Publicidade e tecnologia unidas em Innovation

 

O Cannes Lions criou em 2013 a área de Innovation para premiar peças que empreguem a tecnologia de forma inovadora para conectar marcas e consumidores. O evento já havia reconhecido no ano passado peças que utilizaram soluções tecnológicas para marcas, caso da pulseira construída pela norte-americana R/GA para a Nike, e o “carro invisível” da alemã Jung von Matt/Elbe para a Mercedes-Benz. O jurado brasileiro da área é Francisco Saboya, economista especializado em gestão de inovação. CEO da Porto Digital, parque tecnológico fundado em 2000 no Recife com indústrias focadas em software e em economia criativa, ele diz que é natural que o maior festival de criatividade do mundo passe a reconhecer a tecnologia, elemento fundamental da economia contemporânea. “Nos próximos 30 anos, a tecnologia será determinante e estruturante para todas as atividades”, diz.

CANNES
“Como curioso, acompanhava o festival, que nos interessa de forma indireta. Considerando que trabalhamos com certas plataformas de criação e que a publicidade é cada vez mais vinculada aos parques tecnológicos – há animações em 3D, publicidade utilizando arquétipos, arquitetura de game –, é claro que nos conectamos a esse universo. Temos aqui empresas nacionais e multinacionais que constroem e oferecem soluções para grandes marcas. Uma delas é a Ogilvy, que não costuma ter soluções descentralizadas e possui uma grande estrutura em Recife há três anos. Há, na Porto Digital, uma grande atenção para o universo da propaganda e da publicidade, mas, do ponto de vista técnico, olhamos enquanto pessoas que trabalham em um ambiente de desenvolvimento de soluções tecnológicas que possam alavancar outros segmentos econômicos. Somos muito fortes em saúde, inteligência artificial, games e, nessas condições, buscamos dar suporte à área de propaganda. Por isso, há várias empresas aqui trabalhando com criação de artefatos para agências de publicidade.”

PREPARAÇÃO
“A proposta do Innovation Lions é como, por meio da tecnologia, conectar melhor marcas e clientes. Eu tenho assistido a comerciais vencedores das últimas edições. Esse é um trabalho que irá me ocupar pelos próximos dois meses. E que irá me ajudar a mergulhar nesse universo e ver quais perspectivas novas eu poderia adicionar ao que me parece usual ao universo da propaganda. Teremos prova de conceito e, como jurado, precisarei olhar um comercial e ficar atento para entender quais tecnologias estão por trás da solução. Há vários ângulos para os quais poderemos olhar para compreender quão inventiva uma solução é. É algo diferente para outros públicos, como o criativo, que busca uma fórmula que permita nova experiência de relacionamento entre o cliente e a marca. Disso cuidam os publicitários – eles não cuidam de tecnologia, que é um meio. A inovação pode vir de uma nova plataforma ou de uma simples ferramenta que habilite novos tipos de engajamento entre consumidor e produto. Um dos exercícios que faço é questionar: ‘Se essa categoria existisse anos atrás, que comerciais me chamariam a atenção?’ É dessa forma que estou me preparando.”

PORTO DIGITAL
“A Porto se dedica, de forma acadêmica e prática, à tecnologia. Temos 230 empresas, 7 mil pessoas trabalhando aqui e faturamento superior a R$ 1 bilhão registrado em 2012. As companhias dentro da Porto estão focadas em economia criativa e em digital, desde o ano 2000, quando ela foi fundada. Começamos trabalhando só com tecnologia da informação, com software em especial, e, há dois anos, expandimos nossas atividades. Agora estamos fortemente ligados à economia criativa. Temos um parque tecnológico para desenvolvimento de negócios inovadores nessas duas áreas. Porém, como economia criativa é um negócio muito amplo, restringimos a projetos de seis áreas: games, multimídia, audiovisual e animação, música, fotografia e design. Essas são as que – dentro das cerca de 30 áreas que compõem a economia criativa – mais fortemente demandam tecnologia da informação de forma estruturante. São áreas que a Porto suporta e estamos obtendo bons resultados, na medida em que há empresas apostando nelas também.”

BORDEAUX DO SOFTWARE
“Conquistamos no INPI (Instituto Nacional de Proteção Intelectual) registro na condição de indicação de procedência no final do ano passado. Essa é uma indicação geográfica, assim como Bordeaux, na França, para o vinho. Somos a ‘Bordeaux do software’. O selo é um mecanismo de proteção da propriedade coletiva e do lugar, que está associada à terra, aos aspectos naturais onde o homem consegue fazer algo. Porém, a economia deixou de ser primária para ser economia de serviço. Agora, a Porto Digital é reconhecida como a única região demarcada na área de serviços do mundo. Nosso questionamento era: por que não reconhecer um lugar como o nosso, que consegue desenvolver um tipo de produto chamado software, com padrão de atributos metricamente mensuráveis, por meio de políticas privadas? Passamos quatro anos no INPI defendendo isso e, depois de todo o processo do instituto, extremamente rigoroso e cético, obtivemos o selo.”

ESCOLHA
“Houve contatos intermediados pelo jornal O Estado de S. Paulo, representante oficial do festival no Brasil. O entendimento é que, por ser uma área de tecnologia, lançaríamos um olhar complementar de inovação. Acredito que tenha sido essa a motivação para o convite da Porto Digital para compor o júri de Innovation. Das empresas que estão na Porto, 65% vêm de fora do Estado de Pernambuco. Esse ambiente tem gerado negócios inovadores. Penso que esse cenário deu uma certa segurança para a organização do Cannes Lions quando considerou quem, do Brasil, podia incorporar um olhar mais fundo sobre inovação tecnológica e adicionar percepção à propaganda.”

TECNOLOGIA BRASILEIRA
“O grande atraso do Brasil é o fato de termos negligenciado as engenharias. Por mais que valorizemos as ciências humanas, um país não se desenvolve sem valorizar as exatas. Estamos migrando de uma sociedade industrial, e o trinômio mão de obra barata, matéria-prima e energia vem sendo suplantado pelo contexto da sociedade da informação e do conhecimento. O que é fruto da criatividade que concede singularidade a um produto. Se há algo que diferencia uma agência das outras é sua capacidade de criar originalmente. Esse é um princípio dos novos tempos. A sociedade está disposta a pagar pelo não funcional, pela criatividade e pelo original. Isso não havia no passado, quando tínhamos como foco a escala de produção.”

VALOR DA CRIATIVIDADE
“Hoje você tem empresas com quantidade relativamente baixa de consumo de matéria-prima, mas retorno altíssimo, porque cobram pela criação. O mercado percebe isso. Começamos a valorizar e a pagar mais por componentes que não são apenas funcionais, a pagar pela percepção subjetiva da forma, por algo que, esteticamente, percebemos melhor. Essa é a característica dos novos tempos. Há dois anos, a indústria clássica e secular, que é a automobilística, observou essa mudança. Houve uma montadora chamada Kia, que lançou o carro Soul, cujo valor estava no design. Ela não vendeu luxo ou poder do motor, apenas dizia: é um carro lindo. É a evidência de como a indústria mais tradicional de todas, a mais emblemática do mundo industrial, cedeu aos novos tempos. O trinômio industrial perdeu espaço para o conhecimento, que comporta o talento. Portanto, não se faz mais a conta do que é mais barato, mas do que é mais qualificado, de quem vai gerar mais, de quem tenha percepção singular. Hoje, essa indústria busca no design essa diferenciação. Na indústria supermoderna de computadores, temos que falar da Apple. Ela é a indústria emblemática dos novos tempos. É uma companhia de artefatos, mas que, desde sempre, da concepção de uma carcaça à da embalagem, prima pela inovação do ponto de vista da forma. Ela vem da Califórnia (EUA), onde nasceram os beatniks, a terra do cinema, do LSD e da exatidão da engenharia. É uma terra de transgressores. É onde a Apple tinha mesmo que surgir.”

QUESTIONAMENTOS
“O festival criou uma área sobre um tema que, da mesma forma que é tão importante para as demais atividades, não poderia deixar de ser importante também para a própria propaganda. Nos próximos 30 anos, a tecnologia será determinante e estruturante para todas as atividades. Não se pode falar de medicina sem conhecimento sobre as novas tecnologias. Não se pode falar do caos que se transformaram as cidades sem falar de como as informações circulam nas metrópoles e de como fazer as pessoas circularem menos. Hoje é a informação que deve se deslocar, e não há possibilidade [de desenvolvimento] sem pensar em tecnologias disruptivas, as que vão conformar o mundo novo. Se elas têm esse papel, é claro que a propaganda precisa flertar com isso. Ela não é uma ilha à parte. O Innovation Lions é uma área para que a indústria enxergue a necessidade da tecnologia de informação. Precisamos pensar em convergência, microeletrônica, telecomunicações, física de materiais, computação, software. São essas as tecnologias disruptivas para o mundo em vários pontos, inclusive para a indústria da comunicação. A propaganda não está isolada, ela é uma atividade econômica fundamental para o mercado. É muito acertado do festival. Todas aquelas disciplinas da tecnologia ordenam-se e estão transformando o mundo, virando-o de cabeça para baixo.”