"Não somos um país criativo"

Um dos pioneiros da internet no Brasil, escritor e professor da Escola de Negócios da PUC-Rio, Jack London passou os últimos dois anos dedicado a escrever o livro “O Mundo real vai acabar amanhã” (Editora Imago), lançado na semana passada, sobre tecnologia e comportamento. Suas fontes foram cerca de 45 livros sobre o tema, lidos entre 2013 e 2014. London – que fundou a Booknet, primeira livraria virtual do Brasil (depois comprada pelo Submarino.com) e a empresa de comercialização de ingressos online Tix – integrou as equipes de projetos de empresas como Google e Ideiasnet, e foi o primeiro presidente da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. “A era digital como conhecemos hoje está com seus dias contados”, diz. A seguir, trechos da entrevista feita pelo propmark com o executivo.

Aceleração

“Sim, o mundo real vai acabar. Não é um processo que se iniciou hoje e o amanhã pode ser um tempo mais ou menos visível. Se você dissesse ao seu avô que seu trabalho é ficar o dia inteiro sentado em frente a uma tela, o que ele diria? Não há arados, não há teares, não há elementos físicos prevalentes em seu trabalho? O que ele não poderia entender é que já vivemos, em certa medida, num ambiente de simulação do real. O que vem pela frente é uma aceleração brutal deste processo. Veja recentíssima entrevista de Mark Zuckerberg (o todo-poderoso do Facebook), onde ele reconhece esta realidade, sugere a obsolescência da atual internet e garante que o futuro será a imersão de todas estas tecnologias nos ambientes de Simulação do Real.”

Simulação do real

“A hipótese da Simulação do Real foi primeiramente discutida na década de 1960 por um cientista e um filósofo: Hans Moravec e Nick Bostrom, respectivamente. Afirmaram os dois que um dia, com determinada quantidade de tecnologia avançada, seria possível representar toda a superfície povoada da Terra, criando uma nova qualidade de existência, a consciência simulada absoluta. David Deutsch, físico de Harvard, em seu livro de 1997, ‘O Tecido da Realidade’, vai muito além: cria uma palavra nova, ‘Cantgotu’, acróstico que soma as primeiras letras dos nomes dos físicos Cantor, Gödel e Turing. Segundo ele, a soma dos conhecimentos acumulados por eles nos permite imaginar em breve um sistema de ‘Simulação Absoluta’. Será um sistema onde um único objeto de conexão planetária conectará todos os instrumentos de ‘realidade virtual’. Deutsch termina sua tese citando o que ele chama de Princípio de Turing: é possível construir um grande gerador de simulação, cujo repertório inclua todos os meio ambientes fisicamente possíveis e no qual viveremos em um ‘contramundo’. Será o novo espaço do comércio eletrônico: lojas simuladas onde você entra e faz suas compras como no antigo ‘mundo real’, universidades perfeitamente simuladas para superar a capacidade de ensinar do antigo ‘mundo real’ e por aí vai.”

Acesso às tecnologias

“O acesso às tecnologias de comunicação sempre foi limitado, em toda a história da humanidade. Quando criamos as primeiras formas de escrita, há mais ou menos cinco mil anos, só os escribas, uma pequeníssima elite, tinham acesso a este saber. Na Europa, poucos anos antes de Gutemberg criar seu Prelo Móvel, entre milhões de europeus, apenas 25 mil pessoas sabiam ler, notadamente padres e monges que guardavam os tesouros das culturas gregas e romanas. Há pouco mais de 500 anos, 99% dos europeus eram analfabetos. No Brasil, infelizmente, a situação é trágica: mais de 65% da população adulta é composta de analfabetos e analfabetos funcionais, ou seja, a leitura tradicional, a dos livros, da letra impressa, para uma grande maioria de brasileiros, jamais existiu. E a internet não muda este panorama, ela segue esta triste sina histórica, apesar de apresentar a maior taxa de adesão entre todos os formatos de linguagem que praticamos desde a antiguidade. Por isso a importância do acesso móvel à internet. Com o celular, são cinco bilhões de pessoas com acesso potencial à internet.  No Brasil, são 350 milhões de aparelhos na mão de 210 milhões de pessoas. Há mais celulares na Índia e no Brasil do que vasos sanitários instalados e em funcionamento.”

Educação

“Estou absolutamente focado na questão da educação. Sou professor do IAG da PUC no Rio e este ano vamos criar um novo Curso de pós-MBA voltado para o estímulo ao desenvolvimento de mentes criativas, nos moldes do Professor Mafesolli, na França. Tenho também participado de algumas experiências com empresas de ensino a distância, que poderão no futuro ser um grande laboratório de inovação.”

Inovação

“As empresas do setor aéreo, os bancos, os sistemas de reservas de hotéis e hospedagem, o mercado financeiro, as empresas de comunicação tradicionais e o comércio exterior estão à frente em estratégias online. O ambiente online não é necessariamente o mais qualificado para todos os setores da economia. Como vender gasolina online? Todas as previsões feitas na década passada sobre o comércio eletrônico foram frustradas. Vários institutos previram que, em 2020, cerca de 30% do comércio mundial seria online. Esta projeção não se realizou em nenhum país. No Brasil, não passamos de 3,5%. Nos EUA, de 7%, e na Coréia do Sul, 12% – o limite até agora alcançado. Por outro lado, não acompanhamos a evolução das tecnologias como deveríamos. Estamos sempre aferrados à novidade que já virou pó, fomos os últimos a abandonar o Orkut, e seremos os últimos a abandonar o Facebook, hoje uma rede social decadente e que já deixou de ter importância nos EUA. Cerca de 76% dos sites brasileiros não sofrem atualização diária, ou seja, ainda não são instrumentos reais de venda e comercialização de produtos. Por outro lado, sete sites são responsáveis por mais de 90% das vendas da internet no Brasil. Há mais concentração no comércio online do que no comércio ‘real’.”

Brasil

“Temos duas realidades distintas: como usuários de tecnologia, estamos entre os países mais interessantes do mundo. A popularização do smartphone deu substância à ideia de convergência de meios. No Brasil, internet é quase sinônimo de internet mobile. As vendas de PCs  e notebooks despencam a cada ano e mesmo o crescimento do uso dos tablets não é o esperado. São criados cerca de 12 mil aplicativos no país por ano, o que mostra a força dos dispositivos móveis no nosso dia a dia. Do outro lado da questão, continuamos sendo um país com baixa geração de tecnologias inovadoras, fruto do precário sistema de educação, um certo desprezo pelo aprendizado da ciência, da genética, das linguagens digitais em profundidade e das capacidades da física, da matemática e da engenharia criativa. Duas tendências que já foram importantes vêm sendo exploradas equivocadamente: a do estímulo às pequenas empresas, que viraram alternativa escapista de milhões de brasileiros ao ensino e à educação formal avançada; e ao culto hiperatrofiado à ideia de que a participação em grupos culturais “salva” meninos e meninas das dificuldades da vida. Não precisamos de mais pequenas empresas, precisamos de mais cientistas, pesquisadores, tecnólogos de alta qualidade, jornalistas investigativos e, no caso das crianças, recriar a ideia da importância do saber científico. Ele é a principal porta de entrada no desenvolvimento sustentável. Para tristeza geral, ao contrário da imagem que fazemos de nós mesmos publicamente, não somos um país criativo, original, somos consumidores de tecnologias e hábitos criados além-mar.”