Quais são os desafios da equidade racial para as agências

Levantamento do Observatório da Diversidade na Propaganda mostrou que o número de CEOs brancos é dez vezes maior do que o de negros

O Dia da Consciência Negra, comemorado nesta quarta (20), pauta durante todo mês a publicidade. Porém, apesar de determinadas peças publicitárias, esse movimento ainda precisa de força para que não seja algo pontual, tanto dentro das agências, quanto nas campanhas. Pelo menos é isso que os dados de pesquisas recentes mostram.

De acordo com o estudo ‘Publicidade Inclusiva: Censo das Agências Brasileiras 2024’, realizado pelo Observatório da Diversidade na Propaganda (ODP), apenas 30% dos profissionais do mercado são negros (considerando pretos e pardos), sendo que, quando se trata de lideranças, há pelo menos 10 vezes mais CEOs brancos nas agências, derrubando esse percentual para 9%. Quando o recorte é feito por raça e gênero, os resultados se mostram ainda mais alarmantes, afinal, apenas 17% são mulheres negras. Inclusive, o número caiu quatro pontos em relação ao ano de 2023.

Esse alerta não é algo recente, muito pelo contrário. Em 2019, agências de publicidade chegaram a firmar com o Ministério Público do Trabalho (MPT), um pacto, chamado de ‘Conexão Negra’ com diversas ações para mapeamento, identificação, desenvolvimento e aplicação de estratégias de inclusão de pessoas negras no mercado. O projeto propôs três frentes: promoção da igualdade racial, formação e qualificação profissional e contratação. Mas agora, cinco anos depois, como será que esse projeto refletiu nas agências?

Como isso se refletiu nas agências e no mercado publicitário?

Felipe Silva, fundador e CCO da Gana, agência que conta apenas com profissionais negros, avalia que o mercado caminhou pouco, e, para ele, as causas são várias. "Racismo sistêmico, a formação do mercado, a liderança das agências atuais, o pouco compromisso dos grandes grupos. São várias as causas”, elencou. O publicitário também avalia que o que perpetua essa exclusão, é a lógica de ‘espelho'. “É mais fácil contratar quem se parece com você. Quem vem das mesmas escolas, dos mesmos bairros, das mesmas influências. É mais fácil achar que a pessoa certa para aquela vaga é aquele jovem que se parecia com você quando era jovem”, apontou.

Africa Creative, WMcCann e Publicis Groupe fazem parte do grupo de agências que firmaram o acordo com o MPT. Valéria Martim, gerente de pessoas, diversidade, equidade e inclusão da Africa, considera o pacto um marco  inegociável para a inclusão de profissionais negros e negras no mercado publicitário. A gerente conta que a agência tem se dedicado a ações concretas, como vagas afirmativas, processos seletivos inclusivos e projetos como a Escola Africa, que chegou à sua terceira edição este ano, em uma parceria inédita com a Universidade Zumbi dos Palmares, projeto ofertado a alunos do último ano de Publicidade e Propaganda. “O objetivo é prepará-los para os desafios da indústria criativa, por meio de mentorias e workshops liderados por profissionais da agência”, explicou ela.

“Temos nos dedicado a transformar esse compromisso em ações concretas, ampliando significativamente a presença de talentos negros.Buscamos não apenas promover diversidade, mas também construir um ambiente que valorize e celebre a pluralidade de vivências e perspectivas’, conta Valéria.

Já Rejane Romano, diretora de comunicação e líder de ESG do Publicis Groupe, reconhece o desafio do mercado em promover lideranças pretas e pardas. “Se num primeiro momento há empresas que se debruçaram em conquistar um número maior de pessoas pretas e pardas nas agências, hoje a grande questão é observar em que cargos e como essa inclusão vem sendo feita”, reflete a diretora, que aproveita para fazer um alerta: “É urgente que tenhamos mais lideranças negras, principalmente mulheres negras em cargos de liderança. No entanto, essa inclusão precisa ser pensada de forma sustentável, para que as pessoas hoje contratadas não sejam as primeiras da lista de cortes meses depois”.

O Grupo Publicis tem implementado ações afirmativas com políticas específicas para a pauta racial, como o programa Entre, e sua interseccionalidade em raça e gênero, que vem sendo utilizado não apenas para a absorção das agências do grupo, mas também com o objetivo de formar pessoas para o mercado. “É indiscutível que as ações sejam analisadas dentro de uma estratégia de negócios. Não se trata de assistencialismo, mas sim em ter assets de negócios que viabilizem o diálogo com aqueles que representam a maioria de nossa população, demograficamente falando”, destaca Rejane.

Marina Lima, especialista em diversidade e inclusão da WMcCann, não considera a falta de diversidade como uma dificuldade nas agências, mas sim, falta de intencionalidade. “É necessário investir tempo, ações afirmativas e práticas antirracistas. É preciso considerar que 30% dos profissionais da área de publicidade são negros, e esse número deve ser representativo nas agências, que atuam como polos de transformação social”.

Marina revela que, atualmente, na WMcCann, 35% dos profissionais são negros e que a agência tem metas plurianuais que visam aumentar tanto a contratação quanto o desenvolvimento de carreira, como 60% para contratações de portas de entrada, além de alcançar 24% de lideranças negras. Segundo a especialista em diversidade e inclusão, em 2024, 43% das promoções na agência foram de pessoas negras. “Para que isso ocorra de forma natural e estruturada, dispomos de programas internos de recrutamento e seleção e projetos de aceleração de carreira, incluindo mentorias, cursos de idiomas e desenvolvimento de lideranças”, acrescentou.

Valéria Martim, Marina Lima e Rejane Romano (Divulgação)

Wagner Alexandre, professor do curso de comunicação e publicidade da ESPM, diz que, embora existam muitas frentes empenhadas em mudar a realidade étnico-racial na publicidade, o debate está longe de acabar. O professor alerta que a falta de diversidade nas equipes pode causar visões racialmente padronizadas e limitadas. Para ele, ‘a prática leva a perfeição’.

“Promover capacitações regulares sobre racismo estrutural e diversidade é algo fundamental para que toda a equipe compreenda a importância da inclusão racial. Os treinamentos sensibilizam e ajudam a construir um ambiente de trabalho onde práticas discriminatórias são não somente evitadas, mas repudiadas”, aconselhou o professor.

Foto de Clay Banks na Unsplash