Ruídos de Sampa servem de inspiração
Já imaginou São Paulo sem a sinfonia dos aviões sobrevoando o bairro de Moema rumo à pista de Congonhas? Ou as buzinas nervosas nos engarrafamentos? E as descargas das motos? O som do brinde de taças?
Esse é o pano de fundo do trabalho autoral Projec Beats, do diretor de arte, diretor de cena e músico Jarbas Agnelli, que resolveu capturar sons em lugares improváveis. Os ruídos de Sampa servem de inspiração para os curtas-metragens Ranch Beats, que foi exibido no mês passado na abertura do TED em Vancouver, no Canadá; Kitchen Beats; e o recentíssimo Street Beats. Sua ideia é consolidar dez filmes com esse formato como um exercício criativo cognitivo para abastecer o seu lado pessoal e, também, o profissional.
O diretor Jarbas Agnelli buscou inspiração no som das ruas para materializar o conteúdo do terceiro curta metragem da série Project Beats
“Como os nomes indicam, cada curta musical é feito em um lugar específico. Faço a escolha do local e extraio o máximo de sons e ruídos gravando em áudio e vídeo ao mesmo tempo. Pode ser manuseando objetos ou batendo neles com baquetas. Ou filmando os ruídos que acontecem em volta. Ruídos percussivos ou sons melódicos. Depois, separo os pedaços mais interessantes e, no momento da edição, a música nasce. Ela não é preconcebida, nem existe na hora da captação. Ela nasce de forma orgânica, dentro do programa de edição”, explica Agnelli, que criou e também dirigiu o filme A Semana, para a revista Época, que ganhou o Leão de Ouro no Cannes Lions do ano 2000, quando atuava na W/Brasil, na equipe de Washington Olivetto, que foi diretor do projeto cujo texto foi assinado pelo redator Alexandre Machado.
Agnelli gosta de desafios. Dirigiu o elogiado The city of samba, gravado durante uma edição do Carnaval do Rio de Janeiro. O inusitado também o inspirou na criação do premiado Bird on the wires a partir de foto de Paulo Pinto, que teve mais de três milhões de views na internet. Para a Casa Darwin criou Plastic Dance, exibido em monitores de 6.800 táxis de Nova York.
“São Paulo é barulhenta. É dificil até gravar ruídos, pois há sempre um outro ruído se sobrepondo, como aviões passando. São Paulo é uma moto passando. Uma buzina. Um avião. Street Beats tinha uma limitação: a cidade não tem muitos sons harmônicos, diferentemente da cozinha, por exemplo, onde gravei copos com água afinados. Então decidi ir domingo para a Avenida Paulista e gravar os artistas de rua. Não para usar suas músicas, mas apenas um segundo, ou menos, de sua sonoridade. Uma nota. Um acorde. Uma sílaba. E depois montar o quebra-cabeças com esses trechos sonoros”, argumenta Agnelli.
A ideia de criar música e conteúdos visuais simultaneamente fascina Agnelli. Para ele, uma coisa é atrelada à outra, como se tivessem nascido juntas. Foi assim em Birds on the Wires, como costuma enfatizar. “Em uma das diárias de Street Beats, optei por gravar em um feriado. Foi o único jeito de conseguir algum silêncio para batucar nos objetos. Mas esse é o espírito da cidade. Correria, stress, barulho. No fim, a música saiu com essa alma. Meio eletrônica, meio baião, como nossa mistura de raças. E barulhenta, como a cidade”.
Em fração de segundos, os sons são capturados; no estúdio eles são sintetizados e se transformam com o refinamento de edição
Agnelli finaliza: “O rig é bem minimalista. Uma câmera Sony a7s, e um gravadorzinho de mão Zoom. Minha namorada, Ariana Degelo, me ajuda nas captações. Assim posso ficar mais livre para experimentar os materiais e os ritmos. Eu mesmo toco tudo. Não sou percussionista, mas não me preocupo, pois sei que depois irei editar tudo no ritmo. O importante é achar sons interessantes, momentos autênticos. Todos os sons do filme são exatamente os sons captados na hora. Não adiciono nada depois”.