Propaganda está cada vez mais misturada com o entretenimento

Muitas definições são utilizadas para classificar o mundo no qual vivemos hoje. Era digital, era tecnológica e quarta revolução industrial são algumas delas. Mas uma coisa é certa: com a combinação de todos esses elementos, as pessoas nunca antes tiveram tanto acesso a informações, notícias (sejam elas verdadeiras ou falsas), serviços, conteúdo e também à publicidade.

Porém, esse “bombardeio” de propaganda em todos os meios é um dos fatores que podem estar levando o público, de forma geral, a se cansar da publicidade. O termo, inclusive, vem sendo utilizado por profissionais do setor para definir os motivos de uma busca cada vez maior das agências e marcas por formatos menos interruptivos de comunicação.

“A grande crise que a propaganda passa é a do excesso. A quantidade de filmes, anúncios, banners, spots e formatos que estão no ar, a todo o tempo, é um exagero. É natural que as pessoas criem um bloqueio em relação a isso. Ninguém consegue consumir mil campanhas de uma marca só e nem gostar de todas elas. Com isso, o dinheiro de mídia passa a valer menos”, resume Felipe Luchi, sócio e CCO da Lew’Lara\TBWA.

Campanha da Wieden+Kennedy São Paulo para Sprite: agência acredita na importância de encontrar a “voz própria” de cada marca

Para Marcos Medeiros, sócio e CCO da CP+B Brasil, esse bombardeio faz com que percamos a atenção dessa pessoa. “Uma das questões é que a maioria esmagadora das agências distribui campanhas pura e simplesmente com base no perfil de uso. Mas não é porque uma pessoa gosta de câmera fotográfica, por exemplo, que ela quer ver conteúdo sobre fabricantes e filtros a todo momento quando entra no Instagram. Você se interessar por um assunto não faz com que você queira ser impactado por ele o dia todo”, explica.

“A verdade é que a publicidade já está em todos os lugares, seja naqueles formatos que você bate o olho e já entende, seja em forma de conteúdo, onde você mal se dá conta que existe uma marca envolvida. Esse segundo tipo de campanha é muito mais empático, geralmente é o que vai te contar uma história porque tem um propósito”, pontua Luíze Tavares, relações públicas, criadora e produtora da PerifaCon (a Comic-Con das favelas).

A ideia de que a publicidade compete não apenas entre si, mas também com elementos diversos do dia a dia da sociedade, não vem de hoje. Essa percepção é levada em conta desde meados do século passado, quando o foco do trabalho para muitas marcas era a criação de jingles ou a redação de peças para outdoors. No entanto, é impossível negar o impacto das tecnologias para a intensificação desse processo. Em uma época em que usuários pagam para ter acesso a conteúdos sem publicidade, onde algo que ocorreu há dois dias já está velho, e cujos memes dominam as interações nas redes sociais, um dos caminhos que vem se mostrando eficaz para promover engajamento, pelo menos por ora, é a aposta em conteúdos que mesclem a publicidade ao entretenimento.

Nesse contexto, com pessoas cada vez mais exigentes e, ao mesmo tempo, mais dispersas, um dos grandes desafios da publicidade é gerar relevância às marcas para que elas não apenas chamem a atenção em um mundo de inúmeras possibilidades, mas que também sejam lembradas em meio a elas.

Case da CP+B Brasil mescla o hit Alma Gêmea, de Fábio Jr., com cenas da série Santa Clarita Diet; ação fez parte da estratégia de divulgação da produção original Netflix em 2017

CULTURA POP
“O que a gente busca fazer para se tornar parte da cultura pop é não parecer uma interrupção. Trabalhamos para que a publicidade venha de uma maneira mais agradável, que seja um entretenimento”, reforça Edu Lima, sócio e diretor-executivo de criação da Wieden+Kennedy São Paulo.

Medeiros também acredita que a naturalidade seja a chave para esse momento. “Há produtos que já fazem tanto parte de nosso cotidiano que vale refletir sobre a necessidade de um comercial tradicional. Não conseguiria inserir ele dentro de um contexto que traga mais relevância e não seja invasivo? A indústria da propaganda abusa demais ao interromper o consumo de entretenimento de forma agressiva”, pontua.

Para Felipe Luchi, o objetivo é tornar a propaganda uma moeda social. “É igual com música, filme e série da Netflix. Quando você senta em uma mesa com amigos, sempre vem a conversa ‘que série você está vendo?’ É legal assistir a algo e recomendar, é legal ir em uma viagem e contar como foi. E quando a propaganda é bem feita, ela se torna essa moeda. Antigamente as pessoas tinham o hábito de repetir bordões dos filmes de TV. Agora,
o compartilhar no WhatsApp é a versão atual disso”.

“Formatos integrados, tecnologia e inovação abrem espaços para novas experiências e coisas que os consumidores nunca sentiram. Eles agradecem guardando aquela marca. Depois, quando se tem um ponto de vista forte, um conceito poderoso, ele pode ser visitado de diferentes formas em diferentes plataformas, construindo uma história muito mais rica e poderosa. É a construção da mesma história de jeitos diferentes”, comenta Joanna Monteiro, diretora de criação para projetos globais da FCB.

Joanna Monteiro: conceito pode ser visitado de diversas formas

NARRATIVAS
No entanto, apesar das recomendações muito diretas, o que parece simples na teoria nem sempre é fácil de se colocar em prática. Ainda de acordo com Joanna, é preciso que essa movimentação ocorra de forma autêntica aos valores do anunciante. “É preciso muita atenção ao se apropriar de elementos que talvez não caibam a você como marca. Isso deve fazer parte de sua cultura como empresa, ou a marca pode ser considerada uma impostora, uma aproveitadora, o que a mídia social não costuma perdoar”, afirma.

Lima cita a necessidade de conhecer a fundo as marcas e produtos para transmitir essa veracidade ao consumidor. “Aqui na Wieden nos preocupamos muito em encontrar a voz da marca. Quando isso acontece, a propaganda fica muito mais verdadeira, o que acaba a tornando mais fácil de ser lembrada pelo consumidor”.

Renato Simões, também sócio e diretor-executivo de criação da Wieden+Kennedy São Paulo, complementa ainda que a agência é “bastante radical” com esse processo. “A gente não quer ter uma voz da agência, queremos que cada um dos clientes com os quais a gente trabalha tenha sua identidade. A Old Spice tem uma voz, a Sprite outra, a Nike uma diferente… isso ajuda a identificar as mensagens de cada marca, ou seja, a lembrança dela vem de maneira mais natural. O trabalho fica infinitamente mais fácil e fluido quando o cliente está aberto a coisas que nunca foram feitas antes, mas eles nem sempre chegam assim, prontos. É a gente que tem de ir conquistando esse espaço pouco a pouco”.

Marcos Medeiros: ser humano memoriza através de histórias

“Sejamos claros, a média da comunicação é ruim. A grande maioria das coisas às quais somos expostos é muito mais informativa do que entretenimento ou algo elaborado. Existe um excesso da propaganda preguiçosa. Existem marcas que não saem dos rankings das mais lembradas porque investem um caminhão de dinheiro na mídia de massa, mas tenho certeza de que esse não é o jeito mais eficiente, do ponto de vista financeiro. O ser humano memoriza coisas através de histórias, é o bom e velho storytelling”, diz ainda Medeiros. O executivo da CP+B acredita ainda no poder dos grandes insights que causem emoções variadas no público. “A pior coisa que pode acontecer é ser impactado por um conteúdo e ficar indiferente a ele. Não é fácil encontrar novas ideias, principalmente em 2019, quando muitos pontos de vista já foram exaustivamente trabalhados, mas essa é a beleza do mundo em que a gente vive. A ideia é surpreender o público, levar algum tipo de inovação”.

O inesperado também é citado pelo CCO da Lew’Lara\TBWA como estratégia de aproximação com o público. “O ser humano não gosta de coisas que façam sentido. Se você começa a controlar muito o processo, começa a ativar gatilhos muito racionais. É preciso mexer com a emoção, com o ilógico, tem de colocar uma loucura. Hoje o briefing está fora da bolha, nas redes sociais, no comportamento das pessoas. Tudo isso gera ainda mais mídia espontânea”. Para manter sua equipe global atualizada com tendências de inovação, tecnologia, entretenimento, música, comportamento moda e temas variados, a TBWA oferece a plataforma Backslash, que diariamente compartilha pílulas de conteúdo jornalístico com as agências da rede.

Luchi também fala que a busca pela repercussão orgânica de campanhas publicitárias na imprensa e nas plataformas digitais representa uma outra evolução do setor que vem se consolidando. “Antigamente o
buzz era um resultado, um substrato de uma ação bem-sucedida. Hoje, ele é a campanha, que foi modelada para impactar a cultura e ganhar relevância que extrapole formatos”.

Luíze acredita ainda que a segmentação possa ser melhor trabalhada pelo setor para que haja maior credibilidade junto ao público. “Massificar não funciona mais na comunicação: as pessoas querem conteúdos cada vez mais personalizados, uma comunicação direcionada. As marcas, empresas e agências de publicidade poderiam investir em influenciadores menores e iniciativas nichadas. As pessoas já estão acostumadas a ver o grande influenciador, que tem milhões de seguidores no Instagram, sendo levado por marcas ao exterior; quando o anunciante leva uma pessoa que nunca saiu do Brasil, a história que vai ser contada é outra. O mercado publicitário tem de abrir mais os olhos para enxergar todo o potencial que o país como um todo tem para produzir conteúdo”.

“Hoje todos têm seu espaço de fala, mas precisamos realmente ouvir o consumidor e parar de reproduzir verdades velhas, estereótipos e piadas antigas sobre eles. Esse entendimento é questão de sobrevivência para todas as áreas das agências e para os clientes”, finaliza Joanna.

Felipe Luchi: “A grande crise que a propaganda passa é a do excesso”