Profissionais reinventam formas de se relacionar para manter negócios

As quarentenas trouxeram um grande desafio para o mercado, que precisou encontrar novas formas de manter a capacidade de fazer relacionamento. Nos últimos meses, em que pese as dificuldades que o setor enfrenta, os profissionais conseguiram se adaptar e proporcionar diversas situações inerentes do negócio da publicidade. De uma forma diferente, mas não menos efetiva, contas foram conquistadas, empresas foram lançadas, parcerias estabelecidas e profissionais contratados. Alguns dos líderes do mercado apontam que os relacionamentos, que compõem o motor dos negócios no setor, permaneceram fortalecidos, com uma frequência de contatos até maior em alguns casos.

“Nunca deixamos de estar na ativa. Continuamos lidando com a rotina da agência, clientes, mercado e veículos de comunicação da mesma forma, mas por canais diferentes. Almoços e cafés de negócios deixaram de existir no sentido visceral da palavra, mas as relações entre empresas, para falar de negócios e oportunidades, continuam existindo”, opina Erh Ray, sócio e CEO da BETC/Havas. “Até porque, só devemos voltar à velha normalidade de encontros em um momento pós-vacina, já que serão muitas as regras para restaurantes, cafés e bares voltarem ao ‘normal’. Mas o bom disso é que criamos novos hábitos, que vão gerar, de certa forma, uma praticidade e produtividade muito melhor para o mundo e para as empresas”, completa Ray.

Muitos novos hábitos vieram para ficar e outros nem tanto, acredita o publicitário. Além das ferramentas digitais, a relação entre as pessoas também mudará, de alguma forma. “Não podemos esquecer que somos uma indústria movida por talentos humanos, então as pessoas devem jogar conversa fora, precisam se ver, se abraçar, dar as mãos, e precisam desse improviso e espontaneidade do dia a dia, coisas que essas ferramentas não permitem”, acredita.

Para Marcos Lacerda, head da HavasPlus, os novos relacionamentos em meio à pandemia seguem uma dinâmica mais concreta e pragmática do que emocional. “As reuniões e encontros presenciais ajudam na construção da empatia, mas, no mundo virtual, isso fica mais difícil. Como todos já entendemos essa nova realidade, adotamos uma conversa mais direta, trazendo pontos concretos e estabelecendo uma confiança mais baseada em dados, fatos, comprovações e resultados. Os relacionamentos que já existiam antes permanecem fortalecidos e com uma frequência de contatos até maior”, avalia.

Nesse cenário, as reuniões e os encontros estão mais eficientes, porque os horários são respeitados, assuntos são tratados de forma mais objetiva e as reuniões ficaram mais diretas e práticas. Lacerda fala que o tempo é maior porque não há deslocamentos. “Essa combinação fez com que a gente pudesse falar com mais pessoas, o que significa se relacionar mais e manter ‘vivo’ o papo e a boa conversa. Ele dá quatro dicas para se comportar nesse período: respeito com os horários, utilização de canais de comunicação para as reuniões, garantir que a conversa seja útil para a outra pessoa e ter foco no tema proposto.

“Relacionamento traduz-se em uma palavra-chave: confiança. Algo que você só consegue conquistando. Com tempo, trabalho sério e um perfeito alinhamento, constantemente revisitado, de expectativas e entregas. Tudo isso, na verdade, prescinde de presença física constante”, avalia Ana Leão, managing director da Isobar. “Mas, nesse momento de ausência física, acentuou-se a necessidade de nos fazermos presentes. Acima de tudo, percebo uma empatia e preocupação mútua muito grande entre todos. E vejo uma grande generosidade e vontade de todos os lados para encontrarmos e dedicarmos tempo uns pros outros”, completa a executiva.

Segundo Julio Castellanos, CEO Latam da Dentsu Aegis Network (DAN), o distanciamento social o obrigou apenas a mudar o canal de contato com todos. “Passo o meu dia conversando com as pessoas via meu laptop e celular, usando vídeo o máximo possível. Procuro manter uma agenda equilibrada de reuniões de trabalho, discutindo projetos e assuntos estratégicos e comerciais com a minha equipe, e de relacionamento”, avalia.

Em termos de metodologia, a empresa tem criado novos formatos virtuais, como “mesas-redondas” com múltiplos clientes para discutir ao vivo os desafios comerciais e operacionais que todos estão vivendo e potenciais soluções. “Não tenho dúvida que manteremos mais flexibilidade de horários. A aceitação do trabalho remoto, incluindo reuniões com clientes e parceiros, se consolidou”, avalia Castellanos. Ele fala que grandes eventos da indústria podem ser mais acessíveis a um universo maior de pessoas dando acesso virtual e ao vivo ao conteúdo dos mesmos. “Acredito que encontros profissionais ganharão um status de ‘excepcional’ e serão para ocasiões de maior importância relativa”, acredita.

A jornalista Mônica Salgado, que foi jurada no Festival de Cannes no ano passado, fala que as lives têm lhe ajudado a manter a mente ativa e a alimentar sua rede de relacionamentos. “Muita gente boa está com mais tempo livre e, portanto, mais aberta a um convite para um papo. Penso que, de maneira geral, as pessoas estão mais vulneráveis e, portanto, mais abertas, com menos defesas. E isso é bom: na nossa vida diária o que mais encontramos são pessoas armadas, sem tempo e sem paciência. Acredito que a pandemia suavizou, amoleceu um pouco nosso interior. Neste contexto, é possível que relações iniciadas ou fortalecidas neste momento possam gerar laços duradouros, embora talvez seja cedo pra dizer”, diz.
Para ela, resolver tudo de maneira remota exige mais objetividade, pois é mais difícil segurar a atenção. “Acho que as interações virtuais deixam a gente mais atento e focado ao presente. São menos distrações externas”. No pós-Covid-19, diz, haverá necessidade de maior cuidado nos contatos pessoais, pois estaremos todos mais “irritados, descapitalizados e machucados”.

Negócios

Vanessa Delgado, vice-presidente sênior de desenvolvimento de negócios da MetaX Brasil, lançou a empresa de publicidade em TVs conectadas no Brasil há algumas semanas, bem em meio à pandemia. “O acolhimento entre nós profissionais, que passamos pelos mesmos desafios neste momento, promove a troca de experiências e a acessibilidade, mesmo que virtual. Estamos solidários e em uma luta diária para cumprir todos os nossos compromissos e manter o mercado ativo. Somos um setor criativo e já enfrentamos outras crises, mesmo que não dessa natureza. Também conhecemos mudanças de comportamento, novas tendências, novas mídias, e temos o desafio de nos reinventar sempre. Não é mais o ‘business as usual’, mas os negócios continuam. E um bom networking, neste momento, vale mais ainda”, reflete. Uma das estratégias para lançar a empresa foi focar em levar conhecimento para o mercado, além de participação em webinars, pesquisas e whitepapers. “Na parte comercial, estamos ajustando nossas propostas e nossos posicionamentos. Mesmo assim, ainda acredito na importância das relações presenciais, das apresentações para os clientes e algumas reuniões. Formas de interação pessoal podem diminuir de frequência, mas não vejo a hora de estar presencialmente com os meus clientes, muitos deles amigos do mercado, ver todos bem e continuar o jogo”, completa a executiva.

Já Érica De Seta, produtora-executiva da Tesis, fala que a adaptação ao novo jeito de fazer relacionamento ocorreu em meio a projetos já em desenvolvimento. “Hoje, a maior parte dos contatos é feita pelo WhatsApp e e-mail. As pessoas já estão preocupadas e ansiosas com todas as mudanças fora de hora, as funções caseiras e as emoções dos familiares mais próximos para gerenciar. Então só ‘apareci’ para os profissionais que eu poderia ser significativa ou ajudar em alguma coisa, seja com uma ideia, com uma nova informação ou tendência que obtive durante uma leitura, ou disponibilizando nossa capacidade de produção mesmo”, diz. “A dinâmica mudou, mas o básico, que é a confiança e o relacionamento de muitos anos de trabalhos juntos, foi preservado”, completa.

Para vendas ou prospecção, o tête-à-tête é ainda a melhor ferramenta, na opinião da profissional. “O olho no olho, a comunicação corporal e o approach que existe num papo ‘ao vivo’ ainda não foram superados pela tecnologia no Brasil. Fora daqui, o call com chamada de vídeo sempre funcionou muitíssimo bem e assim continuará. Talvez passemos a adotar aqui mais essas chamadas de vídeos pra reuniões, o que, aqui em São Paulo, significa uma economia formidável de tempo e desgaste no trânsito. Vimos que o trabalho funciona muito bem dessa forma. Sinto-me também cada vez mais confortável nessa prospecção virtual”, encerra.