalhando marcas. Mostramos que estamos próximos dos clientes.”
ACELERANDO
Em paralelo a esse retorno, a crise abriu outros caminhos e acelerou algumas transformações, especialmente em digitalização e agregação de serviços ao cliente.
Segundo Gustavo Schmidt, vice-presidente de vendas e marketing da Volkswagen Brasil, a empresa já vinha investindo e trabalhando com ferramentas digitais e, com a pandemia, a transição do mundo físico para o digital foi acelerada com o projeto DDX (Digital Dealer Experience). 171 concessionárias já têm a tecnologia, outras 212 já solicitaram o equipamento e, para o lançamento do Nivus, a rede estará preparada.
Como complemento há o DDX Sales, um tablet que o vendedor leva na casa do cliente. Estoque, reserva, compra, contrato e até financiamento podem ser vistos pela ferramenta. Além da experiência mais personalizada de compra, da mobilidade e comodidade, o projeto sugere novos modelos de negócio. Há três concessionários pilotos na tecnologia. Como resultado desse novo momento de pandemia, a empresa deve disponibilizar para outros 85 concessionários e, a médio prazo, para todos.
Planos especiais de financiamento diferenciados também estão na mesa. “Antes da pandemia, o mercado automobilístico no Brasil tinha crescido 21% nos últimos dois anos. Nós, da Volks, tínhamos crescido 52%. Mas esse cenário já não existe mais. Pensando na redução do desencaixe no curto prazo, lançamos novas condições que permitem que o cliente pague a primeira parcela em 2021. Disponibilizamos também planos com entradas reduzidas e prazos de pagamento alongados”, diz.
Outro ponto de foco é estudar os novos hábitos de consumo. Na China, por exemplo, parece haver uma tendência em ver o carro como uma bolha de proteção, estimulando o setor. No Brasil, ainda é cedo para apontar algo, segundo as empresas.
Ciente dos novos interesses do consumidor, como uma maior preocupação com saúde, a Ford lançou um serviço de desinfecção de veículos, que começa a ser oferecido dia 10, com foco na segurança e prevenção de doenças transmissíveis, em particular a família coronavírus.
O produto, feito pela 3M, é usado por hospitais para desinfecção de UTIs, salas de emergência e outras áreas de alto risco. Aprovado para veículos da marca, o serviço de aplicação inclui no mínimo 50 pontos de maior contato do veículo, como volante, painel e botão de partida, entre outros.
A iniciativa faz parte do novo programa Ford Clean, como explica Joaquim Pereira, diretor de Serviço ao Cliente da Ford América do Sul. “Foi criado para dar segurança e tranquilidade ao cliente quando ele precisar ir a uma concessionária Ford, sabendo que vai encontrar um local preparado para proteger sua saúde”, diz.
Com a novidade, a empresa criou um processo de certificação para a sua rede de concessionárias com padrões de higienização e atendimento ao cliente. “Os funcionários também seguem normas de controle de saúde e conduta, como o uso de máscaras, luvas e cuidados para garantir a própria segurança e, também, para que o cliente sinta-se à vontade e protegido durante todo o tempo no local”, completa Pereira.