Abap: “Queremos modernizar o modelo brasileiro”
Reeleito para um terceiro mandato na Abap, entidade que concentra agências que movimentam mais de 70% do PIB publicitário de R$ 49 bilhões, Mario D’Andrea tem muitos desafios: modernização do modelo brasileiro de publicidade, atualização de métodos e transparência nas formas de remuneração. Desde que deixou o comando da dentsumcgarrybowen em 2020, tem se dedicado a estudos no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e consultorias de posicionamento para veículos e agências. Confira a sua entrevista.
Qual será o tom e o que vai diferenciar a ponderação discursiva do seu novo mandato na Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade)?
Será pautado por uma aceleração de mudanças. Isso significa sair do discurso de alguns itens para ações concretas e mais percebidas. A Abap vem fazendo muita coisa que as pessoas não conseguem ver.
Por exemplo?
Muita articulação com os Três Poderes brasileiros. Fomos usados pelo TCU (Tribunal de Contas da União) como fonte de informação para publicidade digital. Parlamentares do Congresso Nacional convocam a Abap para dar opinião a respeito do Projeto de Lei sobre Fake News. A Abap foi a primeira entidade a se manifestar sobre o PL 504, que tenta proibir publicidade LGBTQIA em São Paulo. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nos ouviu sobre BVs. A questão do Cade não é contra BVs. É uma ação contra a Globo. O mercado não percebe muitas coisas que estão na agenda da Abap. Mas estamos atentos às demandas do segmento e da defesa do negócio da propaganda. Mas é necessário fazer algumas atualizações, que passam por uma ampla modernização.
Quais os pontos que a Abap contempla nesse processo?
A modernização do modelo brasileiro não cabe a mim e nem a algumas pessoas decidir. Requer fórum amplo. Que só terá representatividade se todos os players estiverem mobilizados em uma mesa para efetivar essa decisão.
O Cenp (Conselho Nacional das Normas-Padrão) tem um grupo liderado pela consultoria do empresário Silvio Genesini para propor mudanças ao modelo. Como a Abap participa?
Foi através da liderança da Abap, da Abert (Associação Brasileira de Rádio e Televisão) e da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda) dentro do Cenp que se começou esse trabalho. Essa decisão tem mais de um ano e agora começa a ter os primeiros resultados. Algumas coisas que estão sendo implemendas não têm relação direta com o trabalho do Silvio Genesini. Profissionais da área digital que não tinham acento no Cenp, agora têm. As agências digitais, que não estavam abrigadas pelo Cenp, agora estão. Esse é um papel que a Abap está colocando na pauta: queremos modernizar o modelo brasileiro. Modernizar não significa que tem de se jogar tudo fora, como muitos querem; não é sair de uma página em branco. Temos de conservar as experiências favoráveis, positivas, e alterar o que não está contemplado e o que não deu certo.
O que pode ser agregado ao modelo brasileiro que defende o sistema full service?
Em primeiro lugar: as principais agências de mídia dos grandes grupos de comunicação estão se transformando em operações full service. Posso citar a Dentsu X Creative, agora uma operação não exclusiva à mídia. O WPP acaba de anunciar essa transformação com o lançamento da WMS. E o Interpublic tem a Media Brands, que também tem criação. O mundo e os clientes pedem isso. Essa discussão sobre o modelo full service do Brasil eu considero velha. O mercado está caminhando naturalmente para isso. O que posso dizer é que o full service é apenas um pedaço do modelo do nosso país. Temos o modelo de remuneração e de relacionamento com o digital, que não está contemplado totalmente. Esse modelo foi consolidado há mais de 20 anos e o digital não era uma fortaleza do que conhecemos hoje como economia digital. Atualmente há players da economia digital que chegaram depois e estão entre os maiores do mundo. Como eles participam desse modelo? O mercado é que precisa mostrar para eles a importância de integrarem esse modelo. Exige proatividade e é isso que está sendo feito agora. O fórum é o Cenp. Mas será que o Cenp está preparado para isso? Foi dado um passo para trás porque o Cenp precisa mudar sua governança, posições e regras. O que pretendemos? Ter um fórum completamente moderno e equilibrado para que todos componentes do mercado participem de verdade. O que não pode é ter uma parcela respondendo por todo mundo. E também não legislar sobre grupos que não estão ali representados. O ponto principal é o equilíbrio onde nem o poder econômico seja maior do que o intelectual. E vice-versa. Por isso afirmamos que o fórum ideal é o Cenp. É por isso que vamos mudar o Cenp.
A gestão de dados aproximou todo mundo. Inclusive os que precisam ser conservados no cofre de segredos de uma marca. Isso significa que os anunciantes têm conhecimento sobre a remuneração equilibrada ou isso precisa ser ajustado?
Sem dúvida que precisa de ajustes. O Cenp, porém, nunca proibiu nenhum tipo de remuneração. O desconto-padrão é referência. Ele é único. Isso é uma falácia que o mercado tem. É o melhor modelo? Talvez tenha sido, mas não sabemos se ainda o é. Agora, para criar novos modelos de remuneração às agências, não precisamos matar o que já se tem. Essa é a discussão. Só essa. Sabemos que o desconto-padrão, dependendo do player e da atividade, não funciona. Então, qual é o outro jeito? Se não for desconto-padrão não é nada? Ninguém tem a fórmula pronta. Por isso essa discussão está sendo redirecionada para uma mesa ampla. O trabalho da consultoria realizado pelo Silvio Genesini tem a seguinte questão: como o Cenp tem de funcionar para agrupar tendências? É colocar todo mundo no mesmo nível de discussão? O que se faz para estudar formatos diferentes e conseguir fazer uma autorregulamentação? Muita gente acha que, por não estar contemplado no modelo, ele não serve. Temos de melhorar o modelo, porque o que não pode é terra sem lei. O modelo está defasado, mas a opção de não ter modelo é simplesmente dar liberdade total para quem tem o poder econômico.
É exclusividade da propaganda?
Não. Já vimos isso em outros segmentos. A liberdade na economia tem limite no relacionamento entre empresas. O que está se falando globalmente sobre publicidade digital é sobre não ter regra alguma.
Quais os outros temas que estão na agenda da Abap?
Inclusão social, por exemplo. Não podemos ter uma diferença do que se tem na sociedade e nas agências e nas campanhas. Todos estão preocupados, inclusive clientes. Na briga pelo PL 504, sobre preconceito LGBTQIA, o mercado se uniu. Inclusive a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes).
Essa é uma das preocupações da VoxComm, da qual você é conselheiro ao lado de nomes como Marla Kaplowitz, CEO do 4A’s, dos Estados Unidos?
Sim. Ter voz na VoxComm, que surge para enfrentar os novos desafios que a tecnologia trouxe à publicidade, mostra como o Brasil é respeitado nessa atividade. É a primeira grande entidade de agências e eu ajudei a criar, além de fazer parte do primeiro board divulgado no finzinho de abril. São 30 países juntos na luta pela defesa de que a publicidade é fundamental para a atividade econômica. A economia só anda pra frente quando um país tem publicidade forte. Um país com publicidade fraca não tem imprensa forte, por exemplo. Venezuela e Coreia do Norte são alguns dos países em que essa tese se aplica. Para tornar a publicidade uma fortaleza da atividade econômica, vamos combater concorrências e relacionamentos abusivos, que diluem o valor das agências. Esse é um dos pilares da VoxComm. O Brasil está junto para a construção de melhores práticas, diálogo etc.
A publicidade é um asset da economia criativa que no Brasil é um dos poucos artigos da pauta econômica de exportação, benchmark global que não é uma commodity.
Sem dúvida! O Brasil está entre os cinco mercados mais robustos do mundo. Nem o futebol tem esse status. Respeito é bom e eu gosto. Não estamos falando de criação. Mas de negócios. Nos próximos dias a Abap vai publicar um estudo feito pela Deloitte, contratada via Cenp, sobre como a atividade econômica é impactada pela publicidade. Os números, que ainda não estão fechados, vão mostrar o peso econômico da publicidade. E em quantos por cento do PIB a publicidade exerce influência direta. A publicidade gera 440 mil empregos, dos quais 180 mil diretos. TVs, rádios, jornais, que também têm assinatura, e todos os meios, não existem sem publicidade. Em 2018, a propaganda pagou em sálarios R$ 2,4 bilhões. Esse tipo de discussão precisa ser levado a sério. Prêmios o Brasil ganha e é reconhecido pela sua excelência criativa nos grandes festivais. É sobre a quantidade de riqueza que essa atividade gera. Quando produtos e empresas se tornaram gigantes devido a intervenção da publicidade? Valor de marca é tangível.
O rompimento da ABA com o Cenp interfere na relação das agências com anunciantes?
Nada. Nem Abap e nem ABA interferem na relação entre agências e clientes. Direcionamos temas. As relações comerciais são entre empresas. Não somos sindicato. Agora, as regras do Cenp são necessárias. Elas facilitam as coisas. Cada cadastro é checado. Se o governo vai veicular em uma rádio X, pode ficar tranquilo.
Ela tem lastro. Assim como institutos de pesquisa, agências etc. O Cenp é fundamental. Precisa ser fortalecido.
O que precisa ser mais olhado pelo mercado?
O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) já vem fazendo isso. O IAB (Interactive Adversitising Bureau) faz parte da entidade e já ajudou a elaborar o código para influenciadores digitais.