Certa inocência em torno do desejo de ser escritor levou Marcos Apóstolo para a publicidade. Bem pequeno, no bairro da Penha, no Rio de Janeiro, onde nasceu, já lia bastante – de enciclopédias da Abril Cultural aos favoritos Tin Tin e Asterix, leituras que lhe renderam, respectivamente, segundo relata, o desejo de viajar pelo mundo e o dom da ironia. “Eu não sabia o que era ser criativo, nem que existia esse termo. Duas coisas me levaram para a publicidade. Primeiro, eu precisava decidir o que fazer depois do ginásio e nada, nada que tivesse matemática como base principal, eu encararia! Segundo: lia no jornal O Globo a coluna do J. Roberto Whitaker Penteado – Propaganda & Marketing – e percebi que todo mundo conseguia lançar livros trabalhando em publicidade. Eu queria ser escritor e a publicidade me pareceu ser o melhor caminho. Sabia nada, o inocente”, constata Apóstolo.

Embora fosse mais dos livros e das leituras, Apóstolo desenhava bem – chegou a fazer histórias em quadrinhos. Seus primeiros empregos em estúdios de arte e pequenas agências vieram da sua habilidade no desenho. Ainda no Liceu de Artes e Ofícios, onde entrou para cursar publicidade, antes de se transferir para a Facha, ele conheceu o Ney Megale, com quem começou a ensaiar uma dupla, mas como diretor de arte. Foi Megale quem o chamou para o seu primeiro trabalho em criação – um estágio como redator –, na Norton Rio. O diretor de criação era o João Bosco, que se tornou uma referência profissional fundamental.

“Mesmo sendo uma época de grandes nomes, como Olivetto, Fred Coutinho, Júlio Ribeiro, Neil Ferreira, que eu admirava muito, principalmente, pelos textos – naquela época se escrevia texto –, a minha referência real e próxima foi o João Bosco. Ele era o cara no Rio para mim”, relata Apóstolo.

E era na sala de Bosco e de seu dupla que Apóstolo ficava na Norton Rio, sentado em uma lata de lixo improvisada como banco. Um dia, foi promovido: ganhou uma cadeira. Ao fim de três meses, foi contratado como redator júnior, e acabou virando oficialmente dupla do diretor de arte júnior Ney Megale. Juntos, atenderam Telerj, IBM, Carrefour, Chevrolet e Yoplait, entre outras marcas. Jovem e ainda estudante, mas já redator, criou e teve aprovado o slogan do óleo F1, o produto mais importante dos postos Atlantic, na época: “F1 – Campeão a toda prova”.

 

MERCHAN

Quando João Bosco deixou a Norton Rio, Apóstolo saiu da agência numa típica mudança de comando e equipe criativa e acabou indo para a Merchand, área de merchandising da agência Salles, após fazer alguns freelas para a UEB, house de um grupo de empresas, entre elas o shopping Rio Sul (que foi comprado pela Salles). De lá, ele foi trabalhar na house das Lojas Americanas e a parada seguinte foi a Denison, onde entrou para cobrir as férias do redator Aldyr Nunes, e mais tarde se tornou dupla de Fernando Barcellos (hoje na NBS). Mais uma dupla bem-sucedida – inclusive na amizade, segundo descreve.

Alguns anos depois, foi convidado para ir para a Artplan pelo então diretor de criação, Toninho Lima. Tempos depois, Chico Abreia retornou à Artplan como vice-presidente de criação, após montar sua produtora de filmes, a Yes.

“Tive a sorte de conviver com esses dois profissionais superpremiados (Lima e Abreia). Entrei como redator, virei supervisor de criação e, em certo momento, tornei-me diretor de criação. Fui muito sortudo por ter comigo uma turma jovem de talento único: André Kassú, Guilherme Jahara, Rafael Genú, Fabio Mota, Marcus Meirelles, Roberto Vilhena, a talentosa e saudosa Elisa (Guimarães) e muitos outros criativos que são uma referência até hoje”, conta.

Na Artplan, Apóstolo construiu amizades e viveu o job inesquecível de participar do retorno do Rock in Rio à Cidade do Rock, na terceira edição, “que mostrou a força da marca e o fez ser sucesso até hoje”.  Rock in Rio é um “xodó”, como ele diz, na sua história profissional.

“Não posso deixar de falar da minha admiração pelo Roberto Medina (então presidente da Artplan), que enxergava valor em produzir conteúdo e experiência antes de se falar em conteúdo e experiência. Uma convivência enriquecedora e desafiadora. E bem divertida, no meio da loucura”, conta.

Na Artplan, Apóstolo se tornou diretor de criação. Viveu pela primeira vez o desafio de ser inspirador, mesmo que o mundo esteja acabando ao seu redor. “O desafio é ser inspirador, mesmo quando seu cachorro acabou de morrer. É convencer a criação de que você pode contribuir com o trabalho, não porque o cargo o torna chefe, porque nem sempre o chefe tem razão. É tentar manter-se atual, mas trazer o que você sabe, sem ser professoral, mas também sem negar seu aprendizado e experiência. E, verdadeiramente, saber cobrar de forma justa da sua equipe. Tentar mesmo ser parceiro, porque dificuldades irão acontecer e ter alguém te esperando escondido atrás da impressora com uma faca, digamos, não é muito saudável”, diz.

 

CONSTRUÇÃO

Apóstolo acredita que o mais valioso na sua experiência profissional é ter construído relações duradouras e de respeito com as pessoas. “Você pode até fazer inimigos, mas não procure ser tão competente nisso. Há outras formas de se obter bons resultados. Acredito nisso”, afirma.

Apóstolo deixou a Artplan para trabalhar com marketing político em São Paulo. “Digamos que era um campo em que ideia e texto tinham o mesmo valor criativo. E eu queria não só deixar por um tempo o lado da iniciativa privada descansando, mas também viver a experiência de São Paulo, morando lá. Fui e aprendi muito, encontrei pessoas incríveis, vivi um Brasil fora do sul maravilha, indo trabalhar em outros locais. Ganhei experiência e conteúdo em uma área que desconhecia: a estratégia de comunicação política”, relata.

De volta ao Rio, surgiu a oportunidade de trabalhar na DM9DDB. Dois anos intensos, como ele descreve. Em 2010, entrou na Binder como diretor de criação e cerca de um ano depois se tornou sócio da agência, ao lado de Glaucio Binder – com quem trabalhara na Denison – e Flavio Cordeiro.

Ele brinca que chegou à Binder na “quinta temporada” de sucesso da agência e continua “vivo na série”. No balanço das temporadas, a principal conquista é manter a empresa forte e atuante no mercado.

“Acho que o principal orgulho é ter chegado depois e contribuído para tornar a Binder uma agência desejada e respeitada, mesmo sabendo que o processo de avaliação e aperfeiçoamento não para. É uma agência que promove o bem-estar das pessoas que trabalham aqui”, diz.

Com a Binder, veio o desafio de se tornar empresário, algo que, como ele descreve, sem ter medo do clichê, não é para amadores. “É difícil, sim, não há como negar. Mas também é bacana saber que você pode contribuir com sua forma de ver o mundo num ambiente em que você tem voz para transformar. O mercado do Rio sempre oscilou, como o país sempre oscilou”, comenta.

 

CONJUNTO DA OBRA 

No lugar de apontar uma ou outra campanha ou prêmios especialmente marcantes ao longo da sua vida profissional, ele prefere considerar o conjunto da obra. Atendeu a clientes importantes em um Rio de Janeiro onde havia uma quantidade bem maior de produtos e indústrias. Fez campanhas de refrigerantes antes chamadas “da Brahma”, atendeu redes de varejo como Carrefour e Ponto Frio, BarraShopping e Rio Sul, criou para Chocolates Garoto e Postos Petrobras. E relembra uma raridade: duas de suas campanhas para a Petrobras – feitas na Denison e na Artplan – foram ao ar exatamente como apresentadas nas concorrências.

Das campanhas que admira, estão o famoso repórter da Caixa Econômica vivido pelo ator Luiz Fernando Guimarães e criada na Artplan (assinada, entre outras pessoas, por Nizan Guanaes), e outras tantas da Talent (Brastemp, US Top, Semp Toshiba e Philco Hitachi). E uma, em especial, para a Fiat, que aconselhava, de um jeito avassaladoramente atual: “Tá na hora de rever seus conceitos.” (Leo Burnett, 1999).

Ídolos ele esclarece que tem na literatura, mas na propaganda admira particularmente algumas pessoas: Marcello Serpa, Fabio Fernandes, Mauro Matos, André Kassu, Eugênio Mohallem, Neil Ferreira e, indo para fora do país, e convocando o adolescente que escolheu a propaganda nos anos 1970, Bill Bernbach, Herb Lubalin (gênios, segundo define) e… Don Draper.

Denison, Artplan e Binder – onde hoje é diretor de criação e sócio – lhe deram oportunidades e lhe trouxeram prêmios como Colunistas, Cannes, Clio e Profissionais do Ano. Ele classifica premiações como reconhecimentos que fazem bem ao ego e, às vezes, ao bolso. Mas faz ressalvas: “As premiações e a forma de obtê-las criaram equívocos do valor do trabalho real, avaliações irônicas e um tanto de hipocrisia e exageros de reconhecimento. Hoje, com o perfil dos festivais, encontram-se formas de premiar que vão além da questão criativa clássica. Tudo pode, mas acho que nem tudo é válido”, afirma.

Entre um festival e outro ele confessa que gostaria, claro, de ganhar todos os prêmios, da mesma forma que gostaria que seu time de futebol – o Flamengo – ganhasse todos os campeonatos. O que o encanta, até hoje, na propaganda, é a perspectiva do novo. Estar diante de algo em plena transformação, que sempre foi a possibilidade de conviver com inúmeras áreas de expressão e que agora apresenta os caminhos reais e surreais da tecnologia.

“Se antes disputávamos clientes, agora disputamos a mudança da relação entre as duas necessidades: o cliente, de ser relevante para o seu consumidor que ganhou poderes; e nós, de estarmos prontos para nos anteciparmos ao acelerador de partículas que a tecnologia nos impôs. Por isso, não se trata mais de entregar o que sabemos, mas, justamente, entregar o que alguns ainda não sabem. É angustiante? É. Dá pra fazer sozinho? Não. Não temos tanto HD livre nem processador tão rápido para fazermos isso sem outros. Colaborativo é um dos caminhos. E isso muda a forma de fazer e remunerar, um nó ainda pouco fácil de desatar. Mas é isso ou é isso. Então, vamos nessa: ‘dar o nosso melhor’, como diria o centroavante antes do jogo”.

Apóstolo acredita que o futuro da propaganda é de alguma forma abandonar a si mesma e encontrar uma nova equação entre ser interessante e relevante. O desafio é colocar a dose exata de emoção num cenário em que o consumo é vilão, os cases se repetem, os dados oferecem uma precisão nunca antes vista, é preciso gerar fatos no lugar de ideias e criar conteúdos continuamente renováveis. A demanda é por mudança de cultura e de processos na era da “pós-moldura”, como costuma se dizer na Binder. “Enfim, tem muita água pra passar por cima da ponte, porque por baixo é fácil. Inclusive, criando mais pontes e não muros”, diz.

O que não muda, na opinião de Apóstolo, é a curiosidade – o desejo de ver outros universos, um atributo que o criativo tem e não pode perder, junto com o talento e a capacidade de seduzir ao contar uma história interessante.

E falar em histórias leva ao começo e à essência de tudo: os livros, que são a maior paixão do personagem desta narrativa, Marcos Apóstolo. Na literatura, sim, estão seus verdadeiros ídolos: como Sir Arthur Conan Doyle, John Steinbeck, Monteiro Lobato, Machado de Assis, Dostoievski, Graciliano Ramos, Philip Roth – e o maior de todos, para ele, José Saramago. Mais recentemente, Leonardo Padura.

Mais do que um ou outro livro, escritores marcaram sua vida – e renderiam, claro, outro papo de dimensões semelhantes à este.

Apóstolo fala que se não tivesse escolhido a publicidade lá atrás, enquanto perseguia seu sonho de publicar livros, certamente acabaria se tornado escritor. Por sinal, o projeto ainda está em “mode on”, bem como a ideia de um dia trabalhar com cenografia de teatro, por exemplo. São projetos futuros, viáveis enquanto perdurar sua capacidade de sonhar, de estudar, de produzir. Velhinho, ele se vê “jovem de cabeça”. E quem sabe dono de uma livraria, que vende, como ele diz, citando Millor Fernandes, essa “supertecnologia que nunca enguiça” chamada livro.