O setor de produção foi afetado por prazos mais longos de pagamentos de faturas e retração de negócios de 16,5% no ano passado, quando contabilizou um volume de cerca de 17,1 mil comerciais produzidos no país, dados da Ancine (Agência Nacional de Cinema). Mas, também, há diminuição do valor dos orçamentos. Na avaliação de Paulo Roberto Schmidt, presidente do conselho de administração da Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais), a percepção é que os custos de produção sofreram redução em 2016. “Vivemos um verdadeiro paradoxo e, talvez, devido a inúmeros fatores, esteja havendo confusão e dificuldade de diagnosticar o cenário atual”, resume Schmidt.

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Entre os fatores listados pelo presidente da Apro estão a elevação de 24,8% dos custos de produção, entre os quais remuneração de profissionais, insumos (cenários, dressing de locações, transporte e alimentação, além da pós-produção) e 7,5% de custos financeiros, “decorrentes de alongamento do prazo e inadimplência no recebimento de valores faturados”.

O aumento de 24,8% dos custos de produções foi compensado pelas produtoras, segundo Schmidt, pela eliminação das BVs (Bonificações de Volume) sobre produção, que “ajudou nesta equação e parte com redução ao mínimo das suas margens na maioria dos filmes realizados. As produtoras estão fazendo enorme esforço e sacrifício para conseguir produzir dentro das verbas disponíveis ou alocadas pelos anunciantes. Entendemos que é um momento de sobrevivência, razão pela qual o mantra é gerar negócios que possam, pelo menos, manter as estruturas e os custos fixos. Assim, apesar deste aumento considerável de custos, por vezes incontrolável devido ao aquecido mercado de produção de conteúdo, e ao lado da drástica redução de produções publicitárias, podemos afirmar que o custo médio de produção de um filme publicitário manteve igual ou muito próximo do preço praticado em 2015”.

O presidente da Apro acrescenta: “O fato de os anunciantes terem reduzido consideravelmente os investimentos em propaganda, em especial na mídia, optando por outras formas de comunicação, como os meios digitais, trouxe a reboque produções de filmes publicitários com custos menores, muitos deles criados com linguagem mais simples, mais adequada e apropriada ao veículo e/ou plataforma. Aqui, novamente, as produtoras têm exercido papel fundamental na equação, oferecendo soluções e, em muitos casos, entregando produtos com qualidade de produção muito superior aos recursos contratados”.

Mas a lucratividade está comprometida. “As produtoras estão trocando dinheiro ou papéis, como queiram interpretar. É impressionante como a necessidade de se manterem ‘vivas’ as faz lutar e aceitar negócios muitas vezes abusivos e nocivos ao mercado. Entende-se o momento do Brasil e do mercado publicitário. Os produtores estão participando, garantindo empregos e trabalho para os profissionais fixos e free-lancers do mercado. Estão exercitando ao máximo modelos e soluções para continuarem produzindo e entregando o melhor filme ou produto publicitário. Mas, convenhamos: os recursos alocados em produção representam hoje apenas 0,5% dos recursos investidos pelas marcas em propaganda e publicidade”, afirma Schmidt.

“As marcas não podem vacilar, não devem usar do poder econômico, não podem desrespeitar e não podem ajudar a destruir os seus parceiros estratégicos. Enfim, não podem matar os seus artesãos. A política venal pelo melhor preço – sem considerar, não menos importante, o menor prazo e melhor qualidade, talento e gestão –, sem ao menos manter dignamente o preço e a condição de pagamento que seja condizente com o fluxo físico/financeiro das produções, tem comprometido a saúde das produtoras. Elas estão exauridas, sem capital de giro, e não podem continuar exercendo o papel de ‘banco’”, disse o presidente da associação das produtoras.

Oferta e procura
Raul Doria, sócio da Cine, pondera que a produção cinematográfica se beneficiou da publicidade. Mas o quadro mudou. “Publicidade foi a única fonte de recursos da área (lembram dos anos Collor?). Na outra via, com a inédita crise econômica, que muitos avaliam a maior da nossa história, os clientes/anunciantes estão cada vez mais à procura de melhores preços (mesmo colocando em risco a qualidade), quando não, cancelando ou adiando projetos. Resultado: o custo de realização de cinema sobe sem parar. É a lei da oferta e da procura. Muita procura na produção de conteúdo, os preços sobem. E muita negociação nos preços de comerciais, preços descem”, observa Doria.

Na visão de Francesco Civita, sócio e produtor-executivo da Prodigo Films, o preço médio de um comercial teve queda no segundo semestre. “Como temos menos filmes e pouca demanda, o preço cai, justamente porque a concorrência é maior e todos vão atrás dos poucos filmes que estão sendo criados. Por outro lado, os custos não diminuíram. Alguns profissionais do setor tiveram reajustes e a inflação está aí. “O que eu acho que existe, hoje, são possibilidades mais vastas de opções para o anunciante divulgar sua marca. Ele pode optar por outras mídias e as produtoras usarem outros tipos de produção, necessárias para essas mídias (como Instagram e Snapchat). Mas o que vai diferenciar uma produtora da outra é a criatividade”, argumenta Civita.

Além da crise, a tecnologia é outro fator. A ponderação é de Fabio Dedding, da Great. “O fator mais importante é a não adequação dos preços x mão de obra nas produções. Temos preços exorbitantes para funções e serviços simples. Com o aumento da influência dos departamentos de marketing das empresas anunciantes, esses valores começaram a ser questionados”, ele afirma.

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Dimitria Cardoso, diretora de atendimento da Academia de Filmes, explica que a queda chega a 15%. “O fator principal é a crise, que implica numa diminuição da verba do cliente a ser investida. Com a verba menor, a quantidade de trabalhos diminui, o que gera concorrência mais acirrada entre as produtoras. A renovação tecnológica, que ajuda a diminuir as equipes e suas respectivas especializações. Há também a pulverização da mídia. Antigamente, os clientes calculavam o custo de produção de acordo com a mídia. A migração da mídia tradicional pela digital fez as produções diminuírem de tamanho. Atualmente, investe-se cada vez menos tempo, planejamento, cuidado e dinheiro nos filmes”, diz Dimitria, acrescentando que há novas formas de captação de imagem. Ela lembra que o comercial Pega-ladrão, da Adan Even & DDB para a Harvey Nichols, filmado com câmeras de segurança da loja inglesa e premiado com o Grand Prix do Film Lions do Festival de Cannes deste ano.

Mesa de compra
O diretor Rodolfo Vanni, ex- Cia de Cinema, lembra que as mesas de compras dos anunciantes apertam as condições, mas pergunta: “eles sabem quem é Tom Kuntz?”. Vanni prossegue: “A lucratividade das produtoras, assim como das agências, diminuiu. E deve cair mais à medida que à audiência for migrando da TV aberta para o formato pay per view. A tendência é que estruturas se enxuguem e intermediários sejam eliminados. É a era do skip ad chegando. O consumidor não vai mais ser atingido pela frequência. E, sim, pela inteligência. Acho que o futuro pertence aos que criam e produzem coisas que interessam às pessoas”.

O rastro especulatório que se segue a uma crise é alerta que Sérgio Tikhomiroff, diretor da área de publicidade da Mixer, faz. “Com queda na demanda e na verba publicitária, e inflação em alta, o resultado é uma dificuldade de repasse para orçamentos. Impostos aumentam, os custos trabalhistas também, a mão de obra especializada aumenta acima da inflação e equipamentos e upgrades/updates são em dólar, com toda a oscilação que tem acompanhado sua cotação”, afirma Tikhomiroff.

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A competitividade setorial é um dos motivos que Pedro Bueno, produtor-executivo da Shinjitsu Filmes, observa. A solução é o ajuste do modelo de negócios com equipes enxutas e multidisciplinares. “Temos visto uma crescente demanda por produções menos elaboradas e mais baratas. Com a falta de dinheiro geral, a mídia offline ainda continua muito cara, se comparada com o digital. Esta projeção ajudou a consolidar um cenário em que muitos clientes migraram suas verbas e campanhas para o online. Porém, por ser uma mídia mais barata, muitos clientes querem pagar menos pelas produções feitas para o online, pois acreditam que essa equação é diretamente proporcional à produção audiovisual, ledo engano. Quase toda a infraestrutura, recursos, equipamentos, processos, mão de obra e outros detalhes são os mesmos que usamos nas produções para TV, o que muda é a plataforma de veiculação”.

Drasticamente é a palavra que Mayara Auad, da Yourmama Films, usa para responder à questão sobre custos de produção. “A crise trouxe uma necessidade dos clientes reverem suas verbas de marketing, o que gerou diminuição drástica nas verbas de produção. Além disso, os clientes têm buscado produtoras diretamente em busca de preços menores, prática que desvaloriza o trabalho do setor, pois estamos falando de visões e talentos únicos, quando o valor se diferencia por um serviço artístico com níveis de entregas diferentes e não simplesmente pelo preço mais baixo”.

Para Renato Assad, fundador e diretor de cena da Side Cinema, o preço médio caiu e credita essa tendência à pulverização omnichannel. E não tem volta. “A lucratividade caiu muito e me parece uma tendência sem volta. Vamos ter de achar soluções para isso, mas os clientes vão precisar entender também que, se querem filmes com qualidade de realização, vão ter de pagar pra isso. Caso contrário, o nível de produção será cada dia pior”.

Riscos
Pelo cálculo de Alex Mehedff, sócio da Hungry Man, nos últimos dois anos a queda chega 35%, mas com os insumos crescendo entre 20% e 30%. “As produtoras que têm estrutura grande correm grandes riscos. O mercado já não comporta produtoras de mais de 50 funcionários há muitos anos. Quem tem e administra uma produtora deste porte acaba fazendo ‘dumping’ de preço de um filme publicitário ou pacote de dois ou três filmes no mercado para sustentar por quase nenhum lucro seu negócio. E isso coloca em risco toda cadeia produtiva, já que, na maioria das vezes, acabam entregando filmes aquém do possível resultado ou da expectativa que a agência/cliente tem. Essas empresas precisam ser responsáveis, de forma geral, por si próprias, com o mercado de produção, com seus clientes, independentemente se têm sócios ‘do mercado financeiro’ que somente cobram resultados em ‘balance sheet’. É duro dizer isso, mas é o que estamos observando ocorrer com as grandes produtoras do mercado brasileiro recentemente”.

Especializada em branded content, a Oficina, de Nelson Enohata, já convive com os orçamentos mais reduzidos. Ele lembra que as mesas de compra objetivam o menor custo. “As taxas das produtoras estão se tornando um seguro de trabalho”, diz ele sobre prazos longos e inadimplência. Porém, sobre as novas formas de produção, faz uma ressalva. “Existe uma falsa ideia de que muita coisa pode ser gravada por um celular. Mas a questão não é apenas o suporte de gravação em si (celular, HD, 4K, Red, etc), mas também a produção que está por trás. Não é porque o suporte é amador que toda a produção será amadora”.

A crise e a diminuição da importância do comercial de 30 segundos para os anunciantes são os atores desse cenário no mercado brasileiro, na opinião de Eduardo Tibiriçá, CEO da Bossa Nova Group. “Apesar da pressão por parte dos anunciantes para redução dos custos, os insumos do mercado brasileiro continuam altos. Por isso, os valores das produções não foram alterados, refletindo, na verdade, na diminuição das margens das produtoras. Para agravar o cenário, as produtoras precisam ter fluxo de caixa para arcar com os custos das produções, já que os prazos de pagamentos dos anunciantes estão dada vez maiores”.

Antonio Carlos Accioly, produtor-executivo da Movie & Art, argumenta que uma produtora de grande porte é chamada para uma concorrência de um job e na maioria das vezes “compete com produtoras que não têm estrutura”.