Produtoras movimentam US$ 30 milhões em projetos internacionais

O mercado brasileiro de produção encontrou no mercado internacional um bom porto seguro em um primeiro semestre desafiador para os negócios na publicidade brasileira. Normalmente, o número de projetos com players estrangeiros cresce em momentos de desvalorização do real e de queda na demanda por projetos dentro do Brasil.

A grande diferença é que, em 2018, as produtoras brasileiras estão conseguindo se envolver em projetos mais estratégicos, onde existe a contratação não apenas de serviços tradicionais de produção como apoio a equipes locais, ou auxílio à liberação de locações, uma linha de atuação conhecida como “production service” e que não demanda a parte intelectual, mas também de talento, criatividade e inteligência de diretores de cena, arte e fotografia do país, no modelo conhecido como “full service”.

“Nesse formato, a agência de fora contrata diretamente a produtora brasileira e o diretor se envolve desde o começo do projeto, fazendo tratamento, storyboard e com toda a equipe técnica sendo nacional”, explica Marianna Souza, gerente do Projeto FilmBrazil, plataforma de internacionalização da Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (Apro), em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).

“Nunca vimos números tão bons como esses, mas é um caminho que tem sido construído há muito tempo”, diz Marianna Souza

Um levantamento inédito da FilmBrazil, a pedido do PROPMARK, indica que a produção publicitária brasileira já está conseguindo oferecer maior valor agregado nos projetos com o exterior, e que, agora, tem o desafio de procurar envolvimento com projetos ainda maiores. Questionadas sobre os modelos de exportação com que atuam e que representam um bom volume de receitas, 50% das produtoras mencionaram o “production service”, que liderou a enquete. A modalidade “full service”, no entanto, já é representativa para 46% das empresas, e o “empréstimo de diretores”, por outras 20%. Esses dois modelos representam a busca pelos estrangeiros por valor agregado e talentos brasileiros. A quarta modalidade de exportação é “veiculação de filmes no exterior”, que é relevante para 40% das empresas.

“Ficamos felizes em ver esse dado de 46% das empresas fazendo full service, porque isso indica ganho de valor agregado. Outra informação que chama a atenção é que 91,7% das empresas da FilmBrazil já exportaram, o que é uma grata surpresa. Nunca vimos números tão bons como esses, mas é um caminho que tem sido construído há muito tempo. As produtoras começararam a participarar de eventos, fazer prospecção e investir em qualificação. Só que não podem parar. Ter projetos no exterior é um casamento de longo prazo, que está rendendo muitos frutos”, diz Marianna Souza.

Em termos de volume de negócios, as produtoras envolvidas com o projeto, cerca de 40, conseguiram movimentar aproximadamente US$ 30 milhões nos seis primeiros meses do ano, segundo estimativa da FilmBrazil. No ano passado, o valor chegou a US$ 32 milhões considerando os doze meses. O número indica um crescimento robusto, embora tenha que se relativizar com o fato de que a maioria dos contratos são fechados no primeiro semestre, quando o verão brasileiro atrai os estrangeiros durante o inverno no hemisfério norte. A FilmBrazil destaca-se ainda que a diversidade étnica e de locações seguem como os maiores atrativo do país, e o tema, inclusive, foi explorado na participação institucional da empresa no Festival de Cannes.

Projetos mais caros

Agora que passou a ser percebida como fonte de talento, a produção brasileira tem um grande desafio para os próximos anos. Segundo a própria FilmBrazil, a grande maioria dos projetos exportados, 52,9%, envolvem projetos pequenos, de até U$S 100 mil. Apenas 17,7% estão concentrados na faixa de investimentos de US$ 1 milhão a US$ 2 milhões, que são as verbas que todos desejam, e disputadas por produtoras de todo o mundo.

Para romper essa barreira, é fundamental, por exemplo, a realização de eventos de relacionamento como os que a FilmBrazil já promove em eventos como o Festival de Cannes e, mais recentemente, D&AD, além de projetos como o Brazilian Directors Showcase, encontro de diretores com profissionais de anunciantes e agências dos Estados Unidos. É importante também que profissionais brasileiros se tornem referências mundiais. Segundo apurou a reportagem, alguns dos nomes bastante procurados para projetos no exterior recentemente são diretores como Rodrigo Saavedra, Vellas e Jones +Tino. A dupla e sua produtora, a Stink Films, por exemplo, foram responsáveis pelo filme “100”, da F/Nazca S&S para Leica Store, até hoje, único Grand Prix em Film Lions da publicidade brasileira no Festival de Cannes.

Diretores como Rodrigo Saavedra, Vellas e Jones +Tino, os últimos, do filme “100”, estão requisitados para produções internacionais

“A demanda por talentos brasileiros tem aumentado muito nos últimos anos. Tanto no mercado asiático quanto em mercados mais competitivos como Europa e EUA. Isso mostra que nosso talento é bem vindo lá fora. Temos uma maneira profissional e ao mesmo tempo amigável de trabalhar, o que agrada aos clientes estrangeiros. A soma da experiência dos produtores locais com o talento de cada diretor que gera bons resultados”, diz Ingrid Raszl, managing director da Stink Films.

A produtora, que abriu escritório no Brasil em 2012, filmou com seu casting de diretores, entreo o ano passado e este, cerca de 20 filmes internacionais de grande porte para clientes como Adidas, Exxon Mobil, Samsung, Apple, Facebook, Ikea e outros. Um dos comerciais, da marca Ooredoo, protagonizado por Messi, por exemplo, envolveu o diretor de cena Cassiano Prado e o diretor de fotografia Lula Carvalho, e outro, gravado na China para a marca Kuaibao, teve o diretor Douglas Bernardt e o diretor de fotografia Lucas Oliveira no projeto.

“Os jobs internacionais trazem maturidade, ousadia e versatilidade aos nossos diretores. Cada mercado precisa de um pensamento criativo diferente para atender as necessidades do consumidor local. Ter que lidar com essas particularidades traz uma experiência única aos diretores. Quase sempre eles tem que sair da zona de conforto pra lidar com essas demandas. Além disso, eles tem a oportunidade de trabalhar com clientes mais arrojados, diferentes profissionais na equipe técnica e equipamentos de ponta, que muitas vezes são impraticáveis no Brasil por conta dos orçamentos mais apertados. Isso imprime um maior valor de produção e engrandece os filmes”, analisa Raszl.

Vale lembrar que, assim como a Stink, diversas produtoras internacionais estabeleceram operação no Brasil nos últimos anos, como Iconoclast, Hungry Man e Paranoid. Na análise de Marianna Souza, da FilmBrazil, o fato agregou lastro para o país entender como produzir para fora.

Para algumas produtoras, como a Ocean Films, ter projetos internacionais é a forma de viabilizar a própria operação no Brasil. Para a empresa, 80% do faturamento vem do exterior, no caso, majoritariamente na modalidade “production service”, segundo o sócio Cristian Marini. “Esse ano tivemos um mix bastante interessante de projetos internacionais, como a campanha de verão mundial da marca H&M dirigida por Adam Berg, a campanha da marca chinesa Vivo (sem relações com a brasileira), além de Unilever, Transitions Lens e EBay”, afirma. A empresa também é sócia da Awake Films que é uma produtora com diretores locais com foco no mercado brasileiro, mas que tem acesso a projetos internacionais por causa da Ocean. Recentemente, o diretor Rodrigo Rebouças filmou uma campanha para Airbnb Internacional, a diretora Fernanda Weinfeld fez um projeto para a Ogilvy de Londres.

O intercâmbio também traz oportunidades de qualificação do trabalho das produtoras brasileiras, fator fundamental para a competitividade internacional. A Bufalos é outra empresa com projetos internacionais e que, em setembro, terá um projeto com a Youse focado em histórias de inovação e tecnologia. “A cada produção, temos que nos adaptar à cultura e às particularidades daquele local, o que traz um enorme aprendizado sobre lidar com diferentes cenários e adversidades do trabalho. Até por isso, sempre fazemos um rodízio entre a equipe que viaja, para que todos tenham a oportunidade de passar por esse tipo de experiência e enriquecer suas habilidades”, explica Guilber Hidaka, diretor-geral da produtora, que tem um modelo pelo qual aproveita viagens a determinado destino para tentar viabilizar outras oportunidades de negócios.

Trilhas em alta

Segundo a FilmBrazil, as produtoras de som também estão conseguindo exportar modelos, com destaque para “desenvolvimento de trilha produzida”, “desenvolvimento de voz over” e “licenciamento”. A Satelite Audio, do sócio-fundador Kito Siqueira, tem intensificado a participação em projetos internacionais nos últimos dois anos. “Aos poucos estamos adquirindo maior expertise e ampliando o network de clientes internacionais”, afirma o profissional, que já se envolveu em projetos para marcas como Hyundai, Adidas, BMW, Nike e Mastercard. “No Brasil trabalhamos de uma forma diferente dos mercados internacionais, já que fazemos todo o trabalho relacionado ao som, como pesquisa, produção de trilha, licenciamento, sound design, locução, mixagem e pós produção. No mercado de fora, normalmente trabalhamos dentro de uma ou duas dessas áreas”, analisa Mansano. Para a empresa, os projetos internacionais representam 10% do faturamento, mas com ideia de atingir 25% em breve.

Algumas produtoras colocam um pé no exterior para se envolver com projetos nos países. A Lucha Libre, por exemplo, anunciou recentemente a abertura de uma estrutura em Berlim, em parceria com o Maestro Billy, com foco em projetos de áudio 360 e spatial. “Estamos investindo em presença e parcerias internacionais, indo além de projetos pontuais. Também fechamos uma sociedade com o Drac Studios, de Los Angeles, com Matt Sorum, ex-Guns’n’Roses e Velvet Revolver. Os projetos internacionais sempre qualificam o trabalho da produtora pelo contato com uma nova cultura, trazendo um jeito novo de ver as coisas. Além disso, você tem acesso a alguns dos melhores e mais premiados músicos e outros profissionais nas produções contratadas por aqui”, analisa. A campanha de Copa do Mundo do McDonald’s, por exemplo, teve mixagem de David Schiffman, que fez álbuns de artistas do calibre de Jonny Cash”, afirma o sócio e produtor Paulo Corcione.

A Tentáculo também se envolveu em projetos internacionais recentes. Ed Côrtes, sócio da produtora, em parceria com a produtora Supersônica, de Antonio Pinto e Marilia Franco, assinou um projeto com foco na platafoma Facebook Watch para contar a vida de Tom Brady, astro da NFL. “Tom vs Time”, dirigido por Gotham Chopra, apresenta ao público o adversário mais difícil de Tom Brady: o tempo. Côrtes foi responsável pela trilha sonora da atração, que teve seis episódios. “Estar perto de um cara como o Chopra para a produção desta série trouxe diversos insights para a equipe da Tentáculo. Tivemos a oportunidade de criar e aprender nos reportandom diretamente a nomes reconhecidos internacionalmente dentro desta área, analisar seu workflow e fazer alguns bons amigos”, analisa o profissional.