Quebrando o marasmo
Ao ler que Temer, assumindo, pretende trabalhar para que o capital estrangeiro possa deter até 100% das nossas companhias aéreas, experimentei um conflito interior. Nascido e criado numa época em que vivíamos um nacionalismo caloroso, quando chamávamos a quem não concordasse conosco de entreguista, sempre tendi a “defender o que é nosso”, inspirado principalmente nos movimentos de proteção à Petrobras.
Stalimir Vieira
Hoje, percebo o quanto essa ideia, abraçada tanto pela esquerda mais radical quanto pelos milicos da ditadura, foi responsável por um formidável atraso para o Brasil. A Lei da Informática, por exemplo, instituída nos anos 1970 pelo regime militar, que pretendia favorecer uma indústria brasileira forte e competitiva no setor, saiu pela culatra.
Serviu principalmente para que alguns espertos se aproveitassem do protecionismo e da consequente falta de concorrência qualificada, para fazerem fortuna, inclusive se apoderando impunemente de marca internacional consagrada – a Sharp –, além de fabricar produtos de péssima qualidade e completamente defasados, para depois falirem, a maioria sem prejuízo de suas fortunas pessoais.
E o Brasil perdeu 20 anos, pelo menos, nessa história. Se a sugestão de Temer vigorasse no auge da Varig, a estrela da nossa mais querida companhia aérea talvez estivesse brilhando até hoje. Mas não, além de, por obrigação legal, ter sido sempre essencialmente brasileira, a Varig ainda era administrada como uma genuína estatal. Só podia terminar como terminou.
Em 1990, Fernando Collor de Melo, primeiro presidente eleito pós-ditadura, disse na Alemanha que os nossos carros eram umas carroças. E lançou um convite para que outros fabricantes viessem para cá. Um escândalo!
Instaladas no Brasil a partir do anos 1950, por identificarem no país uma oportunidade de baratear seus custos de montagem dos veículos, algumas poucas multinacionais julgavam-se proprietárias de uma espécie de reserva de mercado em terras brasileiras. Toleradas por décadas nas práticas de seu oligopólio, ofereciam, como contrapartida, produtos defasados e caros. Além de absurdamente inseguros, mesmo numa época em que itens de segurança como freios ABS e airbags já eram obrigatórios nos países desenvolvidos.
Temer, embora não vá se livrar tão cedo da pecha (não completamente injusta) de traidor e conspirador, pode fazer o Brasil, em que pese a crise, dar um salto à frente, apenas destravando uma espécie de nacionalismo anacrônico. Melhor se acrescentar, ainda, a soltura de outra trava, também histórica, chamada CLT. Pareceu-me bastante adequada a ideia de que, emergencialmente, os acordos entre patrões e empregados sejam reconhecidos legalmente, ainda que contrariando as leis trabalhistas convencionais.
Alguém tem de começar a quebrar esse marasmo. Vai ser um conspirador/traidor? Paciência. A inclusão de 40 milhões de brasileiros no mercado de consumo não foi viabilizada por um sujeito à beira de ser preso por formação de quadrilha? É o que a casa oferece.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)