Erh Ray gosta de histórias de sucesso, e ajuda as empresas e marcas clientes da sua agência a contarem as suas próprias. Neste bate-papo, partimos do começo de tudo, da infância, passamos por campanhas marcantes como “Mamíferos”, da Parmalat, e, diante de sua óbvia perspectiva de viver até os 100 anos, chegamos à velhice esperada: sábia e produtiva, claro. 

 

O que você desejava ser quando crescesse?

Nossa… adulto. Acho que eu queria ser independente. Venho de uma família de imigrantes, vim pequeno da China para o Brasil, e acho que, como bom filho de imigrante, quis ter uma estabilidade financeira, me realizar profissionalmente.

 

Que tipo de criança você foi?

Fui uma criança mimada por muito tempo porque era filho único. Depois veio meu irmão, com uma diferença de 11 anos. Meu pai nunca deixou faltar nada para mim, mas eu era uma criança que, desde os 10 anos de idade já trabalhava (entre aspas), ajudava a família no comércio. Meus pais tinham restaurante, então eu convivia com isso, como bom filho de imigrante. Você vai na Liberdade, às vezes, e vê aquela família de imigrantes, e eu sou aquele chinesinho ali no cantinho, ajudando o pai ou a mãe a fazer alguma coisa.

 

E o que levou você para a propaganda?

Eu fiz arquitetura, e tinha um pouco a ver com direção de arte. Essa coisa da estética, de desenhar. Meu pai veio da China e é diretor de fotografia em cinema. Veio tentar comercializar filmes no Brasil. Acho que deve ter um pouco a ver com isso, a influência do meu pai com relação a foto e imagens. Acabei indo para a publicidade porque, do que havia disponível, talvez fosse o que melhor se encaixava no que eu queria fazer.

 

Que campanha mudou sua vida ou que experiência provou que você estava no caminho certo?

A campanha que mudou minha carreira, ou ainda, me impulsionou, foi “Mamíferos”, da Parmalat (1996, DM9), claro. Mas não posso esquecer que fiz o “i” digital do Itaú (1999, DM9), uma campanha icônica para um banco, feita na virada do ano de 2000, que está até hoje no ar, o ícone do “iarroba”.  E acho que outra campanha seria “Carlinhos”, com o tema da síndrome de Down (1998, DM9). São três campanhas que eu diria que marcaram a minha carreira.

 

 O que encantou você na propaganda, o que ainda encanta você?

O que me encantava era o poder de realizar um trabalho que reverberasse para todo mundo. Poder chegar em casa e alguém comentar do seu trabalho, a empregada poder falar que você fez isso ou aquilo, não somente trabalhos mais conceituais, premiados, mas também trabalhos populares, que fizessem parte da cultura popular. A gente torcia para que as nossas campanhas fossem plagiadas ou entrassem em programas como o “Casseta & Planeta”. O que entrava no “Casseta” era legal, havia entrado na cultura popular. Isso me motiva ainda nos dias de hoje. Óbvio que, naqueles anos, não havia redes sociais para espalhar as coisas como hoje, no mundo inteiro. A escala hoje é bem maior.

 

Você acaba de voltar da sua primeira experiência no SXSW. O que mais impressionou você por lá?

A quantidade de pessoas sedentas por algo novo, por informação, por teorias, por conspiração. Eu me senti um pouco no campus, com vontade de aprender, de dizer que não sei, a vontade de poder errar. Era um exercício livre, sem compromisso. Trouxe na bagagem, talvez, uma vez que já tenho mais de 50 anos, a sensação de estar ativo e jovem, no meio da garotada e dos mais velhos. Trouxe a sensação do poder de execução. Com o poder de realizar coisas. Não estou nem no começo, nem no fim da carreira, mas acho que em um “auge”, talvez.

E como enxerga Cannes, a partir de todas as transformações que o festival tem passado?

Cannes, para os criativos, é o Oscar da propaganda, aquela competição das ideias mais importantes, como se fosse uma safra de vinho. É a safra daquele ano, o melhor do melhor de cada ano. O festival mudou muito e hoje existe um networking maior, é um lugar que, para quem faz parte de uma corporação, de uma multinacional, é ponto de encontro para apresentações e reuniões globais. É um meeting point no meio do ano até para ver o que você já fez e ainda tem para realizar naquele ano. É quase um checkpoint. É onde você faz contato com velhos, novos e futuros amigos. Tem muita gente, pode-se conseguir um emprego novo, mudar de agência, de produtora… É um lugar quente, onde as pessoas põem energia para que tudo aconteça, existem muitos interesses – econômicos, pessoais, de rede. Há muita coisa em jogo. É um lugar em que não se relaxa tanto, só à noite, depois de um bom vinho rosé ou depois que termina, ao dar uma esticada pelos arredores. Mas, durante o festival, é como se você estivesse numa batalha.

 

Prêmios seguem relevantes? Por quê?

Prêmios sempre serão relevantes. Prêmio te coloca numa estatura, numa posição de liderança, de inovação, de talentos e profissionais. São uma consequência do trabalho. Que você planta e colhe. É um status, representa como a sua empresa está naquele momento.

 

Qual é a sua visão hoje daquilo que você faz e entrega? Qual o papel da agência hoje?

O papel da agência, o meu papel é de realizar. Realizar ideias, soluções, as dificuldades que um cliente nos provoca. É o poder da realização. Uma agência tem esse poder. Se ela perdeu poder, perdeu relevância? Sim e não, porque no fim do dia somos parceiros de verdade dos anunciantes. A gente contribui para o crescimento das empresas. Caso contrário, a gente não estaria ainda no jogo. O meu papel é fomentar talento.

 

Como lidar com os muitos modelos de agência inventados, e como a sua agência vem se reinventando para seguir inovadora, interessante, atraente?

Há novos modelos de agência no quesito remuneração, por exemplo. Cada vez mais as agências têm de se adaptar a um novo formato de serem remuneradas. Meu sonho seria as agências cobrarem como escritórios de advocacia – hora/homem. É preciso entender que nós vivemos numa indústria onde há pessoas por trás, que são talentos. Existem talentos mais caros, existem talentos mais baratos. Como advogados: os top cobram uma coisa, os médios menos. Existe um parâmetro. Eu extraio o melhor daquela pessoa, esse é um jeito de pensar em formatos de negociação ou de remuneração. Vivemos num país com um modelo único, onde mídia, remuneração e success fee se compõem, e acho que é o melhor modelo que existe hoje. Ah, então vocês põem em jogo a credibilidade do veículo? Não é isso. Existe uma intermediação, uma inteligência por trás disso. Não é simplesmente uma bonificação ou uma benfeitoria que o veículo dá. Pelo contrário. Estamos falando de mesas de compras. E uma negociação precisa ser boa para os dois lados. Falando da BETC, a minha preocupação sempre foi com talentos. Eu cresci assim, as pessoas me deram oportunidades, eu vim de agências onde sempre se investiu em talentos. É isso que eu vou fazer e vou continuar fazendo. São pessoas que movem essa indústria. E a credibilidade dessas pessoas. E construir uma relação saudável, transparente e de confiança.

 

Que tipo de líder criativo é você?

Não sei dizer que tipo de líder criativo eu sou, acho que sou um cara que trabalha.  Sou um cara que põe a mão na massa, que resolve. Não mando fazer, eu faço. Óbvio que a agência cresceu, eu preciso de ajuda, tenho pessoas incríveis trabalhando comigo, para que eu possa ter uma leveza no meu dia a dia. Mas acredito no trabalho. Sou o criativo que põe a mão na massa. Óbvio que a criação tem muito destaque dentro das agências e no Brasil se cultua muito “o criativo”, por ele ter uma visibilidade até fora da mídia do trade. Mas acho que consigo conviver bem com o lado A e com o lado B. Acho que vem dando certo.

 

Que tipo de gente você gosta de contratar para trabalhar com você?

Eu contrato pessoas que querem me derrubar. Que querem o meu lugar. Contrato pessoas que eu invejo, que eu gostaria de sentar do lado e bater papo, troca ideias. Contrato pessoas que admiro, com quem busco me identificar. Já que eu fico tanto com eles no dia a dia, talvez até mais do que com a minha família, quero estar bem rodeado, com pessoas bacanas. Boas índoles. Cool.

 

Como inovar hoje, para o cliente? O que é uma ideia inovadora?

Uma ideia inovadora tem de ser simples, fácil de aplicar, que faça uma diferença gigante. Uma ideia inovadora é olhar de um jeito, de uma perspectiva que as pessoas nunca viram. É pensar de um jeito sem preconceitos, sem amarras. Inovar é sair da mesmice.

 

 

Nick Law disse no SXSW que o produto da agência é a criatividade. Você concorda? Seria um discurso datado?

Óbvio que todas as agências vão falar que são criativas. As criativas são aquelas que têm resultados em prêmios, que se destacam no dia a dia nos rankings de avaliação. É como dizer que todos os escritórios de advogados vão prestar o mesmo serviço. Volto a falar de talentos. As agências precisam investir em talentos para trazer a criatividade de uma forma melhor. Senão, a Accenture não estaria comprando a Droga5 porque ela é uma das melhores e mais criativas agências do mundo.

 

Qual o futuro da publicidade?

Vender. Continuar vendendo, em formatos diferentes, com aplicações diferentes, mas a publicidade foi feita para vender, para gerar resultados no dia a dia.

 

Como tem sido para você o desafio de tocar a agência, e lidar com a crise política e econômica brasileira, ter de entregar resultados “para os gringos”, apresentar resultados?

Esse é o desafio de qualquer executivo de multinacional no Brasil. O cenário político-econômico é uma aventura, você não sabe exatamente o que pode acontecer em um mês, em 40, 60 dias. O executivo brasileiro talvez esteja mais preparado, por exemplo, para esses altos e baixos. A nossa missão aqui, sim, é gerar resultados para os nossos clientes e, também, gerar resultados para os stakeholders, a matriz. Não posso entregar prejuízo senão baixa a gringalhada toda por aqui e toma conta da operação. Então quanto mais você entrega o dia a dia, com resultado, menos problemas terá com os globais.

 

O que você faria se não trabalhasse com propaganda?

Acho que eu seria um bom diretor de filmes, um bom arquiteto, um bom decorador, um bom vivant.

 

O que você faz quando não está trabalhando ou viajando pelo mundo?

Tenho viajado muito a trabalho e levo a minha família, curto a minha família. Eu tento mostrar para os meus filhos ou entregar para eles o que eu ganhei de melhor, que foram experiências. Experiências pelo mundo, de restaurantes, culinária, cidades, moda, diversão. Procuro estar ao máximo perto da minha família, hoje. É meu hobby. Já tive vários hobbies. Hoje, me dedico à minha família.

 

Que países você ainda quer conhecer e por quê?

Índia. Não fui ainda, tenho uma supercuriosidade. Talvez uma coisa como Polo Norte ou Polo Sul, algo meio inabitado. Hoje posso dizer que a minha profissão me deu muitas oportunidades de conhecer o mundo afora. E toda viagem a trabalho, a gente aproveita. Prêmios, festivais, você acaba unindo o útil ao agradável.

 

O que inspira em você?

As coisas bonitas da vida me inspiram. Se você assistir a um belo filme sempre vai tirar alguma coisa. O que me inspira são coisas bonitas, bacanas. Sou muito fácil. Para quem veio como um imigrante, o que inspira é vencer. E para vencer, você tem de se espelhar nas pessoas que venceram. Então é estar sempre ligado ao sucesso de outras pessoas, ao sucesso de cases, de marcas, de produtos. Tem um pouco disso.

 

O que desanima você?

Preguiça. As pessoas que se deixam vencer facilmente. Fico desanimado ao ver que, às vezes, a oportunidade está diante delas, e elas não sabem usar.

 

O que você tem lido e assistido ultimamente?

Eu tenho e-mails. São muitos e-mails. Pessoais, de rede, globais, do Latam Creative Council, do Global Creative Council, sobre números. Ultimamente é o que tenho lido. Vejo Netflix, filmes. Sou um cara meio padrão. E leio muita revista. Consumo revistas digitalmente, mas também fisicamente.

 

Qual a sua relação com a tecnologia? 

Eu fico com meu celular 24 horas ligado. Estou realmente sempre ligado. Sou um heavy user, talvez, de Instagram. Posto muito. Tenho um insta fechado, mais família, crianças, viagens, e tem o Insta aberto. Onde misturo um pouco as coisas. O fechado não tem nem mil pessoas. Gosto de postar fotos porque sou um cara que gosta de tirar fotos. Acaba virando meu álbum. É um álbum para mim, com as minhas referências, as minhas memórias, as imagens que eu curto. Às vezes quero me exibir, mostrar para alguém, algo que eu fiz e está ali na mão, para poder dividir numa conversa.

 

Quem são seus ídolos?

Tive a felicidade de ter uma escola maravilhosa. Tive uma escola com Nizan Guanaes, uma escola de Thomaz Lorente, tive referências como Marcello Serpa, Washington Olivetto, Fábio Fernandes. Acho que essa turma que está aí ainda, e os que não estão mais. Aprendi e minhas referências são eles. Meu dia a dia e meu sucesso profissional, entre aspas, veio deles. Aprendi com eles os do’s e os dont’s.

 

Como você se vê velhinho?

Eu já estou me sentindo velhinho. Eu espero estar do mesmo jeito, rodeado de gente bacana, aproveitando a vida, trabalhando, produzindo e com a cabeça boa.