Publicidade ganha novo significado, mas mantém sua cultura disruptiva
Negócio que movimenta globalmente cerca de US$ 1 trilhão por ano, de acordo com a WFA (World Federation of Advertisers), a propaganda tem dia para ser celebrada. A data de 4 de dezembro é controversa, mas no Brasil há 70 anos ela faz parte do calendário. É uma atividade que, nas palavras do publicitário Sergio Valente (que fica na TV Globo até dezembro), movimenta todas as outras indústrias. E é didática, como lembra Luiz Lara, chairman da Lew’Lara\TBWA. “Quem ensinou o mercado a usar fraldas descartáveis? E absorventes femininos?”, pergunta Lara.
Alguns fenômenos culturais da sociedade têm o dedo da publicidade. Por exemplo: foi a publicidade que desenvolveu o Papai Noel como conhecemos hoje por meio da Coca-Cola. Apesar de o Natal ser anterior ao Cristianismo, como esclarece o historiador Pedro Paulo Funari, professor de história e arqueologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em entrevista ao portal Terra. São 100 anos da Coca-Cola com o personagem desenvolvido pelo ilustrador Haddon Sundblom a pedido de Archie Lee, da D’Arcy. O resultado foi esse sujeito com ar bonachão e amado pela criançada. E seniors!
O que une o passado ao presente? A inquietação para traduzir problemas mercadológicos em ações de comunicação capazes de conectar marcas às pessoas. O molde muda, mas o objetivo é perene. Esse olhar disruptivo ficou evidente em 2020. Quando a reinvenção foi no braço, sem planejamento. E rápida, uma característica da publicidade. As campanhas de Oliviero Toscani para a Benetton foram polêmicas, mas sua linguagem se tornou benchmark pela ousadia do discurso da diversidade, por exemplo. Vem pra Rua, criação da Leo Burnett Tailor Made para a Fiat, ganhou projeção em manifestações sociais no Brasil. The Hire, da Fallon para a BMW, foi divisora de águas no uso da internet como canal em 2001. A marca investiu na produção de comerciais com 10 minutos de duração dirigidos por nomes como Alejandro González Inárritu. O fime The Follow, estrelado por Madonna, foi dirigido pelo então seu marido Guy Ritchie. Essa campanha foi responsável pela criação da área Titanium do Cannes Lions.
Dados, disrupção, diversidade e digital foram o legado de 2020. A publicidade reinicia seu hard disk. E mindset. Mesmo com perdas financeiras, ela articula o novo posicionamento das marcas. “Tivemos de ressignificar tudo, nos reprogramar, reorganizar. Nesse movimento, aproveitamos também para analisar o que podia ser melhorado, o que não fazia mais sentido e o que estava faltando, seja na gestão da operação, em talentos e em termos de ferramentas. Isso, sem dúvida, acabou gerando uma melhoria em muitos sentidos, seja em processos ou em entregas, dando mais agilidade e eficiência para a maioria das áreas na agência”, ressalta Karina Ribeiro, CMO da Ogilvy.
“A alma da propaganda é essa coisa abstrata que nos move. Que nos faz levar informação, entretenimento e emoção para as pessoas. Que vende, ajudando a economia girar. Que educa, que levanta bandeiras, que ajuda a corrigir injustiças”, frisa Sylvia Panico, COO global da David.
“Ressignificou, e muito, a resposta do campo ficou imediata, os testes de campanha agora são diários, acontecem a cada dado de comportamento de performance, a cada comentário nas redes sociais. Efetividade é palavra de ordem e todas as áreas da agência começam a se entender como parte do resultado positivo ou negativo de uma peça ou campanha. O trabalho das agências está em constante avaliação, pode parecer opressor, mas na verdade isso também traz a possibilidade de melhoria constante, nada está mais ‘escrito em pedra’”, observam Paula Queiroz e Tatiana Pacheco, respectivamente head de planejamento e manager director da Cheil.
Na avaliação de Ricardo Calfat, sócio e VP de operações da REF+, este ano foi desafiador para a propaganda. “O marco da ressignificação foi a forma como cada anunciante buscou transmitir seus valores. Os propósitos das marcas, alguns muito abstratos, foram desafiados e ganharam corpo no momento em que a sociedade mais precisava”, diz.
A pandemia acelerou a necessidade do comércio eletrônico e do home office. Marcia Esteves, CEO da Lew’Lara\TBWA, enfatiza ainda o apoio das marcas às causas. “Elas assumiram um papel muito além de produtos e serviços. Com todos em casa, as telas se tornaram o “único” meio de comunicação com o mundo exterior e a conexão de marcas com pessoas só foi possível através de propaganda e e-commerce. As marcas precisaram recorrer a novos formatos e canais, de forma precisa, estratégica e criativa”, elenca Marcia.
“Como podemos mudar tão rápido quanto as transformações em nossa volta?”, pergunta Pipo Calazans, CEO da SunsetDDB. Ele mesmo responde: “Os dados nos permitem trazer insights potentes, nos ajudam a entender as pessoas, a maneira como pensam e agem. Mostram como são suas percepções sobre o mundo e a sua relação com as categorias e as marcas. Já a criatividade é capaz de mover pessoas, seus pensamentos e ações, gerando maior importância para os nossos clientes na vida dos consumidores.”
Linha de raciocínio similar tem a executiva Camila Costa, sócia e CEO da ID\TBWA. “Podemos encarar o ano como uma fortaleza; como uma aceleração da transformação que o mercado está passando, contanto que ‘na retomada’, no próximo ano, todos sigam evoluindo sem se deixar acomodar novamente ao status quo. A grande disrupção ocorreu no comportamento humano e na cultura social que acabam por impactar no todo”, ela esclarece.
O asset criatividade é legado de 2020 nas palavras de Marcelo Reis, co-CEO da Leo Burnett Tailor Made. “A volta às origens do nosso business: o olhar humano, a relevância e a criatividade original e socialmente responsável. 2020 aproximou ainda mais a agência dos clientes e reavivou o valor basal da parceira: confiança.”
Se não houve crescimento financeiro, Geraldo Rocha Azevedo, CEO da Execution, vê elevação em competência e qualidade. “Ficamos mais preparados para os novos tempos.” Já para Agatha Kim, diretora-executiva de estratégia da BETC Havas, a propaganda se adaptou ao ambiente incerto. “Relevância em levantar temas pertinentes para a sociedade, influenciar comportamentos de cuidado e saúde, e reforçar a relevância de marcas confiáveis.”
Os dados disponíveis ajudaram as agências a desembarcar do mundo das hipóteses. O olhar é de Miriam Shirley, CEO da Sapient AG2. “Em um ano em que o entretenimento foi basicamente virtual, fizemos para Trident uma série de ações baseadas em dados. Inteligência de dados, inteligência artificial, consultoria, performance”. Esses itens já estavam no radar da Publicis Brasil, mas o bit ficou mais acelerado de acordo com Gabriela Borges, head de atendimento da agência. “O que a pandemia fez foi acelerar todo esse processo de transformação digital que já estávamos vivendo e torná-lo ainda mais latente. A cultura digital nunca foi tão fomentada. E esse é um caminho sem volta.”
Como a surpresa de 2020 se transformou em fortaleza para a propaganda, da criatividade à gestão? Quem responde é Renata d’Ávila, CSO da FCB: “Fomos ‘jogados’ em um cenário para o qual não havia ensaio ou regras, e isso é muito poderoso para nos fazer questionar padrões, testar possibilidades e acelerar ou concretizar mudanças.”
“A alma da propaganda em sua nova era são as pessoas. O que move essa nova era é uma comunicação feita de pessoas para pessoas”, defende Juliana Lima, diretora de comunicação efetiva da Jüssi. Carol Escorel, diretora-geral de negócios e operações da Talent Marcel, vê como benéfica a ressignificação da propaganda em 2020. “Como os avanços dos algoritmos, a granularidade de mídia digital, a alta segmentação e a profunda mudança de comportamento e papel do consumidor”. Kevin Zung, COO da WMcCann, finaliza: “A mensuração de resultados de forma tão exacerbada mostra que a propaganda é e continua sendo a alma do negócio.”