“Queremos estar em todas as plataformas”
Para Jorge Nóbrega, vice-presidente corporativo das Organizações Globo, não há respostas definitivas sobre os modelos que funcionarão ou se manterão saudáveis nos próximos anos, mas uma coisa é certa: será preciso ter flexibilidade e produzir conteúdo de qualidade. Esse é hoje o principal foco das Organizações Globo, que vêm passando por mudanças de governança — como a recente transição na direção da TV Globo das mãos de Octávio Florisbal para o jornalista Carlos Henrique Schroder. Nóbrega é, há pelo menos 20 anos, uma das pessoas-chave no traçado do futuro estratégico do grupo.
Em um país de múltiplas realidades, como decidir no que investir e definir os destinos estratégicos de um grupo de mídia?
A realidade da indústria mídia no Brasil não encontra paralelo em nenhum país do mundo. Em algumas coisas, há semelhanças com o México. Em primeiro lugar, a TV no Brasil teve origem no rádio. E por isso adquiriu a cultura da novela. Nos EUA, ela é originária do cinema, e começou fracionada. A maneira como a indústria se estruturou fez toda a diferença. O segundo ponto é que a televisão aberta no país tem uma presença que não se encontra em nenhum outro lugar do mundo. Porque é gratuita e cobre praticamente 100% do nosso território. A cada noite no Brasil, a TV Globo tem a audiência de um Super Bowl. Isso tem a ver, claro, com a capacidade e a qualidade de produzir conteúdos que se adequassem a essa realidade. Outra diferença: aqui a TV foi construída com uma grade horizontal, diferente dos EUA. Lá há um dia de esportes, outro de uma série…É uma grade vertical. Já na Europa, a TV tem origem estatal.
A hegemonia da TV Globo também é uma peculiaridade, não?
Existem hoje seis redes de TV no Brasil. As pessoas têm o controle remoto nas mãos. O que as impede de assistir outros programas? Não há barreira de entrada para concorrentes em TV aberta, a não ser o fato de que precisam ser controlados por brasileiros. E o que é interessante, é que mesmo entre assinantes de TV a cabo, com 200 canais à disposição, 70% da audiência no horário nobre está em TV aberta. As novelas foram mudando, o produto mudou, mas se manteve forte. O ponto é que no Brasil, a TV ocupou, ao longo do tempo, um lugar central em um país pouco letrado, de grande demanda visual, tornando-se a fonte principal de informação das pessoas. Na pesquisa da Secretaria de Comunicação da Casa Civil, o apresentador William Bonner aparece como a pessoa de maior credibilidade no Brasil. Nossa maior receita aqui é a publicitária. E cresce. Nos EUA, essa receita não tem o peso que tem aqui. Isso parece uma coisa antiga, mas não é quando se observa o que está acontecendo em termos de fragmentação das mídias. Quando se fragmenta tudo, cria-se um valor maior para o que é massivo. Se você quer falar com o Brasil, não adianta colocar a informação em um milhão de blogs ou 200 canais a cabo. É preciso usar a TV aberta. Isso criou um valor que antigamente nem era tão percebido.
E as mídias segmentadas?
A segmentação existe, mas ninguém é uma coisa só. Numa cultura de pertencimento como a nossa, as pessoas falam de coisas variadas, é preciso ter uma linguagem comum, que fale com todo mundo. Em que lugar do mundo você pega um taxi e fala com o motorista sobre a novela, com a maior intimidade? Nos Estados Unidos talvez num dia de Super Bowl se fale do tema. Mas e nos demais dias? Isso não tira o valor da mídia segmentada. É que todo mundo é “um pouco massa”. E também tem suas tribos. A mesma pessoa circula em vários lugares e nós tentamos dar conta dessas diversas dimensões. Queremos estar em todas as plataformas.
Foi um erro investir em cabo e satélite, quando as áreas acabaram dando prejuízo?
Não acredito que tenha sido um erro estratégico, mas um erro de avaliação de timing e de montante de investimentos. A partir de um certo momento, decidimos nos concentrar na produção e programação de conteúdo. No início da década passada passamos a vender as participações em distribuição: Net, Sky. Ao mesmo tempo, pelo SeAC (Serviço de Acesso Condicionado), criado a partir da lei 12485, o programador e produtor de conteúdo não pode deter o controle de uma operadora de distribuição de conteúdo. E vice-versa. A lei separou os dois mundos. Essa legislação onde não se controla a plataforma toda é extremamente moderna.
Fora a TV Globo, quais são os bons negócios para o grupo?
Fazer mídia ou conteúdo em um ambiente tão complexo e mutante quanto o de hoje é como subir uma escada rolante que desce. Se eu ficar parado, desço junto. E nós estamos permanentemente tentando subir essa escada rolante que desce. Fazer TV, TV por assinatura, rádio, continuam sendo bons negócios e se manterão como principais. Mas se a TV amanhã estará dentro do computador, ou se computador e TV serão a mesma coisa, ou ainda se as pessoas assistem à TV Globo com o tablet no colo e passam o tempo conversando sobre os personagens da novela nas redes sociais, queremos estar nessa relação. Temos uma atuação extremamente moderna nessas plataformas, fazendo um vínculo entre elas. No fundo, é o mesmo negócio.
Mas com as mudanças de formato também mudam os modelos de publicidade. Como fica isso?
Pensando no conteúdo audiovisual, crescem as plataformas e as possibilidades de distribuição. No Brasil, há uma tecnologia de TV digital aberta muitas vezes mais avançada do que a americana e a europeia, que permite a recepção da do sinal da televisão gratuitamente nos celulares, em movimento. A TV aberta sempre dependerá do comercial. O conteúdo é líquido, e se amoldará a diferentes formatos. No celular, vai haver publicidade. E para não pagar pelo serviço, o usuário vai se acostumar a ver propaganda. Antigamente, se questionava haver publicidade na TV a cabo, já que é um serviço pago. Hoje, as pessoas já se acostumaram. Faz parte do modelo do negócio. Canais premium terão menos intervalos comerciais, mas custam mais caro. A propaganda se amolda às diferentes plataformas. Talvez não se aceite o mesmo tipo de publicidade no Facebook, mas ele terá de encontrar seu modelo, porque senão o negócio não pode existir. No fundo não há uma resposta, não se pode fazer grandes afirmações. Haverá diferentes plataformas e usos e em cada país as coisas acontecerão de um jeito. A arte está em encontrar uma combinação ideal entre o comercial, venda de conteúdo e a plataforma de entrega, em função do uso que cada pessoa quer fazer. O conteúdo terá de ser pago pelo anunciante e pelo assinante.
E o jornal impresso, que vive o dilema de que sua versão eletrônica não é rentável. Qual o futuro?
O que ocorreu com o jornal foi mais drástico e complicado, porque havia um produto muito tradicional, com um custo de produção físico alto. O papel tem um dilema mais difícil. As pessoas não consomem menos informação, consomem mais. No entanto, consomem de outras formas. Em algum momento os jornais acreditaram que se estivessem presentes gratuitamente na web, a publicidade pagaria por isso. Não paga. Hoje, a circulação em papel não cresce, há ameaças aos classificados – que existem independente do jornal – e um usuário que busca notícias de graça na internet. Mas quem paga pela produção da notícia? Se você olhar, hoje, em geral há uma fonte original de informação, e o restante é repetição. E a fonte original custou dinheiro. Quem vai pagar? Nos Estados Unidos fala-se até que isso é um bem público, já se propõe que o governo tenha que incentivar. No caso do The New York Times, ao converter 5% da base para assinantes online, já valeu, porque são 500 mil pessoas. E dessas pessoas, 30% são estrangeiros – pois trata-se de uma mídia mundial. Quantos jornais têm essa vantagem? Há 80 anos existiam 12 jornais no Rio. Hoje existem dois principais. Em São Paulo, também há poucos. Imagino, no futuro, uma migração para o tablet. Mas paga, claro.
No grupo essa é a área que vive os maiores dilemas?
Toda a mídia impressa está muito mais desafiada. A mídia eletrônica audiovisual vive um crescimento, porque a TV aberta não perde espaço no market share de publicidade, e a TV fechada ainda cresce. A mídia impressa aqui não está na mesma crise do que se encontra nos EUA porque há um crescimento de renda na população e novos leitores de jornal. E, embora não haja crescimento de circulação, ele permanece estável. O share comercial perdeu participação, mas não tanto dinheiro, porque o bolo publicitário cresceu. O desafio vai ser migrar para plataformas digitais. Há vários modelos sendo testados.
As revistas semanais de informação devem desaparecer?
As revistas têm situação mais crítica. O hábito mudou. Antigamente se as pessoas não lessem uma revista de informações semanal no domingo, não tinham assunto na segunda-feira. Hoje, a revista semanal parece repetitiva, não tem novidades. Para sobreviver, terão que mudar. Veja a The Economist. Todo mundo lê e mantém sua força no impresso. Não acho que as mídias necessariamente se extinguirão, mas se modificarão. A informação “carne de vaca”, comum a todos, certamente permanecerá mais disponível na internet. Outra categoria será a informação vendida. Fica-se mais exigente para pagar por algo. O desafio aumenta. Eu acredito que todas as mídias têm um nível de incerteza e indefinição grande.
Qual é o dilema do rádio?
O rádio, nos EUA, passou por um rejuvenescimento, depois caiu. Aqui, por exemplo, ninguém mais ouve AM. Em compensação ouve-se cada vez mais música pelos canais por assinatura. Rádios de notícias têm um valor e acredito que tendem a crescer. Mas também terá de ser repensada. As indefinições continuarão e vários testes serão feitos. Não dá para estabelecer um cenário para o meio, hoje, para daqui a cinco anos. Teremos que ter flexibilidade para nos adaptar a coisas que surgirão pelo caminho. Mas a base está em conseguir ter uma produção de conteúdo de qualidade. E a qualidade está na capacidade de atender a necessidades que talvez nem as pessoas saibam o que é. Gilberto Gil disse uma vez que o povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe. A TV Globo faz muito esse papel. A novela Avenida Brasil foi um exemplo disso.
E o olhar para outros negócios, como games e e-commerce?
Estamos sempre discutindo outras possibilidades de negócio – normalmente ligados à mídia. O conhecimento sobre o que acontece no mundo digital é muito importante. Os modelos de gestão para as coisas que acontecem nesse meio são muito diferentes. Criamos uma holding chamada Mosaico, em que temos empresas em sociedade com várias pessoas, e nela abrigamos iniciativas que – por enquanto – não têm nada a ver com os negócios já estabelecidos que possuímos. Temos o portal de viagens Mundi, o comparador de preços Zoom, o site de compras coletivas ClickOn e a empresa de jogos chamado Gazeus. São empresas geridas de maneira diferente, com outros modelos de participação e forma de remuneração, menor hierarquia e uma cultura totalmente diversa. Não integramos com “o outro lado” do grupo porque queremos experimentar mais a cultura. Fora isso, temos uma plataforma de eventos por meio da Geo. Há demada por entretenimento físico cada vez maior, e a Geo ocupa esse espaço. Amanhã talvez eu possa ter um musical Avenida Brasil ou uma peça Malhação. Por que não?
E qual é o papel da Globo.com hoje?
A Globo.com tem papel tecnológico. Já foi mídia, mas a internet passou a ser uma mídia da TV Globo e da Globosat. Mas precisa-se de tecnologia, informação de mercado e planejamento. A Globo.com desenvolve tecnologias. O seu objetivo hoje não é dar lucro, mas atender nossas empresas com as plataformas tecnológicas que elas precisarem.