Com mais de 30 anos de atuação em agências e entidades do setor, Luiz Lara é um dos nomes mais influentes no mercado publicitário brasileiro. Formado em direito pela USP, profissão que nunca exerceu, antes de entrar para o mundo da propaganda atuou em promoções, tendo começado no braço da Almap para o setor, nos anos 1980. O sucesso nessa área o levou a ser convidado para o diretoria das autarquias governamentais voltadas à promoção e ao turismo, Embratur e Paulistur. Empresário de sucesso, em 1992 fundou, ao lado de Jacques Lewkowicz, a Lew’LaraTBWA, hoje uma das maiores agências do país, na qual permanece como chairman. Foi também presidente da Abap – Associação Brasileira das Agências de Publicidade.

Paulistano, casado e pai de quatro filhos, Lara coleciona diversos prêmios em sua carreira. Em 2015, ficou entre os 20 publicitários mais influentes do Brasil em enquete realizada pela revista GQ Magazine. No mesmo ano, foi homenageado no Fórum de Marketing Empresarial por sua contribuição ao mercado publicitário.

Na entrevista a seguir, ele fala das perspectivas do setor para este ano, dizendo-se otimista em relação à retomada dos negócios e à política. Discorre também sobre os possíveis caminhos da publicidade para o futuro próximo.

 

O que você espera desse ano, quais as perspectivas do mercado da propaganda?

Eu estou otimista, um otimismo realista.   Acho que o pior da crise já passou. As vendas do fim do ano de 2017, no último trimestre, especialmente no Natal, são dados oficiais, cresceram 5,7% e eu acredito que neste ano o nosso mercado publicitário volte a crescer dois dígitos por três razões. Primeiro, o crescimento do PIB brasileiro. Eu acredito que a economia como um todo, vai crescer entre 2,5% e 3% este ano. Segundo, é um ano de Copa do Mundo, o que sempre, como um grande evento, ativa todas as plataformas de mídia no nosso mercado, TV aberta, TV a cabo, mídia impressa, rádio e o mundo streaming, o mundo online. Porque o futebol é um evento de uma grandiosidade e impacto muito grande. O Brasil tá com um bom time e isso vai atrair muitas campanhas, muitos anunciantes. Mesmo aqueles que não estejam oficialmente envolvidos vão ativar o mercado.

 

Um encadeamento

Isso mesmo. E por uma terceira razão que eu acho que não basta apenas a reação da economia e a existência da Copa do Mundo, o crédito está voltando. E com o retorno do crédito o consumo começa a se ativar em vários segmentos.

 

Esse crédito voltando você atribui a que, à queda dos juros?

Os bancos, no período crítico da crise, tiveram de lidar com muita inadimplência. Agora, há uma sobra de crédito e as pessoas podem voltar de novo a consumir. Isso a gente vê em vários segmentos. O de automóveis já cresceu 10%, fechando o ano com mais de 2 milhões e 200 mil carros vendidos. Especificamente aqui a gente vê a Nissan com 3,7% de market share, com o Kicks como vice-campeão de vendas mesmo num mercado muito competitivo.

 

O pior da crise passou ou ainda é cedo para falar isso?

A gente vê o segmento de alimentos voltando a performar muito bem. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, falou que a principal razão da inflação terminar 2017 abaixo da meta de 4,5% foi a queda nos preços dos alimentos. A gente vê uma Friboi voltar a vender carne, lançar novamente o seu esforço de mídia com a Maturatta Friboi no ar, lançar uma nova marca num nicho mais sofisticado para competir com o Angus. Você vê uma Apple fechando bem o ano com um consumo mais ativo de smartphone, você vê uma Cacau Show, que teve um Natal muito bom e prevê uma Páscoa muito boa. Independentemente da sazonalidade de uma grande data, como é a Páscoa e o Natal, e o Dia da Mulher, 8 de março, uma data importante para a Cacau Show. A Coty, com marcas extremamente queridas pelas mulheres brasileiras, marcas populares como o Monange, Paixão, Cenoura e Bronze, Risque e Bozzano, performando muito bem, incomodando líderes de mercado. Vê a Gatorade ativando a sua marca porque é um ano de Copa do Mundo. Vai ser um ano muito bom.

 

O mercado sobreviveu…

O mercado publicitário soube enfrentar uma crise, que foi cruel, e os anunciantes e as agências souberam se posicionar ao lado dos clientes. Mas numa crise é inevitável uma pegada mais tática, mais promocional. Agora, eu vejo a volta das campanhas institucionais, de branding.

 

Havia uma pegada muito promocional em função da crise, um recuo tático como você colocou?

É uma pegada tática, mais do que um recuo. No recuo do mercado você tem metas de venda para bater, tem de sobreviver, precisa acelerar o seu marketing. Você tem de mexer no seu mix de produtos e na sua precificação, porque precisa preservar o mínimo do seu negócio, as suas margens. Agora, no momento em que o crédito volta, a economia melhora. Este ano não vai haver um crescimento vigoroso, espetacular, mas eu até acho mais positivo que seja um crescimento consciente da volta do consumo com cuidado, para não haver um excesso de aceleração e um novo ciclo de inadimplência. Então eu acredito que o brasileiro, que é um povo que sabe enfrentar crise, que sabe superar crise, está muito preparado e muito maduro para usar a queda da inflação para voltar a consumir de uma forma responsável. E eu acho isso extremamente importante.

 

Então, o que vai mudar no comportamento das marcas em função desse novo cenário que você está desenhando? As marcas estavam focadas no promocional, agora voltam ao institucional. O reforço da marca seria a nova estratégia?

Isso. Aqui na TBWA a gente acredita muito no disruption live, porque a nossa missão é colocar as marcas na velocidade da cultura do tempo que a gente vive. Então, nós temos aqui o backslash que todas as manhãs, aqui na agência, nós sabemos os principais assuntos que estão sendo tratados no Brasil e no mundo. Uma semana onde houve, por exemplo, a cerimônia de entrega do Globo de Ouro, do papel preponderante da mulher e o símbolo de muitas delas, atrizes importantes, usarem o preto e, simultaneamente, com uma revista impressa de grande circulação, do peso de uma Veja, falar da questão do assédio sexual mostra a questão do empoderamento feminino e da nova atitude que as mulheres têm e todos nós, enquanto cidadãos e consumidores, temos de ter com relação a esse sistema. É um assunto que, se você quer colocar a marca de forma pertinente na conversa das pessoas, você tem de traçar muito bem como você vai inserir essa marca na cultura, daquilo que está sendo vivido hoje. E se o propósito que a marca tem, se a causa que a marca defende, se o jeito de ser e de fazer dessa marca tem pertinência com aquele tema. Então, hoje a comunicação é 24 por 7.

 

Você está aqui 24 por 7?

É 24 horas por sete dias da semana. Hoje as marcas estão no palco em caráter permanente. Não existe mais tempo diferido. As marcas não podem mais impactar os consumidores só no momento da campanha. As marcas têm de estar conversando com o consumidor o tempo todo, falando a linguagem deles, falando a tendência que as pessoas estão discutindo nas ruas, nos pontos de ônibus, nos bares, na volta às aulas, nas escolas e nos escritórios. Então a gente precisa usar o disruption live de forma muito pertinente para, a partir da detecção dessas tendências do backslash, a gente desenvolver uma estratégia aqui que tem uma pegada muito digital.

 

A plataforma digital leva vantagem?

Eu diria que não é que leva vantagem. A plataforma digital nunca está sozinha, tem de ser usada de forma integrada e efetiva junto com as demais plataformas de mídia. A mídia impressa, seja revista ou jornal, é uma mídia que dá grande peso e credibilidade para qualquer notícia. Porque as marcas de revistas ou jornais, em um mundo onde se propaga muito fake news, aproximam o consumidor da verdade. E os colunistas, os articulistas, os editores desses jornais têm uma relação de confiança, uma conexão muito forte para as pessoas que leem. Então, eles cumprem um papel fundamental. A TV aberta num país extremamente televisivo como o nosso, porque mesmo o meu filho de 12 anos passa o dia vendo TV no celular, é fundamental.  A TV a cabo tem um papel fundamental também na construção de imagem, ela cumpre um papel muito importante de tráfego e alavancagem de venda. O rádio é um veículo que dá a sensação de pertencimento na cidade, no local onde aquilo está ocorrendo. E as redes sociais. Aqui a gente tem uma pegada digital fortíssima e o Felipe Luchi, nosso sócio e CCO, comanda uma equipe que coloca a Nissan, a Cacau Show all is on na conversa das pessoas, sabendo trabalhar essas tendências de uma forma muito pertinente do jeito de ser e fazer de uma marca. É isso que vem fazendo a Lew’LaraTBWA ter tido um bom ano em 2017, com crescimento, e apostar, não só nós, como acompanhando todo o mercado, em um crescimento de dois dígitos em 2018.

 

E a base de tudo é a criatividade?

A criatividade é o que paga nossa luz, é o que paga os talentos e tudo aquilo que a propaganda brasileira representa. A criatividade permeia a atividade. A criação não é um feudo. A criatividade numa vida all is on e numa estrutura absolutamente integrada como nós temos aqui você não sabe mais se a ideia nasce necessariamente na criação ou nasce de um backslash, de um insight do planejamento ou de uma ideia trazida pela área de mídia de não mais começar uma campanha a partir de filme. Isso acabou. Nós começamos partindo talvez de uma ideia de uma ação de experiência que reverbera nas redes sociais e pode terminar num filme ou num spot de rádio ou num anúncio de jornal e revista. Então, o fato é que hoje o atendimento, o planejamento, a criação e a mídia precisam estar absolutamente integrados com o digital permeando tudo junto com as outras plataformas. Marcas no palco, acabou on e off. Essa capacidade de colocar as marcas nas conversas das pessoas de forma pertinente, criativa e relevante é que mede a eficácia do esforço que foi feito.

 

Como o mercado acompanha essa revolução?

O mercado está aí. São 206 milhões de pessoas. O brasileiro é consumidor. É impossível acordar sem desejos. Nós temos desejos em todas as áreas. E nós precisamos fazer propaganda de forma ética, criativa e responsável, para estabelecer essa conversa com o consumidor. Ficou mais fragmentado? Sim. Ficou mais difícil? Sim e não. Porque por um lado você tem muito mais soma, troca e interações com esse consumidor do que antes que havia o tempo diferido. Eu preciso ver o Pedro pegando uma revista para ver propaganda?. Eu preciso ver o Pedro lendo um jornal para ver propaganda? Ou o Pedro vendo televisão para ver propaganda? Não, hoje está tudo junto e misturado. E o número de contatos com a marca ou com os produtos e serviços de maneira geral aumentou exponencialmente. E essas interações fazem com que nosso desafio enquanto cogestores da marca, junto com nossos clientes anunciantes, seja de maior responsabilidade. Porque a marca não pode se comportar de uma maneira de manhã nas redes sociais e de outra à noite, quando o Pedro está assistindo a  um comercial de televisão na novela que ele assiste. Precisa ter o mesmo propósito, o mesmo posicionamento, o mesmo jeito de ser e de fazer para ser relevante e para conversar e se conectar realmente com o Pedro. Lembrando, também, que o Pedro já não é mais também um consumidor passivo. Ele tem a tecnologia a seu favor, um diálogo com a marca, um relacionamento com a marca, uma experiência permanente com a marca porque você recebe e produz conteúdo e, ao receber e produzir conteúdo, você é coautor da marca. Se nunca as ideias nos pertenceram, naquele momento em que elas entram pertinentemente, se conectam com as pessoas, elas são das pessoas, como as marcas, né?  As marcas pertencem às pessoas, as marcas são tratadas por elas como algo com as quais elas se identificam.

 

Esse fenômeno ajuda o criativo?

Tem o lado bom e tem o lado ruim. Porque obriga a marca a ter um posicionamento muito consistente para enfrentar uma eventual minoria ruidosa que existe no radicalismo do mundo digital, onde você está sujeito a ter o seu propósito combatido. Mas você não pode mudar o caminho simplesmente por causa de uma crítica ou de uma minoria ruidosa. Respeitando a opinião de cada um, você tem de consistentemente explicar, de um jeito memorável, relevante, criativo e impactante, por que você é assim. Impossível agradar tudo, impossível agradar a todos. Prefira aqueles que te preferem e marcas que se conectem com aqueles consumidores que você prefere. Claro que a ideia é sempre crescer e a propaganda cumpre um papel fundamental de conquistar, fidelizar e manter essa conversa com novos consumidores. Mas tem a consistência, tem a relevância. Respeite o tempo que o consumidor te dá. Porque tempo é o bem precioso mais caro. Não é o dinheiro dele, não é o bolso dele, não é o cartão de crédito dele, é o tempo. E ele não dá o tempo, ele vira o rosto se ele não respeita a mensagem, se ele não se identifica com a sua marca.

 

Você está bem otimista, né?

É que é um momento fascinante mesmo, uma delícia. 60% dos 280 colaboradores da Lew’LaraTBWA têm em torno de 26 anos. Isso é fascinante. Como diria Gilberto Gil, “nós nos reenergizamos” com esses jovens. Então, esse mundo é fascinante. As mídias não vão desaparecer e uma vai substituir a outra, é tudo junto e misturado, tudo convive aqui e agora. E são essas questões que fazem a gente ter um diferencial muito grande, que estão sendo discutidas, às vezes até com um certo exagero, mas vieram para ficar. Questão identitária, questão do emponderamento da mulher e emponderamento do homossexual vieram para ficar. Porque antes tudo isso já existia, mas hoje tudo está no palco. Porque tudo está exponencialmente exposto. De novo, para que cada um defenda a sua causa, para que você defenda a sua causa, eu a minha, precisa ser pertinente, caso contrário não vai cativar, não vai conquistar. Mas isso veio para ficar.

Para encerrar, como nós estamos em 2018 não dá para fugir da pergunta. Na política, teremos as eleições. Isso pode ser uma pedra no caminho?

Olha, eu acho que é muito difícil ter saldo médio emocional na política. Num ano de eleições, nós ainda vivemos num país que tem uma democracia muito jovem, mas acredito que temos uma excelente oportunidade para, passada toda crise que enfrentamos – crise econômica, crise ética, crise política – temos as instituições funcionando no âmbito do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, temos uma sociedade brasileira que já foi às ruas criticar em 2013, voltou às ruas em 2014 e em 2015 e pode parecer apática, mas é informada, sabe o que está acontecendo, está acompanhando os fatos, tem opinião, pode radicalizar nas redes sociais mas não necessariamente a presença dessa minoria ruidosa na internet representa a opinião média do povo brasileiro. Acredito, como cidadão, que, no tempo certo, vamos ter uma campanha eleitoral, uma oportunidade para discutir temas importantes da agenda para o país avançar. Num país tão desigual e tão injusto como o Brasil, com a questão do tamanho do Estado, a questão dos programas sociais, é fundamental dar igualdade de oportunidades e mais acesso à saúde e à educação para aqueles que são cidadãos menos favorecidos, se não eles não têm condições de competir meritocraticamente com você que teve educação. Essa é uma preocupação que precisa estar muito presente em qualquer programa de qualquer candidato, de qualquer partido. E enfrentar as questões que o brasileiro cada vez mais está consciente, que para ter direito tem dever, direitos e deveres andam juntos. E as questões das reformas vão fazer parte da nossa agenda e elas vão ter de ser enfrentadas respeitando toda opinião e toda diversidade.

 

Eu ia perguntar se você é otimista em política também

Sou otimista de que vamos eleger um candidato que caminhe pelo centro. Que traga para o Brasil serenidade, equilíbrio e segurança, fortalecendo as instituições democráticas e pondo o país num rumo claro. Que, se não tenha a concordância de todos, tenha uma maioria expressiva nas urnas para obter legitimidade na implementação desse programa a partir de 1° de janeiro de 2019. Sou otimista que esse candidato do centro vai ganhar a eleição. Porque, apesar de respeitar muito o radicalismo de ambos os lados – afinal a política precisa ter lugar para todos -, eu acredito no pensamento médio do brasileiro, no pragmatismo do povo brasileiro, na capacidade de trabalhar do povo brasileiro, de enfrentar crises e exigir uma postura nova da classe política, evoluindo mais na governança, nas práticas políticas, num processo de construção que é mais lento, porque não existe milagre. Não acredito em salvadores da pátria, não acredito em soluções mágicas nem em soluções de governança rápidas aqui dentro dessa empresa. “Cheguei ali e mudei tudo”, não existe. Tem uma cultura, tem um jeito de ser e fazer aqui dentro, têm as pessoas, fatos bons, fatos ruins que eu posso desconhecer. Então num país continental como o Brasil isso é muito mais do que natural. Mas eu quero crer que, passado todo esse período de crise que nós passamos, o brasileiro será pragmático e tem a oportunidade de votar numa proposta que una o Brasil, que represente a média da maioria da população e possa fazer o Brasil avançar. Eu sou muito confiante nisso.