"Ativação prova o discurso da marca"

 

Jurado de Radio Lions em 2006 e de Titanium & Integrated no ano passado, Mario D’Andrea, sócio e CCO da Fischer & Friends, irá para seu terceiro júri no Cannes Lions, agora em Promo & Activation. E desta vez espera encontrar ainda mais rigor em seu trabalho, já que o festival, em sua 60ª edição, deverá conceder Leões apenas aos trabalhos mais relevantes. Nesta entrevista, o criativo fala da importância do festival, aponta cases que considera favoritos e explica o possível motivo para o Brasil ser representado na área, pelo segundo ano seguido, por um profissional vindo da propaganda tradicional. “As pessoas lembram de promoção, mas esquecem que a grande vedete da área é a ativação”.

Jurado de Promo
“O pessoal parece não entender bem o que significa a categoria, que é relativamente nova e que tem despertado o interesse das agências brasileiras. Se formos fundo, dá para entender porque temos tanta gente de propaganda no júri desta área. No caso do Brasil, pelo segundo ano consecutivo (em 2012, o jurado brasileiro foi Anselmo Ramos, vice-presidente nacional de criação da Ogilvy & Mather). Primeiro porque chama-se Promo & Activation. E as pessoas lembram muito a primeira parte do nome e esquecem da segunda: ativação, que é a grande vedete da área. Ativação é tudo aquilo que você faz para ativar a marca em relação aos consumidores, o que já a coloca muito acima da simples promoção. E é o que representa o grosso das inscrições. Se olhar os premiados do ano passado, a imensa maioria é de cases de ativação. Claro que há promoções muito legais que ganham, até porque existem subcategorias para trabalhos puramente promocionais. Mas mesmo entre as subcategorias, a maior parte fala em ativação, ou seja, como concretizar o discurso da marca, como ela realiza o que promete na vida real. E isso pode ser na porta do ponto de venda, na gôndola do supermercado, em uma praça, dentro do cinema. Grandes ações que a gente vê pela internet e fica passando para os amigos, postando nas redes sociais, são trabalhos de ativação.”

 

 

Agências de publicidade
“As agências oriundas da publicidade tradicional, pelo menos no Brasil, estão conquistando mais Leões na área do que as agências de marketing promocional, exatamente porque começaram a entender, independentemente de Cannes, o quão importante é a ativação da marca para o cliente. E esse discurso tem ganhado cada vez mais força. A partir do momento que uma ação que você fez em uma praça atingiu 50, 100 pessoas no local, mas na internet teve milhões de views, aquela ativação passou a ter um valor para a construção da marca muito maior do que há alguns anos.”

Redes sociais
“Existe o antes e o depois da web – ou melhor, o antes e o depois da rede social. Uma ativação hoje nem é pensada para quem passa na rua naquele momento, mas sim por meio de seus consumidores, passar o discurso para quem está em casa, em frente ao consumidor. E você, como consumidor, se identifica com aquelas pessoas do vídeo. Quando você vê alguém se emocionar, tomar um susto ou rir em uma praça durante uma ativação de marca, você tem a mesma sensação do outro lado da tela do computador. Os americanos e ingleses, principalmente os ingleses, já descobriram isso há muitos anos. A T-Mobile, que é alemã, vem construindo sua marca basicamente com ativação na rua. Lembro de um trabalho deles, há quatro anos, em uma estação de trem de Liverpool, onde colocaram várias pessoas dançando no local. E as pessoas que passavam por lá filmavam e mandavam aos amigos, via celular. E era exatamente o discurso da marca: “Life’s for sharing” (“A vida é para compartilhar”). Depois eles fizeram aquele imenso videokê em uma praça central de Londres (na Trafalgar Square, com mais de 13 mil pessoas cantando “Hey Jude”, dos Beatles), todos com microfone e um imenso telão filmando. No meio da ação até aparece a Pink para cantar com eles. Então ativação não é exclusivo para agências de promoção, mas sim para qualquer uma que constrói marcas. É por isso que as agências de propaganda têm feito cada vez mais, a área ganhou relevância em Cannes e essas agências, que sempre estiveram no festival, passaram a ganhar mais do que as empresas de marketing promocional.”

Sem replay
“Essas grandes ações têm o lado bom e o lado ruim. O bom é que há mais agilidade e pode ser feito com menos infraestrutura e, em consequência, a custos menores do que uma grande produção para a televisão. Por outro lado, você tem aquele momento e aquele dia para executar a ação. Tudo tem que estar muito bem planejado. E tem que existir a certeza de que a ideia vai dar certo e funcionar, porque não existe replay. Você conta com reações de pessoas que não são atores, não são roteirizadas como em um comercial. A reação é espontânea e pode não ser aquela que você quer. Mas quando a ideia é boa e, repito, bem-planejada, costuma dar certo e traz mais relevância ao trabalho. Como disse, é o discurso da marca sendo levado ao consumidor de forma verdadeira.”

Leão de Promo
“Olhando os cases vencedores do ano passado dá para imaginar a característica dos grandes premiados da área. O GP foi aquele trabalho da Amex (“Pequenos negócios ganham um dia”, criado pela Crispin Porter + Bogusky), que é uma mistura de promoção, pois foi criada uma data promocional, com uma ativação de marca. Criar um dia promocional para o pequeno comerciante prova o discurso da marca Amex, que é ajudar a ser uma ferramenta ao pequeno e médio empresário. E, apesar de ter durado um dia, teve uma estrutura por trás que demandou meses de trabalho. Pegue como exemplo um trabalho brasileiro vencedor, o “Chuveiro de Sprite” (criado pela Ogilvy). Aquilo é espetacular. Não faço ideia quantos dias aquilo ficou na praia, mas se foi um único dia, já deu. Porque a reação das pessoas é muito espontânea. E para quem conhece o que a marca promete, que é a refrescância, vê que tem todo o sentido. Quando você está na praia torrando é ideal ter um chuveiro daquele tamanho jogando água na sua cabeça. E um chuveiro no formato de uma máquina de Sprite tem tudo a ver com a marca. E a boa ativação não precisa de explicação. Você olha e como consumidor logo vê que lá está o discurso da marca. Essa é a boa ideia para ganhar Leão. Além de provocar uma inveja natural no jurado, que queria ter feito aquele trabalho.”

2013
“Estou começando a pedir para as pessoas me enviarem seus trabalhos. Um bom trabalho do país que me lembro de cabeça é este criado pela Ogilvy para Dove, “Retratos da real beleza”. Ele retoma o discurso da marca que, para mim, de um tempo para cá tinha se perdido. A história da real beleza feminina estava sendo diluída nos lançamentos de produtos. E volta com força agora, marcando seu território. Você vê o vídeo e nota que aquilo só poderia ser mesmo de Dove. Tem também um trabalho de fora que, para mim, é impressionante. E nem é tão de fora assim, porque é de uma agência de um brasileiro – a Pereira & O’Dell, do PJ Pereira (agência sediada em São Francisco, que faz parte do brasileiro Grupo ABC, de Nizan Guanaes). É uma série que eles criaram para a Intel chamada “The Beauty Inside” (“A Beleza Interior”), para a internet, que é linda, espetacularmente escrita, bem-dirigida, uma produção impecável e com ótimos atores. A história é muito simples: é um cara que todo dia acorda em um corpo diferente. A alma, pensamento, emoção e sentimentos dessa pessoa são sempre as mesmas, só muda o corpo. Um dia acorda um senhor, outro um jovem, uma mulher. E até aí ele vai levando bem a vida. Mas um dia se apaixona e tudo fica mais complicado. Como vai manter uma relação sendo um corpo diferente a cada dia? O objetivo é mostrar que, apesar disso, ele é o mesmo cara. Além da beleza da peça em si, quando eu vi, aquilo me explicou o que é a Intel em dois minutos. Você prova o discurso da marca, onde a Intel é a alma do computador. Pois se o processador não for bom, o computador também não será. E além disso o trabalho convidava os consumidores a mandarem seus vídeos na pele do cara, atuando como se fosse ele. A série teve mais de 70 milhões de views. E contou com a participação das pessoas. Tudo amarrado, tudo muito bem-feito. Para mim, se estiver lá, merece Leão.”

Terceiro júri
“A única diferença é que acho que a barra estará lá em cima. O próprio presidente do júri, creio, deverá pedir para premiarmos realmente apenas os trabalhos mais relevantes. Não que das outras vezes que participei como jurado em Cannes não tenha sido assim. Mas é um próprio pedido do Philip Thomas (CEO do Cannes Lions), que esta seja a melhor edição já ocorrida do festival, por ser a sua 60ª edição.”

Países
“A Inglaterra e os Estados Unidos devem ir muito bem. Principalmente a Inglaterra, que há anos investe em belas ações de ativação. Mas nos últimos anos já apareceram coisas legais de outros países. Como aquele case para a TNT, da Bélgica (“Push to add drama”, da Duval Guillaume Modem), que é espetacular. Tivemos coisa boa até da Romênia, recentemente, que foi o case do chocolate (“American Rom”, GP em Promo e Direct no Cannes Lions 2011). Enfim, sempre há bons trabalhos de diversos países, pois o Promo Lions é onde estão os cases reais, que mostram aquilo que uma marca não pode inventar sobre ela. Um bom comercial pode maquiar alguma coisa. Uma boa ativação, não. Ela traduz o DNA da marca.”

Brasil
“A língua, por exemplo, no caso de Promo, não interfere tanto. Não chega a ser uma barreira como no rádio ou na TV, onde a tradução para o inglês tem que ser impecável. O que mais nos atrapalha é que nós somos um bicho esquisito. A cultura brasileira não é parecida com nenhuma. Nós não somos latino-americanos de verdade. Todos os outros países da região são diferentes de nós. Gostamos de coisas que ninguém entende. Temos um sarcasmo diferente. Somos, às vezes, mais escrachados do que o normal. E isso não rola lá fora. O próprio jeito que lidamos com as mídias é diferente. Internet, por exemplo, para nós, é basicamente rede social. A web é uma mesa de bar. Por isso muitas vezes vamos com cases estrondosos para fora e não ganhamos. Digo cases que ganharam tudo por aqui e fizeram barulho entre os consumidores. Havaianas, por exemplo, que para mim é um dos trabalhos mais espetaculares do país, ninguém entende lá fora. Creio que a Almap nem inscreve. E está aí, há 20 anos, com um filme mais legal do que o outro na TV. Lá fora só ganha mídia impressa, que é uma linguagem universal.”

Importância de Cannes
“A gente inscreve muito em Cannes, o que justifica a grande quantidade de prêmios. Mas tem que inscrever, mesmo. O mercado brasileiro entendeu a importância de Cannes como vitrine para o mundo. Muitas agências nacionais têm hoje um faturamento representativo com trabalhos feitos para fora. E isso foi conquistado também graças ao festival. As agências de fora começaram a olhar para cá. Hoje nenhum anunciante sai com uma grande campanha global sem colocar o Brasil no jogo. Até por sermos esse bicho diferente. Cannes não é um festival, apenas. É a grande feira da comunicação mundial.”