Estevão Ciavatta, diretor, produtor, roteirista e sócio da Pindorama Filmes, lidera com sua sócia (e mulher) Regina Casé uma grande campanha para reflorestar o Brasil, que nasceu a partir dos 15 anos do programa “Um Pé de Quê?”, realizado em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica. A campanha de crowdfunding “Dá Pé” já arrecadou mais de R$ 200 mil e viabilizou o plantio inicial de 10 mil mudas na região do rio Una, na bacia do Rio Paraíba do Sul, que abastece os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Acaba de ganhar um novo parceiro, a Coca-Cola, que doou duas mil árvores e promete, até o fim da campanha, em 18 de dezembro, plantar uma árvore a cada nova árvore doada. Ciavatta queria ser engenheiro florestal, mas acabou indo para a fotografia e depois para a televisão. Hoje, ele une o trabalho à sua paixão pela natureza, e procura dedicar-se a projetos conectados com a sua essência na Pindorama – primeira empresa de carbono neutro do audiovisual brasileiro: possui o selo carbono neutro desde 2007. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Divulgação

Vocação
Minha história profissional é um caminho vocacional. Está na minha criação, no jeito que eu cresci, no meu DNA. Minha formação é muito humanista e sem preconceitos, aprendi a valorizar o que é mais fundamental na vida. Outro dia vi na casa dos meus pais um quadro que dizia o seguinte: “proteja a árvore, proteja a vida”. Está lá desde que eu era pequeno. Não sei onde me marcou. Cresci na ilha do Governador, depois me mudei para a zona sul. Eu era bom em matemática e física e como era montanhista fui fazer engenharia florestal em Viçosa. Não segurei a onda de trabalhar com isso, por isso voltei para o Rio, fiz curso de fotografia e acabei escolhendo fazer faculdade de cinema na UFF. Depois, fui fazendo a transição para o texto, para a direção. Isso tudo faz com que o caminho na Pindorama – que hoje é um caminho possível para muitas empresas – seja também um caminho único e particular.

Contramão
Em 1997, fiz um documentário sobre Nelson Sargento, que ganhou prêmio em todos os festivais do Brasil. Recebi convites para dirigir filmes, mas precisava pagar minhas contas e comecei a trabalhar na Globo. Entrei em TV de cabeça justamente no momento em o meio ainda era pueril e sem propósito, muito comercial. A propaganda estava mais ligada à estética, ao cinema. Foi quando muitos diretores de publicidade seguiram para o cinema. Eu fui numa contramão desse momento. Entrei no que se chamava “segunda unidade” da Globo. Eu dirigia, fazia câmera. Acabei dirigindo o “Brasil Legal”, depois o “Muvuca” e decidi perseguir meu sonho de faculdade: fazer uma produtora.  Eu tinha 32 anos.

Causas
O que me move não é apenas um desejo de ser legal, ser bonzinho ou estar numa causa. O que me move é que gosto da complexidade das causas, da vida, da natureza. Acho que, muitas vezes, as soluções humanas são simplistas e sem graça. E a isso sou contra. Por exemplo: transformar a floresta amazônica, que é uma riqueza sobre a qual não temos nem ideia, em um pasto pouco produtivo é optar pela ignorância. A causa maior – mais filosófica –, que seria o amor, também está ligada a conhecer e reconhecer a complexidade das causas, e ter devoção a elas. As causas orbitam em torno disso, levo isso também para a minha ficção. Trabalho a complexidade, mostro que sobretudo o mundo humano é complexo em outras especificidades que não são as naturais. Para mim também interessa mexer aí.

Saltos
Comecei a trabalhar com a Regina Casé no “Brasil Legal”, em 1996. Quando o Canal Futura fez uma pesquisa sobre qual era o programa mais educativo da TV brasileira,  deu “Brasil Legal”. Por isso, nos convidaram para pensar um programa para o Futura. Fazer um programa sobre árvores foi uma ideia da Regina Casé. Todo mundo ficou um pouco ressabiado sobre fazer um programa sobre botânica, mas, depois das primeiras três edições, fomos tão bem que produzimos logo 18 episódios. “Um pé de quê?” fez a Pindorama deslanchar nos primeiros anos. Também fizemos, em 2001, outro programa – caro, porém interessantíssimo – chamado “Que história é essa?”. Ele contava histórias por trás de pequenas notícias de jornal, aparentemente sem grande importância, posicionadas ao lado de grandes manchetes épicas. Pegávamos a capa do Jornal do Brasil campeão na Copa de 70 e escolhíamos notícias obscurecidas, mas que revelavam, sob outra perspectiva, aquele momento do Brasil. Como um cara que perdeu a carteira de identidade ou um navio encalhado na Praia de Camboinhas, no Rio de Janeiro. Encontramos o cara, entrevistamos o capitão daquele navio. Depois fomos convidados a pensar algo para o “Fantástico”. Foi o nosso salto para a TV aberta. Esse foi um marco importante porque o programa tinha ainda mais audiência que hoje, era um canhão. Fizemos a série “Blitz”, que juntava humor e cidadania, e deu um sentido muito forte para o nosso trabalho. Em 2006, fiz “Central da Periferia” na Globo, uma série sobre favelas no mundo – sobre como impactava a dinâmica do mundo o fato de a humanidade ter se tornado mais urbana do que rural, com muito mais favelas do que cidades bem planejadas. De 2008 para 2009, lançamos a série sobre aquecimento global com o Marcos Palmeira, o “Vozes do Clima”. Ali, o interessante é que eu tinha como cliente a Embaixada Britânica e resolvi propor para a Globo (“Fantástico”) fornecer conteúdo em troca do espaço, sem qualquer dinheiro envolvido. Meu patrocinador ficou feliz da vida e não quis aparecer com marca – porque lhe interessava a causa. Com “Amazônia S/A”, fiz a mesma parceria com o “Fantástico”: forneci o material.

Amazônia
O projeto “Amazônia S/A” foi exibido em cinco episódios no “Fantástico”, no início desse ano. O que me motivou foi colocar o ponto de vista das árvores, um trabalho que depurei ao longo dos últimos 15 anos  no programa “Um pé de quê?”. Para um jequitibá de mais de 500 anos – que eu sei que está em Muriqui, na BR-101 –, o que aconteceu no Brasil é no mínimo irônico. O que ele viu, índios e portugueses se matando, todo o desenvolvimento, a exploração, a especulação imobiliária recente, usinas nucleares…revela uma perspectiva histórica e as idiossincrasia das escolhas humanas. Em “Amazônia”, eu busquei “qualificar o debate”. Depois, comecei a levar os temas ambientais para a área de ficção. Fizemos “Preamar”, uma série de 13 episódios para a HBO, que passou nos Estados Unidos e na América Latina toda. Eu me propus a fazer um retrato crítico do Rio de Janeiro, um desnudamento da sociedade carioca.

Diálogos
O mercado e as empresas estão precisando entender e mediar diálogos. No fundo, esse é o grande desafio não só das empresas que querem ser sustentáveis e se posicionar bem no mercado. Mesmo as que não são, precisam olhar para o mercado e saber quais são as forças que estão se enfrentando para pensar qual é o futuro comum. Vemos isso desde a área de alimentação – que precisa se colocar de maneira diferente, pois se não houver pessoas saudáveis não haverá em última instância para quem vender no futuro. Se não houver uma floresta em pé e os ciclos naturais funcionando, não teremos cidades funcionando para poder vender. Quero fazer com que os projetos sociais que as empresas venham a fazer, tenham um canal de comunicação. Porque, hoje em dia, muita gente faz coisas legais, mas pouca gente sabe disso. Há uma lacuna nas áreas de sustentabilidade das empresas. Ainda parece ser algo menor, menos interessante. Normalmente se coloca mais dinheiro na feitura  do que na comunicação.

Marcas
Em “O pé de quê?” contamos com o Banco da Amazônia, para fazer uma série amazônica, em 2005. Depois veio a Fundação Bradesco, para os 18 anos da SOS Mata Atlântica. A maioria dos projetos foi investimento dos canais – que têm os seus patrocínios. Para fazer o filme “Made in China”, por exemplo, houve patrocínios, mas de empresas que buscaram se vincular a um projeto de sucesso ou à atriz Regina Casé. Já o projeto “Amazônia S/A” teve dinheiro privado de Fundações de empresas, para quem consegui vender. Tive a Fundação Ford envolvida num outro projeto, sobre segurança.

Propaganda
Já fizemos publicidade para a Caixa, com a Regina Casé. Fazer publicidade para mim é um recreio. Dá muito mais trabalho fazer televisão. Não teria problemas em fazer, mas não é o mercado no qual foco. O problema, para mim, é que 90% das vezes a propaganda está mentindo. No mundo de hoje, as palavras que regulam são transparência, liberdade, diálogo – ou deveriam ser. Nenhuma dessas coisas é possível com mentira. Mas há uma mudança de paradigma da publicidade e dos veículos, e é por isso que ando interessado no mundo corporativo. A palestra do Chris Coulter, da GlobeScan, no último Sustainable Brands, do qual participei, no Rio de Janeiro, falava de uma desconfiança global generalizada. Ele falava de integridade, credibilidade e benevolência. E talvez os nossos projetos se encaixem aí e possam ser estratégicos para as empresas que buscam um posicionamento íntegro, a competência por entregar o que se propõem e a benevolência de deixar a sua marca de maneira concreta no mundo e não conceitos genéricos de beleza, felicidade e sucesso.

Sustentabilidade
Atualmente, o mercado de relações corporativas e de sustentabilidade me interessa. Começo a prospectar, inclusive com o “Pé de Quê?”. O que nós fazemos hoje, em quase todos os projetos, tem uma causa. Existe uma “lei americana” que define o sucesso de projetos audiovisuais a partir da abordagem da competição, do humor ou do drama. Há um outro elemento junto a esses, que é o aprendizado. Diferentemente dos outros três, o aprendizado não se resolve sozinho. Ele sempre precisa trazer junto com ele a emoção, o drama ou o humor. O que gera lembrança e aprendizado é a emoção.

Off-Olimpíadas
Temos um novo projeto que acabamos de filmar para a Globo, emissora oficial das Olimpíadas, que vai mostrar a importância cultural do esporte no mundo – só que dos esportes que não estarão nas Olimpíadas. Pesquisamos oito esportes que dizem muito sobre de onde são e como surgiram. Filmamos Land Diving, um bungee jump aborígene na Indonésia, uma corrida no sul do Japão com um andor de 1 tonelada carregado por um time de 100 pessoas. Fomos à Turquia filmar a mais antiga competição do mundo, a edição de número 154 de uma luta greco-romana em que os participantes se bezuntam de azeite de oliva, o Kirkpinar. Ou o salto com vara sobre canal a distância na Holanda.  Filmamos na caatinga a pega de boi no mato. Deve entrar no ar como série especial do Esporte Espetacular a partir de fevereiro do ano que vem.

Reflorestamento
Viajamos muito nos últimos 15 anos – fomos até Japão, Tailândia, Alemanha, Irlanda – e  falamos da questão climática mundial. A coisa tá na cara: precisamos plantar mais árvores. Basta enxergar o último furacão, que foi o maior na escala que se tinha para furacões, ou as chuvas mais intensas no Sul, as secas mais intensas no Sudeste, no Centro-Oeste e no Nordeste, 45% da caatinga desmatada, 92% da mata atlântica, 20% da Amazônia…  Vivemos crise hídrica em São Paulo, no Rio e no Nordeste. A mata atlântica tem um tempo médio de 10 anos de regeneração. Por que não pensar em resolver o problema hoje para daqui a 10 anos sabermos que isso não será mais um problema? Não entendo como não se está fazendo um mutirão nacional para replantar as áreas tão necessárias, no mínimo para garantir nosso abastecimento de água. Num país conhecido por sua pujança de água. Fiquei revoltado ao perceber que o rei está nu e todo mundo age como se tudo estivesse ótimo. Planejamos um plantio-piloto. Queremos que o plantio seja perene.  Queremos que “Um Pé de Quê?” seja mobilizador e catalizador dessa mudança, sugerindo para os brasileiros que o futuro está nas nossas mãos e, para mudar essa realidade, bastam apenas R$ 20. Vamos reflorestar só áreas de proteção permanente: reservas legais ou áreas em beira de rios. Algumas empresas entraram, como Coca-Cola, Fazenda da Toca, Brownie do Luís e Reserva, além de diversas celebridades.

Futuro
Estou criando um novo portal  “Um Pé de Quê?”, que vai ter todos os programas e espaço permanente para a nossa campanha de reflorestamento, entre outras coisas. Queremos que nosso conteúdo seja de uso público, educacional. Ao mesmo tempo, vai ser um portal de comunicação das árvores com as pessoas e vice-versa. Ainda não posso dar detalhes, mas estou trabalhando a ideia de criar o maior museu a céu aberto do mundo, com um aplicativo em que as pessoas possam identificar as árvores da cidade do Rio de Janeiro. Estou começando a procurar empresas para viabilizá-lo. Essa ação, no fundo, não é uma ação da produtora para si mesma, mas da empresa para o mundo.

Longevidade
Acho que o programa “Um Pé de Quê?” durou tanto tempo porque ainda não cobrimos nem 1% da flora brasileira. Ter um manancial grande é um dos fatores. Não filmei vários clássicos ainda – como o Flamboyant. O outro motivo é que eu e Regina nos dedicamos de corpo e alma. Isso fez a diferença. Nunca deixamos o projeto, sempre corremos atrás. E acho que fomos pioneiros em educação e comunicação nessa área.