Publicidade e percepção
“Por um país cada vez mais burro!”. Foi nesse tom que o colunista Marcio Erlich abriu sua postagem no Facebook sobre a ação promocional da Bis, que “premia” estudantes com uma caixa de chocolate a cada matéria em que reprove. Seguiram-se dezenas de comentários, alguns no melhor padrão de radicalismo, típico das redes sociais, inclusive com a presença do indefectível “lixo!”.
Nota publicada na seção Curtas do PROPMARK de 17 de fevereiro explica que “Biz fez a ação Bombou Ganhou para aliviar a tensão de quem reprovou em alguma matéria, pegou DP (dependência) e ficará longe da antiga turma”.
Confesso que embalado pela postagem, tendi a aderir ao “protesto” (inclusive comentei “Gente, tá difícil…”). Dias depois, conversando sobre o assunto, escutei da mãe de dois ex-estudantes, hoje brilhantes profissionais, “nossa, como vocês são mal-humorados”.
Então, fiquei pensando no quanto o processo de retrocesso cultural, instalado no país com a eleição de Bolsonaro, estará nos condicionando a um permanente estado de alerta contra tudo o que tenha potencial de contribuir com o “ideário” do presidente.
E tendemos a reagir no melhor estilo “atira, depois pergunta”. Estivéssemos vivendo num outro ambiente político, talvez a campanha do Bis fosse encarada apenas como mais uma galhofa criativa, típica da publicidade para adolescentes.
Outra campanha que causou em fevereiro foi a da Uber. Com um leque de discussões mais amplo, que foi desde questionamentos técnicos, como o de achar que conceitos excludentes (mesmo que politicamente corretos) são um tiro no pé de qualquer marca, até atribuir a puro oportunismo o posicionamento da Uber, inclusive porque, na prática, o serviço de transporte não seria nada exemplar, considerando as frequentes denúncias de homofobia, racismo e assédio envolvendo motoristas que trabalham sob sua bandeira. Uma campanha, enfim, que afirma com todas as letras que “se você não respeita dois homens se beijando, a Uber não é para você” não nasceu para passar desapercebida nem parecer neutra. Em sua defesa, tenho dito que acho ótimo quando uma marca assume um posicionamento cristalino, mesmo com todos os riscos.
Ainda que o pregado não seja exatamente o praticado nesse momento, fica claro o objetivo perene. Revelado, inclusive, no fato
de ser a única empresa a se candidatar ao patrocínio das ciclovias de São Paulo (não seria contraditório uma empresa de transportes patrocinar a viabilidade de um meio de transporte alternativo?). Pois é… É nesses momentos, em que discurso e iniciativa andam juntos, que se compõe um padrão de comunicação crível.
No caso da Uber, como importante contribuição para o avanço da convivência civilizada. Sem falar que é ótimo que possamos contar com quem banque mensagens com esse poder de sensibilização positiva, em contraponto ao bombardeio de estupidez e sandices da comunicação oficial.
Eu não poderia, aliás, encerrar essa coluna sem prestar minha solidariedade à jornalista Patrícia Campos Mello, repórter da Folha de S.Paulo, vítima de baixeza intolerável, mas sinistramente absorvida neste momento patético do Brasil.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)