Que o Brasil faturou 91 Leões na edição deste ano de Cannes não é mais novidade, que o desempenho foi menor que o registrado em 2015 quando abocanhou 108, também não. Ainda que as inscrições de peças tiveram declínio de cerca de 10%, tampouco. A Propaganda foi buscar perspectivas. Traz nas próximas páginas artigos de três young lions, profissionais que pela primeira vez participaram do grande evento da publicidade mundial. São eles: Bruno Zampoli, Carolina Velloso e Fabio Santoro (ver perfil no box). A eles foi dada a missão de narrar suas experiências no Festival, com o tema livre, trazer suas percepções. Do outro lado, os veteranos Pedro Utzeri, diretor de criação da Leo Burnett Tailor Made e Eduardo Battiston, chief creative officer da Isobar Brasil, que também acompanharam in loco o festival. As convergências estão nos desafios, na tecnologia, na integração, no muito trabalho e na criatividade, é claro. O Brasil ficou em terceiro lugar no total de Leões conquistados, atrás de Estados Unidos e Reino Unido. Das 23 categorias, o país só não recebeu Leões em Glass, Creative Effectiveness, Innovation, Film Craft e Titanium. Foram 2.805 peças inscritas no festival, neste ano.

 

Uma experiência open-source

Por Bruno Zampoli, diretor de arte da Wieden+Kennedy 

Após saber o resultado do Young Lions ainda no Brasil, e as semanas irem se aproximando do festival, um countdown mental começa a correr, são milhares de pensamentos misturados com adrenalina, ansiedade e até uma agenda mental no estilo Google Calendar começa a se formar em sua cabeça, o famoso F.O.M.O. (Fear of missing out) acende em alerta vermelho. Você entra no avião, dá uma espiada novamente na programação até que… Você chega em Cannes e se dá conta de que a atmosfera é outra, a cidade te dá um “calma aí, cara”. As ruas, o clima, o sol e a vibração da cidade é contagiante. É a hora de tirar o bloqueio, abrir o código, e não se fechar. A experiência começa a ser escrita.

Ao deixar o código aberto, as possibilidades aumentaram e toda experiência contava. Dos amigos que você encontrava por acaso na rua, dos estranhos que as vezes puxavam assunto e dali surgiam risadas e histórias, dos paninis a palestras de caras como Brian Chesky, fundador do Airbnb, falando sobre um mundo sem muros e pessoas e não espaços. Passando por Sagmeister discutindo a beleza das coisas e ainda dando uma cutucada nos “belos” estandes ao longo da La Croisette e no logotipo do festival. Do esforço massivo da Samsung em trazer o VR à tona e ver como o NYT está se reinventando. Saber que até o Iñárritu se dobrou para filmar “O Regresso” e foi um músico frustrado. Dar risadas com o mestre Iggy Pop idolatrando o botão “skip ad” e por último, se inspirar com o John C. Jay, falando sobre autenticidade, pessoas, experiências e cultura. É muita coisa em pouco tempo, pouco tempo também para a competição do Young Lions.

Aproximadamente 24 horas a partir do briefing para resolver um problema usando mídias digitais. O briefing desse ano foi em cima de Gender Equality (tema poderoso), em que nosso objetivo era o de ajudar as mulheres que sofreram/sofrem algum tipo de violência a denunciarem. Conseguimos entregar nos 45 do segundo tempo, e com a missão cumprida de no fim ainda garantir uma medalha de Bronze para o Brasil. [ Mais uma linha de felicidade adicionada no código. ] Para mim, Cannes foi uma experiência open-source, foram muitas linhas de códigos com risadas, conhecimento, informação, histórias, poucas horas dormidas, paninis, festas e o melhor, escrita por muitas pessoas.

 

Cannes. Um festival 

Por Carolina Velloso, Wieden+ Kennedy

A primeira vez em Cannes a gente não esquece. Pode parecer um clichê, e é. Mas é a pura verdade para mim. Talvez porque essa primeira vez tinha um gostinho especial que nunca vai se repetir. Porque estar lá já era uma comemoração de ter conseguido o Young Lions. Talvez porque tive que criar, filmar e editar um filme em dois dias. Talvez porque era a primeira vez. Talvez…

Mas com certeza não vou me esquecer mesmo, porque carreguei muito de lá comigo. Tudo que vi, ouvi, aprendi e conheci. Ir pra Cannes me fez parar. E pensar. Parar e ouvir as pessoas. Quantas vezes fazemos isso? Porque no final, é sobre isso a nossa profissão. Sobre pessoas, e suas relações. Suas histórias.

Porque comunicamos para o mundo, mas devemos ouvir mais dele. E lá pude conhecer e ouvir as pessoas que palestraram no Palais, mas também as que caminhavam pelas ruas da Croisette. No Palais, com um bloquinho na mão, ou na rua com uma cerveja, toda história valia a pena. Valia a pena, parar e escutar. Parar e pensar.

Escutar palestras que falavam muito de retomar relações mais próximas, seja ela entre marcas e pessoas ou pessoas e pessoas. Escutar Sagmeister que falou sobre um valor tão antigo, a beleza, e sua importância na vida de cada um, ou Bryan Chesky, o fundador do Airbnb, que discursou sobre um mundo sem barreiras e um futuro no qual o resgate de valores como a confiança entre as pessoas só deve crescer. Ouvir a história inspiradora de Madonna Badger, e o seu projeto #womennotobjects na luta pela igualdade de gênero (um tema muito abordado no festival).

Lá ouvi histórias, mas também vivi muitas histórias para contar. Escutei histórias de pessoas que me fizeram pensar na minha: uma mulher, brasileira e redatora publicitária, que todos os dias conta histórias. Histórias que devem representar valores, mulheres como eu, e aproximar pessoas. Histórias que devem ser tão boas, quanto as que ouvi, e que vão melhorar e fazer diferença na história de alguém. Que vão fazer outros pararem e pensarem, assim como eu fiz. 

 

Uma câmera na mão, uma ideia na cabeça e uma produção f#%@ pra c#*#&@$

Por Fabio Santoro, diretor de arte na Lew’LaraTBWA

Este ano tive a oportunidade de ir ao Festival de Cannes como young lions e competidor em film. Categoria dura, talvez a mais dura de todas. E digo isso não para puxar a sardinha para o meu lado, mas porque ela requer conhecimentos que nem todo criativo de agência de propaganda tem. Bom, já chegaremos lá, mas, para começar, as 42 duplas competidoras assistiram uma apresentação feita pela organização do Festival em que foi apresentado o briefing, ensinou rapidamente como usar uma GoPro e deu uma aula relâmpago de 20 minutos explicando como editar um vídeo. Terminado, todas as duplas receberam a câmera e uma pequena mala com equipamentos (adereços para prendê-la na cabeça, no peito, um pau de selfie, etc.). A partir daí, teríamos 48 horas para pensar e fechar um roteiro, captar todas as imagens (este ano, diferente das edições anteriores, não podíamos usar trechos de filmes de banco de imagens), editar, sonorizar, montar e, finalmente entregar um filme de até 60 segundos. Para completar, uma outra particularidade dessa categoria: talvez seja a única em que os competidores têm as mais diferentes formações, ou seja, as duplas podem ser formadas por redatores, diretores de arte, designers, animadores, diretores de cinema e por aí vai. E isso faz toda a diferença quando se trata de um trabalho que não basta ter uma excelente ideia, e sim saber pensar numa ideia que caiba nesse prazo, que seja viável produzir e no fim usar seu conhecimento técnico prévio de edição de vídeo. É aí que o bicho pode pegar. No meu caso e da minha dupla, tivemos que correr atrás poucas semanas antes de embarcar para Cannes e ter algumas aulas gentilmente ministradas pelo pessoal das nossas agencias e de uma produtora que também ofereceu um curso rápido. Foi o que nos deixou mais seguros para participar e entregar um bom trabalho. Mesmo não tendo levado algum prêmio, a experiência valeu a pena e fez concluir que, mesmo numa competição de young lions, não tem essa de “o que conta é a ideia, a execução é secundária” ou ainda “os jurados vão considerar o conceito do filme e não no que foi captado. Não tem isso não, amigo. Já aprendemos há algum tempo que na publicidade uma boa ideia não é nada sem uma grande execução e, no film competition, não é diferente; ou você vai querer fazer feio para os jurados que, por sinal, são os mesmos que julgam a categoria de filme do Festival? O Brasil nunca abocanhou um prêmio nesta categoria do young lions. A próxima dupla pode ser você ano que vem: já comece a fuçar no Première e numa GoPro. Vai precisar!

 

O jogo da paciência

Pedro Utzeri, diretor de criação da Leo Burnett Tailor Made

Trabalhar em criação está, cada vez mais, se tornando um exercício de paciência. Não falo isso porque o processo interno das agências está mais difícil ou porque os clientes estão mais acuados devido à crise. Não, não é nada disso. Não estou reclamando ou sendo negativo. Nosso trabalho está se tornando um exercício de paciência porque a natureza dele está mudando e, cada vez mais, vamos ter que aprender a jogar esse novo jogo. 

Antigamente, nossas entregas eram filmes, anúncios e spots. Mesmo em uma campanha grande, o tempo entre criação, execução e veiculação era relativamente curto, alguns poucos meses no máximo. Você criava, rapidamente via o resultado na Veja ou na Globo e passava para o próximo job.

Hoje, temos trabalhos que ficam sendo executados por meses, às vezes até um ano. Isso cria uma tensão nos criativos que não existia antes, até porque sabemos que, no nosso mercado, quanto mais tempo você fica produzindo uma ideia, mais chances ela tem de ser mexida, desfigurada ou até morta.

Por isso temos que ser mais pacientes e mais inteligentes. Ter um cuidado maior com esses trabalhos. Trabalhos como campanhas integradas, campanhas Always on, desenvolvimento de produtos e novas tecnologias. Esses formatos demandam um tempo muito maior de todos nós.

E, por causa dessa demanda e dedicação, mais do que nunca precisamos fazer parcerias. Ter bons parceiros nessa hora é fundamental. Pessoas que não vão deixar você na mão no meio do processo. Parceiros, no cliente, que acreditem na ideia, que a protejam de todo o processo interno que existe nas grandes companhias internacionais. Que ajudem nas inúmeras reuniões que fazemos para vender essas ideias. Reuniões que podem ser contadas, às vezes, às dezenas ao longo de meses. Parceiros na agência: quando uma ideia demora tanto tempo para sair, é normal que as pessoas percam o tesão inicial e, se você não tem o apoio das outras áreas, ela pode morrer lentamente. É bom ter o planejamento, o atendimento e a mídia ao seu lado. Muitas vezes, eles podem ajudar a manter o trabalho no curso certo. Finalmente, precisamos de parceiros que sejam especialistas nesses novos formatos. Hoje, é normal falarmos com sociólogos, psicanalistas, químicos, programadores, desenvolvedores e até biólogos para produzir uma ideia. A sua ideia depende cada vez menos de você para existir, e isso acaba frustrando todos nós que trabalhamos em criação. Aquela frase do Thomas Edison que dizia que uma ideia de sucesso é feita com 10% de inspiração e 90% de transpiração nunca foi tão verdadeira. 

 

 

A era das marcas corajosas 

Por Eduardo Battiston, chief creative officer da Isobar Brasil

Analisando algumas das campanhas mais premiadas em Cannes este ano, uma mensagem ficou bem clara: começou a era das marcas corajosas. São marcas que descem do pedestal e se jogam. Elas apostam na lógica da falibilidade — “arrisco, logo existo”. E, por isso mesmo, fazem barulho e agarram as pessoas pelo coração. Os clichês que muitos estampam na plaquinha de missão e valores — “ter coragem, ser ousado, fazer diferente…” —, essas marcas colocam em prática, de verdade. E o melhor: com resultados incríveis.

O Burger King, por exemplo, convidou o McDonald’s a trabalhar em conjunto no Dia Internacional da Paz. A ideia era as duas redes oferecerem nessa data o “McWhopper”, combinação do “Whopper” e do “Bic Mac”. O BK ilustrou como seria o sanduba, criou um site e propôs que a renda arrecadada fosse direcionada a uma ONG que atua pela paz no mundo. Surpresa! O McDonald’s não topou, com resposta em alto e bom som. Mesmo assim — ou talvez por isso mesmo — o resultado foi bombástico. Repercussão mundial, com direito a grande expectativa em torno do sanduíche inusitado e muita reflexão sobre temas como competição, cooperação, pacifismo e publicidade. Como esquecer?

A Suécia também não ficou atrás com o “The Swedish Number”. Para contar ao mundo como é o país, o governo criou um número que encaminhava as ligações de forma aleatória a cidadãos suecos, que poderiam esclarecer dúvidas do interlocutor da forma mais espontânea possível. Pessoas de 178 países ligaram para fazer dos mais básicos aos mais esdrúxulos questionamentos –  até o primeiro ministro atendeu ligações. O objetivo? Promover o país como destino turístico, destacando um atrativo especial da cultura sueca: a liberdade de expressão. Saldo final: mais de 128 mil telefonemas e US$ 9 bilhões em mídia espontânea, ao longo de 253 dias de interação com gente dos quatro cantos do planeta.

Não menos radical foi a ação “#Optoutside”, da REI, famosa rede americana de equipamentos e acessórios para atividades esportivas como camping, montanhismo, pesca e afins. Em plena Black Friday, a REI fechou as portas, não atendeu ninguém e nem vendeu on-line. E mais: convidou todos os consumidores para um dia outdoor e liberou seus funcionários para fazerem o mesmo. Bingo! As menções de social media cresceram 7.000% e o retorno com mídia espontânea foi de US$ 2,7 bilhões, tudo em 24 horas. Houve efeitos colaterais: parques abriram de graça no dia, outras lojas fecharam e 1,4 milhão de pessoas fugiram da loucura das filas para aproveitar a luz do sol.

Por que essas marcas brilharam? Porque elas se humanizaram, se colocaram à prova de uma maneira antes impensável. Num mundo em que as pessoas estão cada vez mais céticas em relação à propaganda e bombardeadas por uma avalanche de informação, elas só se conectam com o que faz sentido e surpreende de verdade. Pensando bem, ações corajosas são, acima de tudo, falíveis, humanas, como todos nós. Elas não nascem com foco apenas em KPIs, nem de verbas espetaculares e muito menos de grandes certezas. É um tiro no escuro calculado, com agência e cliente prontos para lidar com o imponderável. Fica a lição: quem se arrisca, pode petiscar — e muito. Basta uma boa ideia e uma boa dose de coragem.