Redes de mentiras

Semana passada foi para mim um grande aprendizado sobre o funcionamento das bolhas dentro das redes sociais. Fazendo um planejamento para um cliente, andei pesquisando alguns grupos nas diversas redes e acompanhando as postagens nas mais diversas plataformas. Mesmo cético e cuidadoso com o que via, fiquei abismado com a quantidade de má informação, mentiras, blefes e notícias falsas que as redes divulgam e, se não estivermos muito atentos, passamos a acreditar.

Os truques superam, e muito, o que se pode imaginar. Por exemplo. Procurando no YouTube por informação, achei um programa da Record TV – Domingo Espetacular – que foi reeditado por alguém, com inserções de matérias que não estavam no programa original. Na verdade, num trabalho muito bem feito de edição, era possível se assistir cabeças de uma matéria e o miolo que foi alterado, de uma forma quase impossível de se perceber. A mentira com aval.

Outra coisa me chamou a atenção. Quando se procura alguma postagem no YouTube, na coluna da direita aparece uma relação de outras inserções relacionadas ao assunto. Mas o mecanismo que faz essa relação, por se tratar de uma máquina, utiliza palavras-chaves para determinar a afinidade entre uma coisa e outra. Daí se você for pesquisar algo que se relacione com miséria, vai encontrar chamadas do tipo: “Lula humilha Sergio Moro no interrogatório”. Esse expediente é muito usado: fazer títulos que sugerem o que a matéria não confirma.

Se você não ler toda a postagem, acaba ficando com a frase na cabeça e pode chegar a conclusões enganadas. Por exemplo: a matéria que fala de como a Globo deu assistência à viúva do ator Domingos Montagner, lida integralmente, é altamente favorável à Globo.

Mas o título que se encontra no YouTube é: “Viúva conta toda a verdade sobre como a Globo cuidou da morte de Domingos Montagner”. Lido só o título é justo se supor que a atitude da emissora foi a pior possível.
A grande maioria dos posts sobre Bolsonaro criam um personagem inexistente: inteligente, culto, brilhante, de argumentos arrasadores e postura sempre vitoriosa. Há também um prefeito Crivella de carne e osso e um ser criado pelos seus funcionários nas redes sociais, que fazem dele um misto de Napoleão, São Francisco de Assis, Juscelino Kubitscheck e Martin Luther King. E sempre com o mais irrestrito e entusiasmado apoio popular. E até agora só falei dos exageros e distorções.

Estou esquecendo dos anúncios que vão da cura da impotência à eliminação da caspa, passando por leilões virtuais que oferecem a possibilidade de comprar um Audi por 50 dólares e russas deslumbrantes querendo ter um caso com qualquer coroa barrigudo que lhes pague uma passagem de avião. E há também os blogueiros capazes das mais infames baixarias. Um, do Rio Grande do Sul, repete a história do Decálogo de Lenin, que está provado ser inteiramente falso, até mesmo porque não é coerente com o que pensava o líder russo. Mas o fulaninho, fazendo uma salada de datas, repete a versão soviética do Plano Cohen como se ungido guardião da família.

O caso da exposição de arte no Rio Grande do Sul e a performance de Wagner Schwartz no MAM geraram um volume enorme de participações em todas as redes sociais, a grande maioria baseada em boatos. Teve uma senhora que juntou as duas e ainda afirmou que a menina tocou no pênis do performático. Teorias de que se trata de uma conspiração do demônio para destruir a família e os bons costumes, acabar com a população brasileira através do incentivo à troca de gêneros (casal não hétero não multiplica) existem aos milhares.

Outra informação muito difundida é a Tabela de Indulgências com o custo das remissões de pecados no fim da Idade Média, ora atribuída a Leão X, ora a João XXII, com os valores que deviam pagar quem tivesse cometido ou pretendesse cometer pecados que vão da zoofilia, pederastia, pedofilia, furdunço ou incesto. Essa tabela existiu, mas não com esses pecados e com esses preços, mas na internet está como absolutamente verdadeira. Realmente, é preciso ter muito cuidado com o que se lê nas redes sociais.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)