Réu confesso
O Facebook surpreendeu a todos, e em especial os grandes anunciantes e agências americanas, com a autorrevelação de que superestimou por dois anos suas métricas de contabilização do tempo médio empregado pelo total das pessoas que assistiam aos vídeos publicados nas suas páginas – as cifras, estimadas por especialistas de mídia, estariam na faixa de 60% a 80% a mais.
A autoconfissão veio acompanhada da ressalva de que o erro de cálculo já havia sido corrigido e de que não havia impactado o que se cobrou dos anunciantes. O prejuízo que poderia ter havido, nas palavras da declaração de David Fischer, VP de parcerias de negócios e marketing do Facebook, foi no planejamento de mídia. Alegou também que essa era apenas uma das métricas empregadas para prever e calcular o impacto das mensagens publicitárias em suas páginas e daqui para frente tudo está correto.
Essa é justamente a dúvida que se espalhou entre a comunidade de marketing e publicitária dos Estados Unidos e do mundo, devidamente relatada pelo Wall Stret Journal, Bloomberg e CNBC, que foi repercutida pela mídia ao redor do mundo. A revelação, feita há cerca de um mês em um post no Advertising Help Center do Facebook e informada pessoalmente aos grandes compradores globais de mídia com a máxima discrição possível, foi sendo noticiada aos poucos e incluída por agências de mídia como alerta aos clientes até as matérias que saíram com maior destaque em 22 de setembro passado.
A onda de descrédito e críticas vem aumentando a partir daí, com várias declarações públicas de líderes de anunciantes e agências, e ocorre no mesmo momento em que 17 grandes entidades do mercado, anunciantes e os próprios gigantes do digital, como Google e Facebook, decidiram pela criação da Coalisão para Melhores Anúncios, que na prática significa a intenção de refundar o digital enquanto mídia publicitária, para atacar as relevantes questões dos padrões de visibilidade, das inúmeras métricas sem consenso e sem auditoria independente, do duvidoso sourced traffic, da grande dimensão das fraudes, da fadiga precoce dos formatos empregados e do pesadelo do ad blocking, que talvez já tenha se espalhado por mais de 400 milhões de consumidores ao redor do mundo e continua crescendo.
Entre as vozes que se levantaram até o momento para comentar a preocupação com o erro do Facebook, é de se estranhar a ausência de mega players digitais, como o Google, seu maior concorrente e de onde o Facebook deve ter retirado parte de seu grande crescimento de participação nas verbas, que foi de 63% entre o segundo trimestre de 2015 e 2016. Uma explicação para essa complacência de outros veículos digitais importantes é de que, muito provavelmente, todos eles compartilham de um imenso telhado de vidro e estão engajados em buscar uma solução para problemas comuns – como a criação da própria Coalisão sugere.
Vale ressaltar que por anos o setor digital, com Google e Facebook à frente, tem fugido do conceito de haver o consenso tripartite de padrões e métricas e da imperiosa necessidade da auditoria independente, só havendo uma pequena abertura recente sobre a possibilidade de “começar a conversar” sobre o assunto.
O assunto, com certeza, esteve em muitas conversas durante a Advertising Week, realizada entre 26 e 30 de setembro em Nova York, Londres e Tóquio. Como esta coluna é escrita com antecedência, isso ainda é futuro, na perspectiva do autor, mas o leitor talvez já terá lido sobre o tema nos últimos dias ou estará lendo agora. Desta forma, este texto servirá como fonte sobre como tudo começou ou alerta para atentar às novidades sobre o affair, que será um importante símbolo para a mudança na acuidade dedicada às métricas do digital, que têm sido abordadas com irresponsável displicência pelos players e entidades digitais, bem como os próprios anunciantes e agências.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)