Desde o lançamento da TV no Brasil, no dia 18 de setembro de 1950, quando Assis Chateaubriand inaugurou a TV Tupi, a evolução do meio é notória. A Rede Globo, que chegou ao mercado 15 anos depois, ocupa neste momento o segundo lugar do ranking global das maiores emissoras, atrás apenas da americana ABC.

Nesses 70 anos de história, que começou no modelo aberto e chegou ao VOD, o que une essa linha do tempo é a publicidade. Canais fechados, apesar da receita dos assinantes, também dependem de propaganda. O streaming ainda estuda como ter publicidade no mix de receitas, mas promove spin-off, por exemplo.

De acordo com o Global Entertainment & Media Outlook da PwC, a publicidade televisiva global teve elevação de 2% em 2018, equivalente a US$ 164 bilhões, e a previsão é de crescimento de 1,5% ao ano até 2023. No Brasil, as emissoras de TV aberta e fechadas movimentam mais da metade do investimento publicitário, equivalente a R$ 134 bilhões brutos.

Momento no quanto Silvio Santos assina documento no Congresso que habilitou o SBT a ter mais concessões (Fotos: Divulgação e Alê Oliveira)

Os formatos de veiculação acompanham a história da TV. Imagine a cena: Altino João de Barros negociando o naming right do Repórter Esso com a Tupi, em 1952. O modelo já era usado no rádio, mas o então diretor de mídia da McCann-Erickson tomou a iniciativa de propor esse branded content. Sua visão estratégica mais tarde materializou o Top de 5 Segundos usado até hoje pela Globo antes do futebol. Sua ideia foi criada originalmente para a GM. Altino também participou do projeto Audi-TV, para aferir a audiência das TVs, e foi decisivo na implantação do GRP (Gross Rating Points) no país, sistema ainda em uso.

Branded content, comerciais clássicos, realities, merchandising, testemunhais, product placemant etc. são oportunidades para as marcas se relacionarem com os consumidores. Um instante, maestro!, esse era o nome do programa de rádio de Flavio Cavalcanti na Rádio Nacional, em 1952, que migrou para a TV Tupi cinco anos depois. Quando mudou para a TV Rio, Cavalcanti passou a comandar o Repórter Ducal, que tinha como patrocinador a rede de varejo de vestuário.

O ator Lima Duarte estava na inauguração da TV Tupi. Ele participou da primeira novela, Sua vida me pertence, e do primeiro programa, TV Vanguarda. Lima trabalhou por 27 anos na Tupi. E virou pop star na Globo. No início, as novelas eram ao vivo. O videotape mudou tudo. Assim como o dolby, no início dos anos 1960. E a policromia, em 1972.

Os anunciantes, porém, tiveram um dedo fundamental para o desenvolvimento das soap operas. Colgate-Palmolive e Unilever (à época Gessy Lever) produziam e exibiam nas TVs suas produções de teledramaturgia.

Boni criou conceito criativo de grade de publicidade

A transformação definitiva das novelas veio por meio do folhetim O Direito de nascer, das TVs Tupi e Rio. A Globo deu linhas definitivas às novelas. Usando, inclusive, publicidade nos remakes. Como aconteceu com Samsung em Fina Estampa. Mas clássicos do gênero, entre os quais Avenida Brasil, Pantanal, Gabriela, Escrava Isaura (Globo e Record TV), Os 10 Mandamentos, Beto Rockfeller e Saramandaia, estão na memória brasileira.

A telenovela garantiu espaço para atores do cinema e teatro. Os programas de auditório de Chacrinha, Flávio Cavalcanti, Jota Silvestre, Bolinha, Ronnie Von, Faustão, Silvio Santos, Ratinho, Luciano Huck e Raul Gil ampliaram a repercussão da música popular. A jovem guarda lançou Roberto Carlos e sua turma em programas de TV. E a bossa nova? Ficou mais nova ainda com o programa O Fino da Bossa.

Washington Olivetto, estudioso dos efeitos da cultura popular no país, relembra da canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, que ficou em 4º lugar no Festival da Record, mas na boca do público. O poeta e professor de Décio Pignatari classificou a estrutura da letra como uma “letra câmera na mão”.

Leo Batista é testemunha da história da TV no país

“Essa música cita em um trecho ‘Ela nem sabe, até pensei/Em cantar na televisão’. Caetano é um fenômeno da televisão e reconheceu isso. A TV deu voz à música popular. Grandes atrizes, como Fernanda Montenegro, ganharam mais projeção com a TV. Sabe quem inventou a palavra conteúdo? Foi a TV. Um exemplo é o Pim Pan Pum Estrela, pondera Olivetto, que fala que seu maior privilégio na vida profissional foi ter nascido vendo TV. “Nasci em 1951, um ano depois. Dois dos mais completos profissionais de comunicação do país ajudaram a construir a TV: na criação, o Boni; na área comercial, o Walter Clark. A TV, sem dúvida nenhuma, foi a grande responsável pela publicidade brasileira se tornar importante mundialmente”, acrescentou Olivetto.

O criador da W/Brasil disse que seu sucesso profissional é caudatário da TV. Ele cita que marcas como Melissa e Itaú refletem como a comunicação eficaz no meio gera conhecimento de marca. “Um dos maiores talentos da TV foi o Chico Anísio. E não posso deixar de reconhecer que a Globo ajudou muito na profissionalização da publicidade. No meu caso, muita gratidão à TV”, prosseguiu Olivetto.

Assim como o cinema, a TV tem na sua essência a imagem. E esse asset permeia o mundo das telas: celular, tablet, computador, mapping, monitores gigantes de OOH etc. “O conhecido ditado popular ‘uma imagem vale mais do que mil palavras’ se emprega na importância da televisão ao Brasil. Com autenticidade, ela deu vida e visibilidade às letras e palavras que os jornais, revistas e rádios usavam. Veio para complementar e revolucionar a comunicação em todos os sentidos. O advento da imagem também deu ainda mais credibilidade à informação. Deu mais precisão às notícias e contribuiu com o aumento de oferta de entretenimento e cultura”, destacou o apresentador e locutor Leo Batista, da Globo, testemunha ocular da história.

Olivetto credita à TV o sucesso da publicidade brasileira

Principal acionista da TV Vanguarda, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, é figura-chave na arquitetura da Rede Globo. “Nos anos 1950, eu considerava que somente a publicidade poderia tornar a televisão aquilo que ela realmente deveria ser: um grande veículo de publicidade, com responsabilidade social. A publicidade sempre foi e será a garantia de independência e liberdade. E foi fundamental para fomentar a produção nacional de televisão. O suprimento de ideias e o controle de qualidade já vinham sendo exercidos pela publicidade na programação das emissoras de rádio no Brasil. Colgate-Palmolive, Sidney Ross e Gessy-Lever criavam, orientavam e controlavam os programas que patrocinavam. Até jornalismo era criado fora, como o Repórter Esso, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. No início da televisão essa mesma linha, que predominou por quase 20 anos, foi muito importante e benéfica para o rádio e para a televisão. No fim dos anos 1960, nós, na Globo, decidimos que tínhamos capacidade de criar e produzir sem dependência das agências. E isso não foi acidental. Foi planejado pelo Comitê Executivo, composto na época pelo Walter Clark, Joe Wallach, Ulisses Arce e por mim”, detalhou Boni.

“Tem muita gente boa procurando novos caminhos. O que fará a televisão durar muito mais do que já durou? E eu, que gosto muito de música, acho que a TV brasileira poderia, nos seus 70 anos, cantar esses versos de Herivelto Martins: ‘Vou indo caminhando sem saber onde chegar, quem sabe na volta te encontre no mesmo lugar’”, acrescentou Boni.

Como um caleidoscópio, a TV abriga de tudo: desenhos, lives, cultura, polícia, política, economia, diversidade, culinária, moda, fofoca, televendas, remakes e séries. No streaming, nas TVs abertas e nas fechadas. Por exemplo, o Viva é um ‘vale a pena ver de novo’ do Grupo Globo na TV paga. Quer assistir Perdidos no Espaço? Melhor se ligar na programação da Rede Brasil. O diretor-comercial Ronan Santiago fala que o canal atrai anunciantes, mas considera a TV aberta algo especial.

A Band tem projetos como programas policiais, entre os quais o de José Luiz Datena

“É a grande vedete da comunicação mesmo porque a TV por assinatura é cara e no último ano perdeu quase 2 milhões de assinantes, caindo de 18 milhões para 16 milhões. Por outro lado, a TV aberta é gratuita, digital e tem a maioria da população assistindo (cerca de 170 milhões)”, observou Santiago.

TRANSFORMAÇÃO
As facilidades atuais levaram o monitor de tubo pesado, que exigia antenas potentes para capturar o sinal, para a palma da mão das pessoas. Em 2020, o impacto das TVs na vida das pessoas ficou mais sólido. Levantamento da Kantar Thermometer revelou que o consumo de vídeo na pandemia foi de 7 horas e 54 minutos na apuração feita em abril.

“A TV brasileira é referência no mundo. Muitas emissoras ganham prêmios internacionais com frequência. Inúmeros conteúdos televisivos também são exportados para o restante do mundo. O meio vem se adaptando ao longo dos tempos, se reinventando para se adaptar às muitas mudanças que vêm ocorrendo na nossa indústria, principalmente, nos últimos anos com o crescimento expressivo da penetração do digital. O público reage de forma automática e notamos os resultados em números, matérias infinitas na imprensa e tuítes e impressões sobre os assuntos reverberam nos canais digitais. A exemplo da última edição do Big Brother Brasil, do Oscar, do Carnaval, de determinados jogos de futebol e, claro, da excelente cobertura da pandemia e seus impactos, tanto na vida das pessoas como em todas as atividades econômicas”, explicou a executiva Luciana Schwartz, vice-presidente de mídia da agência VML e coordenadora do Mídia Dados.

Com 88% de penetração, as TVs têm no seu encalço os canais digitais. Mas, apesar da concorrência, todos estão atentos às mudanças. O SBT, por exemplo, tem cerca de 77 milhões de inscritos no YouTube e mais de 46 bilhões de views. Mas não podem se descuidar.

“As TVs precisam se tornar cada vez mais programáticas e performáticas. Também precisam continuar a adotar novas tecnologias e formatos de comercialização, em alinhamento com a evolução dos canais digitais, a fim de serem competitivas comercialmente. E trazendo segurança de resultados, com métricas que possibilitem a aferição de CPA (custo por aquisição) e ainda o ROI da campanha, com monitoramentos diários comprovando os resultados aos anunciantes e profissionais de mídia. Assim é possível o aperfeiçoamento em tempo real na mídia e rentabilizar os resultados”, finalizou Luciana.

Luciana Schwartz vê evolução e transformação no meio