Restrições no Catar: "Estão muito claros os interesses econômicos acima dos valores humanos"
Proibição de cerveja no entorno dos estádios da Copa do Mundo levanta desafios ligados a questões humanas
A venda de bebidas alcoólicas no entorno nos estádios da Copa do Mundo, que começa neste domingo (20), está proibida. Anunciada nesta sexta-feira (18) pela Federação Internacional de Futebol (Fifa) e pelo Catar, país sede do Mundial, a decisão incide no patrocínio da Budweiser, marca da AB InBev, cerveja oficial do torneio.
A Budweiser estava anteriormente autorizada a comercializar a bebida nos pontos de venda de ingressos localizados nas imediações de cada um dos oito estádios três horas antes, e uma hora após as partidas.
Mas, agora, o consumo dever se restringir aos espaços do Fifa Fan Festival, que transmitirão os jogos em meio a shows e atividades culturais locais.
“Após discussões entre as autoridades do país anfitrião e a FIFA, foi tomada a decisão de concentrar a venda de bebidas alcoólicas no FIFA Fan Festival, outros destinos de torcedores e locais licenciados, removendo os pontos de venda de cerveja dos perímetros do estádio da Copa do Mundo da FIFA 2022 no Catar", declara a Fifa em comunicado oficial.
"Não há impacto na venda do Bud Zero, que permanecerá disponível em todos os estádios da Copa do Mundo do Catar. As autoridades do país anfitrião e a FIFA continuarão a garantir que os estádios e áreas adjacentes proporcionem uma experiência agradável, respeitosa e agradável para todos os torcedores. Os organizadores do torneio agradecem a compreensão e o apoio contínuo da AB InBev ao nosso compromisso conjunto de atender a todos durante a Copa do Mundo da FIFA Qatar 2022", finaliza a nota.
A Budweiser ainda não se pronunciou oficialmente. A marca chegou a comentar o seu incômodo no Twitter, mas apagou a mensagem.
O imbróglio, porém, traz à tona questões que superam os eventuais impactos sofridos pela marca. "Quando o Catar foi eleito para sediar a Copa, fica claro que já se sabia das limitações. Acho um absurdo países como Rússia e Catar, e tantos outros que não são efetivamente uma democracia, que não têm alternância de poder, que controlam a mídia, e que limitam mulheres e homossexuais, serem considerados para grandes eventos", opina Amir Somoggi, sócio-diretor da Sports Value.
O especialista em marketing esportivo acredita que a bebida é só mais um elemento que vai de encontro aos clamores da sociedade. "Diria que a bebida é muito menos grave do que um homossexual receber chicotada, ou uma mulher não poder dirigir, não poder andar na rua sem estar acompanhada de um homem da família, enquanto se fala, cada vez mais, em mulheres como líderes do lar", prossegue.
O executivo lembra os critérios da Fifa para a escolha dos países que sediarão o evento. "Quando escolheu a Rússia, e depois o Catar, estão muito claros os interesses econômicos acima dos valores humanos, das mensagens que vão para o mundo", observa Somoggi. O tema é tratado no documentário Esquemas da Fifa, lançado pela Netflix.
Para Somoggi, o impacto na estratégia da Budweiser existe, mas a marca pode se recuperar. "É óbvio que se vende muita cerveja, mas não dá para comparar com o impacto que a marca tem no mundo, com o patrocínio global da Copa. Há importância, são milhões de pessoas consumindo, porém, a Budweiser pode recuperar isso na Copa dos Estados Unidos", acredita.
Para além da questão da venda de cerveja, Somoggi fala que mais grave é sediar eventos, como Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, em países que não estão plenamente abertos à democracia. "Nem começou a Copa do Mundo e já vejo várias entrevistas sendo interrompidas. É a Copa do Mundo das entrevistas interrompidas, em pleno século 21", critica o executivo.
Amir Somoggi reconhece a importância do Catar como potência em recursos naturais e investimentos - a Qatar Sports Investments, por exemplo, controla o time Paris Saint-Germain - mas alerta para a possibilidade de a Copa do Mundo produzir um efeito atenuante. "Sempre digo que o soft power é terrível porque consegue suavizar até o pior dos ditadores", reflete Somoggi.
Os aspectos socioculturais de países que recebem eventos de amplitude mundial devem ser tão estudados quanto as cláusulas contratuais. “Se por um lado, a primeira copa do mundo no Oriente Médio vai marcar pela beleza e pelo luxo promovido pelo país, as questões trabalhistas e de mortes de empregados na construção dos estádios e a discussão em torno dos direitos humanos, em especial, ao movimento LGBTQIA+ também lembrarão a Copa”, reforça Fernando Trein, professor de marketing esportivo da ESPM Porto Alegre.
Ativações
A Budweiser escondeu caixas de prêmios nas principais cidades do mundo. No Brasil, The drop começou em agosto no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Lá, foi instalado um totem com QR Code, que trazia dicas para as pessoas “caçarem” prêmios espalhados na avenida Paulista (SP). Camisas autografadas, copos e um ano de cerveja grátis também foram distribuídos.
A ação faz parte da campanha global A Copa do Mundo é o nosso palco, estrelada pelo brasileiro Neymar Jr., o argentino Lionel Messi e o inglês Raheem Sterling. Criada nos Estados Unidos pela Wieden+Kennedy, essa campanha tem trilha inspirada na música Everybody wants to rule the world, da banda Tears for Fears. O nome oficial da canção, um dos oito singles oficiais desta Copa, é The world is yours to take, lançada na voz do rapper Lil Baby.
A marca ainda trancou uma long neck no abrigo de ônibus do número 901 da avenida Paulista. O acesso ao OOH premiado era feito por meio de um cadastro, que dava direito a um código especial. Para ganhar o pacote com acompanhante para a Copa, era preciso descobrir o segredo do cofre, uma combinação de seis números, que foi replicado também na cidade de Curitiba (PR). A ação é da Africa.
Com a Score Retail, da B&Partners, a Budweiser inovou na promoção Bud te leva para Copa do Mundo Fifa. Sem a necessidade de nota fiscal, a participação era efetivada apenas quando a garrafa com o QR code especial da ação estava aberta. Nas latas, foi colocado um pin code debaixo do anel de abertura. Serão ofertados mais de oito mil prêmios, entre ingressos para a Copa, televisões, mini geladeiras e vouchers do Zé Delivery, Empório da Cerveja e Netshoes, além de bonés, baldes e gift pack. Os sorteios vão até o dia 19 de dezembro.
Com Budweiser, Mike’s Hard Lemonade também entrou na roda. A marca da AmBev sorteará ingressos na promoção Mike’s te leva para a Copa. Whindersson Nunes divulga a iniciativa em parceria com Zé Delivery.