Qual é o futuro da mídia? Tendências como “ser multicanal” indicam caminhos
Qual é o futuro da mídia? “Essa é a pergunta de alguns bilhões de dólares”. “Produção e distribuição de conteúdo e entretenimento com o mínimo de interrupção possível”. “O futuro da mídia é a relevância”. “Estamos assistindo ao princípio de uma onda de valorização da comunicação profissional”. “O futuro da mídia é continuar sendo mídia”.
Essas foram algumas das respostas (bem resumidas) dadas por executivos da indústria da comunicação e especialistas consultados pelo PROPMARK. Pode parecer simples e ao mesmo tempo complexo responder à pergunta que deu início a essa reportagem, porque a resposta é exatamente um paradoxo, afinal o futuro da mídia pode ter vários caminhos. Mas algumas tendências indicam o que os veículos precisam fazer para não sucumbir à crise da mídia, que enfrenta o desafio de atrair novas receitas. Ser relevante, multicanal, estar aberto ao novo, ter credibilidade, interatividade, presença constante, projetos customizados e linguagem adequada para cada plataforma são algumas das direções apontadas.
Outra pergunta feita aos entrevistados foi sobre como eles se informam no seu dia a dia. As respostas são interessantes e mostram que os profissionais buscam por notícias em vários canais e em fontes com credibilidade. “Não tenho a pretensão aqui de vaticinar qual o futuro da mídia, mas algumas tendências indicam os caminhos: mobilidade, presença constante, interatividade e linguagem adequada às especificidades de cada plataforma de distribuição seguem como pilares fortes de sustentação da mídia. O Grupo Record investiu nos últimos dez anos em um cenário multiplataforma, de mídias complementares que formam o todo, sempre com foco na produção de conteúdo de qualidade, que é o nosso core business”, destaca Antonio Guerreiro, vice-presidente de jornalismo da Record TV.
Para Sergio Valente, diretor de comunicação da Globo, o caminho é a relevância e inovação. “Você é relevante quando está aberto ao novo. E ser aberto ao novo é ter em si o espírito da inovação. Existe uma série de metodologias, mas no fundo tudo se a resume a uma coisa: não ter medo do beta. Coloque em prática ideias betas, com a certeza de que elas podem ficar melhor. Você não pode ter medo, você precisa ser apaixonado pelo novo”, ressalta Valente.
Em sua opinião, relevância significa ter o que as pessoas querem. “E a Globo está se preparando para isso. Nesse movimento, ela não está olhando para o sucesso de forma míope, mas sim por meio do sucesso, dentro do princípio básico do que mídia é: levar o que as pessoas querem, de um jeito que as pessoas querem. Todas as iniciativas da Globo, tanto para o cotidiano quanto para o futuro, no sentido do que queremos ser como empresa, levam para uma relação ainda mais próxima com as pessoas, cada vez mais respondendo e entregando para elas uma possibilidade de experiência mais ampla, com o que nós sabemos fazer melhor, que é contar histórias.”
Antonio Guerreiro: “A mídia tem de ser flexível”
Personalização
O diretor-comercial e de marketing do SBT, Marcelo Parada, afirma que nos últimos anos a emissora vem investindo fortemente na produção de projetos customizados para seus parceiros comerciais, o que possibilita uma entrega mais assertiva para o público-alvo. “Esse formato mais personalizado, sem dúvida, é uma das premissas para o futuro da mídia, que em tempos de disputa com serviços on demand, por exemplo, precisa estar cada vez mais perto dos consumidores com um diferencial que seja atraente”, observa Parada.
Do lado dos jornais, Marcelo Rech, presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), salienta que vivemos o princípio de uma onda de valorização da comunicação profissional, entendida como aquela assentada sobre valores e princípios éticos, de busca da verdade e da pluralidade. “Essa onda nasce da necessidade de se ter confiança em todos os produtos que se consome, informação inclusive. Num mundo de hiperoferta comercial e informativa, a certificação será um bem cada vez mais escasso. Ou seja, a desinformação deliberada que se vê hoje nas redes sociais abriu uma nova avenida de necessidade de informação profissional. Com a chegada da inteligência artificial ao fenômeno da desinformação, correremos o risco de um apocalipse da verdade se não tivermos meios profissionais robustos fazendo o contraponto e restabelecendo o primado da verdade e da realidade”, reforça Rech.
Outro aspecto é que a relação da audiência com o conteúdo e as mídias mudou profundamente nos últimos anos, com o impacto da tecnologia e da internet na sociedade. Hoje, o público vive a total liberdade de poder assistir e interagir com os conteúdos que escolhe, decidindo quando, como e quantas vezes vai consumir. “O modelo de mídia e marketing intrusivo e centrado nele mesmo caminha para uma reprogramação na direção de um modelo mais centrado na audiência e voltado para a melhor forma de capturar a atenção e tempo das pessoas que vivem dispersas em uma cultura hiperconectada e hipermidiática”, argumenta Patricia Weiss, head of Branded Content & Entertainment and Executive Producer at ASAS.br.com.
Inovação é um capítulo à parte entre os desafios dos veículos de comunicação. E como ser inovador em um mundo ultraconectado? Ser multicanal é uma das principais premissas. “É uma possibilidade para que eles estejam disponíveis para diferentes formas de consumo. Qualquer inovação, qualquer plataforma, qualquer tela, precisa ser avaliado se o consumidor quer isso. Vale o case do New York Times para oferecer uma boa experiência aos seus leitores mais tradicionais”, cita o professor Paulo Cunha, coordenador do curso de publicidade e propaganda da ESPM-SP.
Para não “morrer”, a regra mais fundamental hoje em dia é ter uma postura permanente de autoquestionamento. “Vale a regra dos fundos de investimento: o rendimento do passado não é garantia de rendimento no futuro. Outra é inovar na medida adequada, de acordo com a estratégia e alcance de cada veículo. Por exemplo: há dezenas de milhões de consumidores no Brasil que ignoram as redes sociais, muitas em níveis superiores de educação e renda. Além disso, há uma crescente tendência à desconexão. As pessoas estão ficando saturadas de serem interrompidas, ‘notificadas’, a todo momento. A exaustão tecnológica começa a afugentar das redes e da conexão constante uma parcela mais de vanguarda e mais preocupada com a qualidade de vida e o foco em conteúdos relevantes”, observa Rech.
Marcelo Parada: “Personalização é uma das premissas”
Como ser um veículo completo?
O primeiro elemento é credibilidade, responde o presidente da ANJ. “Credibilidade junto ao público que consome aqueles conteúdos, e junto ao anunciante, que confia que as métricas e o alcance medido serão verdadeiros. Mas é preciso, naturalmente, flexibilidade e um portfólio para se adaptar a linguagem a cada formato e público”, diz Rech.
Na visão de Marcelo Parada, do SBT, os veículos precisam operar de modo multiplataforma. “Os veículos não podem ficar restritos apenas aos formatos tradicionais de veiculação de conteúdo, é preciso produzir para diversas plataformas, em todas as telas, principalmente aquelas que estãohospedadas no ambiente digital, como canal no YouTube, podcasts e redes sociais, sempre com a linguagem adequada a cada uma delas”.
Seja TV, jornal, revista, rádio ou site, a mídia precisa estar aberta ao novo, sem abandonar as receitas de sucesso. “A mídia como um todo, não apenas a TV, tem de ser flexível e estar pronta para romper com modelos tradicionais. A todo instante surgem novas possibilidades de exposição de uma marca e temos de estar preparados para elas. Quanto mais aberta ao novo, sem abandonar as receitas estabelecidas de sucesso, mas as aprimorando, melhor a mídia estará”, defende Guerreiro, da Record TV.
Patricia Weiss: “Modelo mais centrado na audiência”
Para o professor da ESPM, é preciso entender o que os consumidores esperam dos veículos. “Por isso a pesquisa é importante para entender seu público. Se seus consumidores preferem o celular, ele [o veículo] deve oferecer a melhor solução para esta plataforma. Se prefere o papel, idem”, explica Cunha.
Já na visão de Sergio Valente, um veículo de mídia não precisa ter necessariamente tudo para ser completo. O que ele precisa é saber onde esse tudo está, para poder montar um projeto completo a várias mãos. “A Globo não acredita que ela precisa ter todos os autores do mundo aqui dentro, mas ela precisa ter a inteligência e a cabeça aberta o suficiente, como ela tem, para identificar os novos autores, em qualquer lugar que eles estejam surgindo. E isso para se manter e aprimorar o espaço aberto que ela é, esse ambiente em que os talentos chegam para construir grandes histórias e fortificar uma ponte relevante, sólida, estruturada e confortável por onde as marcas vão trafegar”.
O diretor de comunicação da Globo destaca que o mundo hoje persegue o branded content. “Nós acreditamos que entregamos e podemos construir juntos, a várias mãos, um conteúdo relevante e agradável para as pessoas, no qual as marcas podem transmitir os seus valores de forma fluida – haja vista alguns projetos bem-sucedidos realizados. Cito o brilhante projeto criado para uma campanha da Fiat, que teve o lançamento do Fiat Toro dentro da novela A Dona do Pedaço, com uma publicidade estrelada pela personagem Vivi Guedes (Paolla Oliveira), produzida e gravada pela equipe da novela”, conta Valente.
“O branded content é, sim, uma grande sacada. Nossa área vem se fortalecendo, principalmente com projetos com desdobramento no digital. A emissora está se consolidando como especialista na produção de conteúdo digital, tornando-se uma importante parceira para as marcas. Exemplo disso são entregas como o projeto Vida na Facul, uma ação de branded content para a Uninove lançada no início do ano, em formato de websérie e estrelada pela Maisa Silva”, exemplifica Parada, do SBT.
E por que as marcas devem investir nos veículos de comunicação? Credibilidade é novamente a resposta. “Está mais do que provado de que credibilidade atrai credibilidade. E jornais, em todas as suas variações de formato analógico e digital, são portos seguros para se construir marcas e vender produtos”, resume o presidente da ANJ, Marcelo Rech.
Marcelo Rech: “Ter postura de autoquestionamento”
Um dos pilares da mídia, a publicidade enfrenta vários desafios, entre eles, o de integrar as plataformas. “A TV aberta, como principal meio de distribuição do país, tem um papel vital no desenvolvimento de formatos cruzados com as mídias complementares, como o digital. Não creio que haja algo errado, o que vivemos é um momento de transformação em que as corporações – incluindo as do mercado publicitário – passam por mudanças por vezes rápidas demais para que possamos fazer uma análise mais criteriosa. Mas se tem algo que a publicidade sabe fazer é reinventar-se”, analisa o VP de jornalismo da Record TV.
Ele lembra que a publicidade brasileira é reconhecida pelo talento em manter acesa a curiosidade do telespectador. “O branded content surgiu como excelente ferramenta de divulgação publicitária integrada ao conteúdo e já são inúmeros os cases de sucesso envolvendo marcas e dramaturgia, linha de shows e esportes, por exemplo. Criatividade segue como palavra-chave e nisso é difícil concorrer com o Brasil”, ressalta Antonio Guerreiro.
“A publicidade está acreditando que a publicidade está acabando. O que é uma fake news. E no fundo, a grande verdade é que a indústria do advertising segue cada vez mais forte”, pontua Sergio Valente. “O futuro da publicidade é menos interrupção e intrusão com muito mais relevância da mensagem das marcas, e da forma mais entretenedora possível”, opina Patricia Weiss.
Paulo Cunha: “Ser multicanal é uma das premissas”
Como você se informa no seu dia a dia?
Curiosidade é uma das principais características dos profissionais de comunicação. E, como não poderia ser diferente, os entrevistados responderam que se informam por meio de vários canais no seu dia a dia. O professor da ESPM conta, inclusive, sobre os hábitos dos seus alunos, que comprovam a tendência de ser multicanal. O que lê, ouve ou assiste? “Tudo. De papel de bala a publicações tradicionais. Na era do ‘vai ser bom, não foi?’, a informação está em todos os lugares e em constante transformação”, diz Guerreiro.
“Eu me informo de todas as maneiras possíveis. Leio jornal em papel, no PC, no celular e nos canais que estou acostumado e aos quais eu reputo credibilidade. Gosto muito de ler o El País, por exemplo. No fim de semana, leio a Veja em papel, como sempre fiz, virou uma tradição. Gosto de comparar a Folha e o Estado. Obviamente, leio os veículos da área de comunicação, como o PROPMARK. Quando quero descobrir uma notícia que acaba de acontecer, olho a Folha, o Estado, o El País, a Veja e O Globo. Esses são os meus preferidos, mas também olho o UOL e o Nexo Jornal, entre outros. Agora, os meus alunos, misturam um pouco de tudo. Tem livro que compram no papel, livro que leem no digital. Muitos preferem o jornal digital, outros a versão imprensa. Alguns gostam de ver a revista no papel, porque lembra fanzine. Outros no celular. Hoje não há uma maneira única, fixa”, conta Paulo Cunha, da ESPM.
“Bom, acho que quem trabalha na indústria da comunicação não acaba sendo um bom parâmetro, uma vez que a gente quer consumir tudo, o tempo todo. Eu leio jornal, escuto rádio, vejo televisão e olho portais de notícias várias vezes ao dia. Pessoalmente, não gosto de redes sociais. Na imprensa brasileira, gosto das reportagens da Revista Piauí e, fora do Brasil, do The Guardian e o La Repubblica”, relata Marcelo Parada.
“Desde que eu me entendo por publicitário, que eu sempre escuto essa pergunta! Não tem uma fórmula. Acho que, no fundo, o publicitário precisa estar aberto a tudo, ele precisa estar aberto do escritor Shakespeare ao repentista Bule-Bule. Ele tem de estar aberto para que seus olhos vejam o que as pessoas geralmente não veem. Que ele veja as novas tendências, o que só é possível com repertório. O que faz com que você tenha uma grande capacidade criativa é a sua capacidade de armazenar repertório. Washington Olivetto fala que ‘quanto mais você lê, mais você cria’”, resume Sergio Valente.
Além de jornais como O Estadão e O Globo, Patricia Weiss afirma que é viciada em podcasts do mundo todo e programas de rádio. “Leio muito na internet NYTimes, The Guardian e outros, assim como revistas e conteúdos que baixo no itunes ou via Twitter”, conta a especialista.
Já Marcelo Rech, da ANJ, ressalta que dorme pouco e ainda de madrugada lê as versões flip da Folha, Estadão e Globo, enquanto ouve a Rádio Gaúcha. “Pelas 6h30min, ligo a TV na RBS TV e leio a Zero Hora impressa. Caminho e vou trabalhar com Rádio Gaúcha. Ao longo do dia, uso muito o app da GaúchaZH, G1 e Twitter para sites noticiosos, além da GloboNews. De noite, vejo RBS Notícias, Jornal Nacional e GloboNews. Antes de dormir, é obrigatória uma passagem pelo app do The New York Times para ler principalmente sobre tecnologia, economia e política internacional. E é só…”
Sergio Valente: “Coloque em prática ideias betas”