Queda nas ações das grandes holdings de agências acende alerta

Com balanços financeiros em sua maioria positivos, embora com crescimentos aquém do esperado no primeiro semestre do ano, os principais grupos de comunicação do mundo – como WPP, Interpublic, Omnicom, Publicis, Havas e Dentsu Aegis Network – estão com ações em queda, em especial neste terceiro trimestre de 2017. Um alerta é que as ações das holdings de agências vêm caindo, sistematicamente, ao longo dos últimos cinco anos.

Em seu recente balanço semestral, o WPP, por exemplo, apontou queda de 13% no valor de suas ações. As razões são variadas, e há quem especule que o cenário é propício para uma nova onda de fusões entre redes de agências dentro dos grupos, em busca de otimização. Ou, mais a longo prazo, da compra de ações desses grupos por parte de empresas concorrentes como as grandes redes de consultorias, ou mesmo players de outras indústrias, numa espécie de “hostile takeover”, como se chama a operação de compra do controle de empresas que apresentam ações com preços muito convidativos.

“Nem sei se seria um bom negócio para as consultorias, porque cultura não se compra. Embora consultorias hoje tenham interesse em crescer criativamente, são culturas em colisão. O que não significa que tanto elas quanto os grupos de comunicação e mídia estejam se movendo na mesma direção, há uma convergência. Mais para frente, quando as distâncias se tornarem menores, tais fusões serão mais viáveis e até esperadas”, especula o diretor-financeiro de uma grande rede de agências que preferiu não se identificar.

Martin Sorrell, CEO do WPP, admitiu, em matéria no Ad Age sobre os resultados do primeiro semestre, que, ao contrário de previsões anteriores mais otimistas, o crescimento este ano deve ser de no máximo 1%. A principal razão seriam cortes de anunciantes de bens de consumo como P&G, Unilever e Ford, que vêm levando a cabo planos de corte de investimentos em marketing bem radicais em 2017 e nos próximos anos.

Martin Sorrell, CEO do grupo WPP

“Estou mais otimista em relação a 2018 do que a 2017. Não vejo como pouco ou nenhum crescimento no investimento de empresas de produtos de consumo pode dar certo. Há evidências inquestionáveis de que empresas que investem em inovação e em branding crescem mais”, argumentou um incomodado Sorrell.

No caso do WPP, há alguns agravantes como a perda de contas importantes, cortes na verba de grandes clientes e queda na performance de regiões estratégicas como Brasil e China. Tudo resulta, naturalmente, em menor poder de investimento para realizar aquisições e investimentos para crescer. Um círculo não virtuoso que tomou conta do mercado faz tempo, como se sabe.

Abel Reis, CEO da Dentsu Aegis Network, afirma que é preocupante que o comportamento do PIB global das maiores economias e o comportamento das receitas orgânicas dos grandes grupos de mídia – que sempre andaram mais ou menos alinhados – estejam se descolando. A receita dos grupos não vem acompanhando a retomada das economias.

Segundo ele, os últimos resultados divulgados pelas holdings de mídia e comunicação retratam uma situação de crise no modelo de operação e no “economics” da indústria de mídia e publicidade. “A lógica de construção de valor econômico dos últimos 50, 60 anos entrou em colapso. E nossa maneira de produzir e entregar valor para o nosso cliente final, também tem de mudar”.

Abel Reis, CEO da Dentsu Aegis Network

De acordo com Reis, uma das forças que conduziram ao colapso é a mudança no comportamento de consumo de mídia, em que novas tecnologias e metodologias são necessárias para capturar corações e mentes. Outra força importante é a emergência de gigantes como Facebook, Google e Twitter que capturam audiências massivas e proveem mídia – em escala global.

O terceiro movimento é o avanço das consultorias de negócios no território do marketing e da mídia. “Os anunciantes esperam de seus parceiros um olhar mais estratégico e consultivo para a tomada de decisões de comunicação. A mudança no comportamento do consumidor forçou uma convergência dos problemas de negócio com os problemas de comunicação. Quando se fala de comércio eletrônico, por exemplo, falamos de um problema de negócio e de comunicação”, diz Reis.

Por mais que as consultorias estejam no radar dos grandes grupos e vários deles tenham investido na aquisição ou criação de empresas com esse perfil, os resultados levam tempo. O caminho é um longo e rigoroso “inverno”. “Todo mundo está tentando fazer a virada. Mas alguns grupos não terão a saúde financeira necessária para pagar o preço da transformação. Ou ficarão pelo caminho ou serão incorporados”.

Transformações levam tempo. O diretor-financeiro de uma holding, que preferiu não se identificar, ressalta que a mudança é complicada. “Os grupos vêm fazendo movimentos, buscando novos formatos. Quase todos vêm comprando empresas de webdata, pesquisa e digital. Mas, em grandes corporações multiculturais, as mudanças não são rápidas. E, atualmente, são poucas as notícias boas, para muitas notícias desafiadoras, como é o caso da P&G, que este ano cortou 40% de seus investimentos em mídia. Quem encontrar o caminho e conseguir passar pela turbulência mais rápido, e encontrar novos modelos de eficiência, vai sair na frente”, comenta.

Um publicitário que atua no mercado americano de agências fala, também em off, que, para voltar a ter suas ações valorizadas, os grandes grupos precisarão mostrar que estão se adaptando ao “mundo novo”. E os clientes precisam enxergar que suas decisões estão enfraquecendo o ecossistema que eles mesmo precisam. “A força do departamento de compras é a ruína das relações entre agência e anunciante e precisa ser revertida, ou perdem todos. A ideia de que clientes devem ter um roster de agências e tudo ser uma concorrência é uma prática absurda”.

Ao mesmo tempo, investidores estariam enxergando o que em vários casos muitos fingem não ver: que “se paid media for o único caminho, a publicidade não tem futuro.”

Processos na berlinda
João Branco, professor da ESPM e especialista em economia internacional, sugere que também jogam contra o valor das ações dos grandes grupos de comunicação – que têm as redes de agências de publicidade como seus principais negócios – as investigações que a ANA (Associação Nacional de Anunciantes) dos Estados Unidos vêm realizando há tempos, promovendo uma verdadeira devassa no relacionamento comercial entre agências e veículos e, mais recentemente, entre agências e produtoras. As acusacões passam, por exemplo, por apropriação indevida de verbas do cliente.

“Esses processos são como a operação Lava Jato: você sabe como começa, mas não tem a menor ideia de como termina. Pode ficar enorme ou, no fim das contas, não dar em nada e reorganizar o mercado”. Como os grandes grupos vêm realizando inúmeras aquisições, Branco acredita que isso também contribui para a queda das ações.

Armando Strozenberg, chairman da Z+

“Quem compra perde valor de mercado, e os grandes grupos têm ido sistematicamente às compras”, observa.
A proliferação de pequenos negócios, especialmente do mundo digital, que tendem a pulverizar os investimentos, também enfraquece os grandes grupos, segundo analisa Victor Azevedo, professor de marketing e publicidade do Ibmec/RJ. A economia da colaboratividade também favorece este cenário, unindo facilmente pequenas empresas numa espécie de rede.

“A informação está em todos os lugares. Qualquer um que se empenhe pode abrir uma agência pequena – apta para atender clientes de grande porte. Esses movimentos desfavorecem grandes agências, por exemplo, que ainda ocupam grandes prédios ou andares inteiros. A economia centralizadora deixa de fazer parte da nossa vida. Isso não é novo, mas hoje vivemos o auge da era das ideias descentralizadas”, afirma Azevedo.

O consultor financeiro Antonio Lino Pinto, que há tempos analisa a perda de rentabilidade das agências de publicidade, fala que não é especialista em ações, mas sugere que, entre outros fatores, a “quebra de expectativas” pode ser responsável pela tendência desta queda mais acentuada das ações dos grandes grupos neste trimestre do ano.
“O investidor pode ter tido a ideia de que os resultados delas seriam maiores, por puro sentimento ou por divulgações dessas empresas no decorrer de 2016 e 2017. Quebra de expectativa gera incerteza e o mercado começa a especular. Isso é muito comum”, destaca.

Armando Strozenberg, chairman da Z+, afirma que a tendência à fusão de redes parece mais provável se a busca de profitability se revelar viável apenas via as tradicionais questões de escala ou a racionalização de custos. “O que, a meu ver, aparece hoje como perspectiva de fato sinérgica para o futuro dos principais grupos de comunicação publicitária internacionais deverá ser a sua aproximação com importantes grupos de consultoria, produção de conteúdo multiplataforma, ou de entretenimento, por exemplo. Um cenário em que as expertises e culturas de cada uma das partes exigirão um inédito desafio de gestão para os ventures a serem formados. A conferir”, sugere.

De uma forma ou de outra, Strozenberg acredita que o arsenal das transformações na indústria da comunicação tem um poder bélico e tudo o que está aí não permanecerá do mesmo jeito, por muito tempo.