Psicologia de bar

 

 Em dezembro próximo passado saí de férias. Estava bastante estafado e, dessa vez, decidi literalmente não fazer nada. Não gastei energias nem para reservar tickets aéreos ou hotéis. Fiquei em casa, lendo, escrevendo e assistindo filmes na TV. É claro que aproveitei para apascentar os filhos, especialmente os dois menores. Usei o tempo livre para brincar no parque com a menorzinha e passear por pontos curiosos da metrópole com o de 13 anos.

No caso específico desse meu pré-adolescente, as saídas tiveram um motivo bem claro: eu não queria que ele ficasse entocado no quarto jogando Call of Duty o dia inteiro.

Qualquer oportunidade seria uma boa chance de arrancá-lo do intoxicado ambiente doméstico. Tirei o garoto da sala na hora do almoço pra bater um hambúrguer comigo.  Tudo bem, os pais holísticos vão querer me criticar. “Tem uma chance de fazer uma refeição sozinho com o filho e vai comer carne de animais abatidos de forma sanguinária?”

Pode ser, mamãe vegana, mas para tirar o João do fuzil AK 47 do seu game nós comeríamos até barata grelhada num mercado tailandês.

Como dizia, fomos a um bem falado burger goumet (e qual não é hoje em dia?) na esquina de casa.

Pedimos dois especiais, com carne dupla. Começamos a abatê-los animadamente quando, ao nosso lado no balcão, uma senhora cinquentona deu pra se lamuriar com o garçom:

– Falam tanto desses lanches daqui, mas, francamente, que baita decepção…

O garçom se curvava tentando ser gentil. Não adiantava.

– Olha só que porcaria, vem só uma folha de alface e ainda toda aguada.

O curioso é que continuava mastigando e reclamando cada vez mais alto. Veio o dono.

– Quer que faça outro, dona?

– Não, estou com muita pressa. Vou comer essa porcaria que custa 30 pilas e não volto mais aqui.

– Não aceitaria um churro de doce de leite? – implorou o outro sócio.

– Não como churro. Odeio.

A confusão estava feita. Ninguém mais almoçava, só havia olhos para a furibunda cliente.

A jovem caixa logo surgiu, muito vermelha, com três notas de dez na mão.

– Desculpa, senhora, aqui está o seu dinheiro de volta.

A mulher seguia irredutível.

– Não quero dinheiro de volta! Só vou acabar de comer essa joça e sair fora – bufou lançando as notas no peito da mocinha.

Foi quando apareceu no ambiente a vovó, daquelas superencurvadas.

Veio bem vagarosa de uma das mesas externas. Foi até a enfezada senhora e lhe entregou um cartão social. Depois disse, mais dócil que um quaker:

– Minha neta é psicóloga. E das boas. Liga pra ela, filha, você está precisando….

E voltou em marcha lenta para sua mesinha e sua limonada.