O ano mal começou, mas Aurélio Lopes, presidente da FCB Brasil e chairman da agência na América Latina, esbanja otimismo. Não é para menos. Apesar das dificuldades econômicas que dominaram o país nos últimos anos, a empresa que lidera há quase 

12 anos angariou, em 2017, oito novos clientes. “Uma das coisas que eu mais gosto de dizer é que não perdemos nenhum”, comemora. “Vamos ter o segundo melhor bônus da história da agência.”

 

Para ele, o ano passado também foi bom para o Brasil porque, ainda que com crescimento frágil, a esperança de melhores dias ressurgiu. Esse sentimento, ele diz, é bom para o país. “Acredito muito no potencial brasileiro mesmo com tanta coisa errada que a gente faz, como escolher mal nossos políticos, nos manifestamos menos do que deveríamos para que eles saibam o que queremos e não conseguimos, como país, definir que papel queremos ocupar no mundo.” O momento favorável da empresa vem de algum tempo e só nos últimos quatro anos ela conquistou nada menos que 39 Leões.

 

Estatístico pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas, instituição federal de ensino superior que faz parte do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, e pai de três filhos, Lopes se autodefine como um “cara do resultado”. Afirma ser “o pior atendimento da agência, o pior criativo, o pior mídia e o pior planejador”. No entanto, tem a responsabilidade de encontrar os melhores profissionais do mercado. Leia, a seguir, os melhores momentos da entrevista.

 

A FCB Brasil conquistou oito novos clientes em 2017, um ano difícil para a economia brasileira. Qual o segredo?

Foi um ano surpreendentemente muito melhor do que havíamos imaginado. Tivemos a benção de conquistar novos clientes, mas uma das coisas que mais gosto de dizer é que não perdemos nenhum cliente. Tentamos não comemorar demais o sucesso porque alguns têm o prazo de validade de um iogurte. Mas a agência teve o segundo melhor bônus de sua história, o primeiro foi em 2014. Obviamente um grupo pequeno de pessoas, talvez 10% da empresa, vai ter esse reconhecimento. São diretores, gerentes que cumpriram uma série de regras e objetivos.

 

Considera que a agência esteve na contramão do restante do país?

Acho que o Brasil teve, em 2017, um grande ano também. Claro que estou falando de forma relativa porque o crescimento do PIB foi de 1%. Mas, tenho ouvido especialistas dizendo que a expectativa para o ano que vem é de 3% e, dependendo de um conjunto de coisas, esse número pode virar um 3,5%. A melhor parte desse 1% é a sensação de que voltamos a acreditar no crescimento. Os anos anteriores a 2017 foram terríveis. Olhando para a performance da FCB, posso afirmar que confiamos nesse otimismo um pouquinho antes e trabalhamos cuidando para que as coisas pudessem ser realizadas. Aliamos a essa convicção uma filosofia da agência, que chamamos “We are makers”, que é mais do que um conjunto de palavras. É uma cultura colaborativa, em que aproximamos o pensar do fazer. Sabemos que a comunicação mudou, que a dinâmica de planejar, criar, fazer mídia é muito mais coletiva e ampla do que um tempo atrás.

 

Foi a combinação entre acreditar no futuro e no trabalho coletivo que rendeu bons resultados?

Do ponto de vista prático, o crescimento econômico é pequeno e foi pequeno para alguns segmentos. Mas o Brasil cresceu porque a agricultura ajudou, porque a indústria de carros ajudou. Mas tirando
esses dois efeitos, o Brasil andou mal. Por outro lado, a inflação caiu, alguns alimentos tiveram uma redução de preço. Só que os salários estão diminuindo há anos. Um ano de alívio no preço de alimentos não vai resolver a vida de quem está desempregado ou tem dívidas para pagar. Entretanto, com o desemprego voltando a diminuir e a taxa de juros mais baixa, há um otimismo porque, com essa conjunção, as pessoas vão ter coragem de comprar uma geladeira, trocar de carro, fazer uma reforma na casa. Esse ânimo é bom para o país. Acredito muito no potencial brasileiro mesmo com tanta coisa errada que a gente faz.

 

Como o quê?

Escolhemos mal nossos políticos, nos manifestamos menos do que deveríamos para que eles saibam o que queremos e não conseguimos, como país, definir que papel queremos ocupar no mundo. Temos espaço geográfico para ser o maior produtor de commodities do mundo, mas também temos uma população muito grande e carente, que poderia desenvolver várias outras indústrias, como a de  tecnologia. A Índia ocupou esse espaço. A China resolveu ser a maior fábrica do mundo, os Estados Unidos têm 500 cidades ótimas para morar. O Estado da Califórnia é o mais rico do mundo. O Brasil tem oportunidade de espaço físico, subaproveitamento em todas as indústrias, os serviços são todos ruins. Não consigo dizer uma coisa que no Brasil é referência para o mundo.

 

Em comparação com os Estados Unidos?

Quando falo de cidade, penso em Orlando porque tenho uma experiência de vida ali, onde comprei uma casa em 2009, quando o dólar estava barato. Foi uma oportunidade de negócio, além de ser uma cidade que é o paraíso para quem gosta de golfe, que é o meu caso. Veja, o celular é um aparelho moderno no mundo todo, mas tem lugar no Brasil que a gente não consegue falar, a rede não funciona, não tem wifi em vários pontos, o consumidor é roubado porque o aparelho ainda tem um valor enorme aqui. Não temos transporte ferroviário, o aéreo é caro e todo mundo vai para as estradas, que ficam com um trânsito homérico, muitos buracos, há roubos de cargas, as pessoas são assaltadas. Quando olho para o Brasil, vejo que, em qualquer atividade, temos um nível de serviço mediano. Exemplos simples: a pessoa precisa de um encanador e não consegue achar; eletricista, quando acha, pode ser enganador ou golpista, marca e não aparece. Aqui tenho uma estrutura em casa, mas em Orlando só conto com uma diarista que, por acaso, é brasileira. Ela abre a casa a cada semana, a cada 15 dias, vê a correspondência e tal. Lá já precisei trocar ar-condicionado, arrumar geladeira, tratar da jardinagem. Todos esses serviços eu consigo pelo celular por zona geográfica. Marco hora, as pessoas aparecem e são confiáveis porque, de fato, a história de confiança com os prestadores de serviço é maior lá, onde as pessoas conseguem viver porque os custos não são absurdos, todo mundo trabalha e todo mundo ganha dinheiro.

 

O senhor pensa em se mudar para Orlando?

Não, porque acredito no Brasil, o que não tem nada a ver com não enxergar as dificuldades do país. O Brasil tem um monte de oportunidades em várias áreas, como disse. Mas tem o outro lado da história que é o povo brasileiro. Os executivos brasileiros são muito versáteis. Quantos deles nos Estados Unidos viveram crises? Na Europa, Alemanha e Inglaterra, que são países mais estáveis, eles estão acostumados a gerenciar um crescimento de 1%, 2% ao ano. Tem um monte de empresa americana e europeia contratando brasileiro há mais de 20 anos. Henrique Meirelles, nosso ministro da Fazenda, pretenso candidato ao cargo máximo do Brasil, foi presidente do BankBoston por muitos anos. Há multinacionais com brasileiros ocupando posições de destaque pela nossa versatilidade. Estamos acostumados a gerenciar na crise ou na fartura, na facilidade ou na dificuldade. O Brasil é criativo.

 

Mesmo com todas críticas que tem ao Brasil, o senhor considera que as perspectivas são boas?

Estamos otimistas. Realmente acho que em 2018 teremos a chance de ter um grande ano por algumas questões. O país se preparou em 2017 para fazer este ano melhor. Tivemos um crescimento de 1%, sabendo que grandes coisas já se desenvolveram, como a agricultura e o mercado automotivo. Outros percentuais de crescimento virão pela frente e vão atingir nossa vida no dia a dia, vão dar chance para outras pessoas experimentarem o gostinho do otimismo. Historicamente, ano de eleição é de investimento, seja do governo ou da iniciativa privada. Mas antes da eleição temos a Copa do Mundo.

 

Mas Neymar está machucado…

Muitos acreditam que o fato de o Neymar ter se machucado agora pode ser positivo porque ele vai se preparar para chegar bem na Copa. Se ele estivesse jogando no Paris Saint Germain poderia se machucar às vésperas do torneio mundial e ficar fora. Mas agora ele precisa ficar parado para se recuperar. Além disso, o Brasil está bem como equipe. Isso significa investimentos, patrocínios. As condições macroeconômicas são boas, o desemprego está caindo, a inflação está baixa, assim como a taxa de juros, e tem dinheiro novo entrando na bolsa, o que é uma oportunidade para crescer. Espero que os investimentos que venham para o Brasil nos próximos tempos possam, inclusive, prestigiar cidades menores.

 

O que quer dizer?

A Toyota criou uma fábrica monstruosa em Porto Feliz, a 100 km de São Paulo. Vai transferir gente para lá, vai contratar pessoal da cidade, de Sorocaba e de Itu. Estamos acostumados a contar apenas com mão de obra nos grandes centros e os investimentos globais acabam caindo de paraquedas nas principais capitais. Durante anos teve incentivo, como renúncia fiscal, para que fábricas fossem montadas em outros pontos que não em São Paulo ou Rio de Janeiro. E vai ter muito investimento novo. O Brasil representa uma combinação de coisas muito interessantes.

 

Como assim?

Que país é grande o suficiente, super-subdesenvolvido, com uma população carente de absolutamente todos os tipos de serviço e que permite que o estrangeiro venha fazer negócios aqui? Índia e China, os maiores países do mundo, já estão abertos. A Rússia ainda é um buraco complicado, difícil de entrar. Por acaso, assinei alguns contratos que envolviam a Rússia e descobri que não existe contrato em inglês, precisa ser em russo. Imagine. Tem ainda a África do Sul, que acabou de expulsar seu presidente, assim como o Brasil, só que tem menos população e uma renda média ainda menor, existe muito desequilíbrio (Jacob Zuma renunciou à presidência em fevereiro deste ano). Mas o Brasil tem uma posição privilegiada e o potencial é grande. Não investimos nas grandes prioridades. São Paulo tem meia dúzia de grandes hospitais para quem paga planos caros. O Rio de Janeiro, que é a segunda maior cidade do Brasil, tem o Copa D’Or, que os cariocas pensam que é o Einstein. Depois da capital fluminense, a segunda cidade do Rio é Campos dos Goitacazes, onde a Petrobras sempre foi muito forte, mas até hoje uma parte da estrada é mão dupla. Há cinco, seis anos privatizaram a estrada, mas ela continua assim. É muito atraso. Tenho uma preocupação tremenda com o Rio de Janeiro pela segurança, eu sou de lá, embora esteja em São Paulo desde 1998. Tenho família no Rio, uma de minhas filhas mora lá e eu digo. “Se tiver a opção de não sair de casa por um tempo, opte por ficar em casa”. Ainda que seja só por um tempo.

 

É preciso muito esforço para o país crescer?

Vivemos com dificuldades e corrupção, onde não existe renda necessária para recolher tributos necessários e seriedade para usar esse dinheiro. Mas, sem dúvida, temos potencial para crescer. Já tive duas oportunidades de morar fora, em Nova York, uma cidade que gostaria de viver. Mas não fui porque não quis, considerei que seria mais feliz aqui profissionalmente e também por questões familiares. E estou feliz da vida.

 

Voltando para a FCB. A agência conquistou muitos prêmios nos últimos tempos. Esse reconhecimento tem a ver com o aumento da cartela de clientes?

Essa questão é muito curiosa. Sou estatístico da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, fiz MBA e tal. Sou um cara do resultado, do foco, e, como sou o pior atendimento da agência, o pior criativo, o pior mídia e o pior planejador, só me coube a responsabilidade de encontrar os melhores para fazê-los trabalhar no que chamamos de norte único compartilhado. A bússola tem de ser a mesma, todo mundo precisa entender e tentar diminuir ao máximo o esforço de um atrapalhar o outro. Aqui evitamos a palavra eu, preferimos nós. Também não apoiamos gritaria, não gostamos de nichos, fofocas, conflitos. A FCB é uma agência muito respeitosa com seus funcionários, faz parte de sua história, um comportamento que tem a ver com o meu. Ela acredita no sucesso coletivo. Assim, temos um nível de engajamento coletivo bastante alto, que é medido por pesquisa. Um prêmio tem o poder de transformar a agência, de fazer acreditar no valor da criatividade bem pensada, bem produzida e bem divulgada. Sempre pensei que quem se dava bem eram só os criativos, mas não. Um prêmio mexe com todo mundo. Inclusive temos prêmios internos de reconhecimento para atendimento, mídia, planejamento e criação. Em muitas situações, uma boa ideia premia meia dúzia de pessoas. Não se coloca de pé um grande projeto sem que a agência toda trabalhe. Nós não temos um departamento criativo, nós somos uma agência criativa. Não existe a menor possibilidade de a criação ter uma ideia que não seja apoiada pelo atendimento, planejamento e mídia.

 

A agência trabalha com todas as mídias?

Sim, só não fazemos eventos. Se eu tiver de preparar um evento, vou chamar alguém que o faça bem. Só que eu sei que evento quero fazer, que pessoa quero colocar e o que eu quero que ela saiba sobre aquele evento. O que eu precisar acoplar, mesmo não tendo a competência, vou buscar a solução para o meu cliente. A maioria deles está reduzindo a estrutura de marketing interno e precisa de parceiros que arrumem soluções. A FCB se posiciona como uma agência integrada e integradora.

 

Quantos funcionários a empresa emprega?

Já tivemos 300, hoje somos 250. Parte dessa redução teve a ver com a crise, mas parte tem a ver com troca de perfil. O pensamento da comunicação não é mais linear, que continua necessário, mas não é mais o suficiente. No conceito makers, um dos pilares que apoia e aposta é o que nos permite abrir as cabeças numa dinâmica diferente, em uma quase gincana diária para fazer as coisas acontecerem, só que fazemos isso com método e processo para ter velocidade. Temos um case que ficou conhecido, que é “Nívea Doll”. Essa boneca está, se não me engano, em sete países e já existem bonecas negras, orientais, de etnias diferentes. Por que uma agência iria criar uma boneca? Nós a produzimos totalmente, descobrimos a tinta que reage aos raios UV para que pudéssemos educar as crianças sobre o sol, para que elas aceitem que seus pais passem protetor solar em seus corpos. Aqui tem estratégia, tecnologia, indústria química, importação. A dinâmica mudou e entendemos isso com clareza.

 

A reforma trabalhista alterou a rotina dos funcionários ou a forma de contratação?

Todos são CLT, a reforma não ocorreu para acabar com a CLT. O que ela nos deu, e ainda estamos aprendendo a ler o que ela nos deu, foi uma série de pequenas alternativas para gerenciar um segundo tipo de profissional. O core tem trabalho full time. Mas existem, principalmente com a transformação da comunicação, muito mais tipos de profissional. Surgiu o cara de redes sociais, o youtuber, o gestor de influencers, o create technologies. Será que preciso o tempo todo de gente em escala trabalhando comigo? Um freelancer, depois de três meses, virava um risco trabalhista. Hoje posso contratar um
freelancer para seis horas por dia. Temos a chance agora de gerenciar talentos sem riscos trabalhistas. Só não sabemos ainda o jeito certo de usar as condições da reforma.

 A FCB Brasil participa do Sinapro (Sindicato das Agencias de Propaganda
do Estado de São Paulo)?

Sim, a gente apoia, participa.

 

A agência faz campanhas políticas?

Não, estamos totalmente fora. Isso é uma determinação global, ainda bem. Porque se fosse uma questão local, eu não faria.

 

Como está vendo o quadro político para a próxima eleição presidencial?

É muito difícil falar disso e misturar a pessoa física com a jurídica. Eu, pessoalmente, prefiro ter uma solução séria e conservadora neste momento do que escolher um aventureiro cheio de histórias para contar. Nesse caso, pessoas como Geraldo Alckmin, Henrique
Meirelles… Essa linha de pensamento me agrada muito mais do que acreditar em qualquer outro candidato louco que vem solucionar todos os nossos problemas e vai ser mais uma grande mentirada. Alckmin é low profile, se expressa pouco, se expõe pouco, mas sei que é um cara sério e espartano. Adoraria que João Doria já tivesse feito o trabalho em São Paulo e estivesse pronto para buscar esse espaço, porque ele também é sério e trabalhador. Tive a honra de conhecê-lo e estar com ele em vários projetos no passado, é um cara extremamente focado, muito produtivo. Precisamos de alguém que organize o nosso mapa. Estamos vindo de uma crise, mas estamos mais leves e preparados para evoluir.

 

Desde o fim de 2006, o senhor é responsável pela operação no Brasil da FCB. O que
pode contar sobre esses quase 12 anos?

Nós nunca tivemos um ano negativo e isso, obviamente, é motivo de orgulho. Nesse período, só em dois anos não cumprimos a meta que deveríamos ter feito para ter bônus. Nossa história é uma história positiva.

 

O senhor também é chairman da agência na América Latina. Onde está a maior parte da receita?

A maior parte está no Brasil e é assim por décadas. Aliás esse é o padrão da maioria das agências,
60% do negócio da publicidade está em solo brasileiro. Temos uma cultura de investimento em comunicação bastante forte. Meu papel como chairman é de estruturar uma sinergia na região de maneira integrada.