Com longa carreira no Banco Itaú, o executivo Eduardo Tracanella é o responsável pela direção de marketing das áreas de atacado e institucional. Divide a função com Guilhermo Bressane, que cuida de negócios de varejo. Ambos têm a liderança de Claudia Politanski, vice-presidente de marketing, pessoas e jurídico do conglomerado financeiro. As agências Africa e DPZ&T coordenam a comunicação do grupo, respectivamente há 20 e 40 anos. Tracanella, que tem uma equipe de 400 profissionais, fala que o banco estimula relações duradouras, mesmo em momento de transformação como o atual. Para ele, a criatividade “voltou a ser fator de diferenciação”
Confira a sua entrevista.

Como o marketing bancário está atuando nesse cenário de transição econômica que o Brasil vive?
Qualquer estrutura de mar- keting, em qualquer segmento de negócios, está passando por um momento de reflexão. Principalmente em relação à oferta de valor dos departamentos e das disciplinas. É um paradigma, porque as coisas estão mudando em uma velocidade muito rápida. A tecnologia é uma alavanca de transformação que potencializa esse processo. As pessoas estão mudando não só a maneira como olham para as marcas, mas para o mundo. Por consequência, o profissional de marketing precisa acompanhar esse ritmo.

E como se materializa a oferta de valor?
Pela criatividade. Digo que tem um back to the basics em andamento. A criatividade, que sempre foi o grande trunfo do marketing vencedor e dos profissionais do mercado, voltou a ser fator de diferenciação. Estamos passando por um processo de olhar para a forma de trabalhar e, também, para o consumidor final. Queremos saber de novo o que é mesmo relevante para um profissional de marketing nesse processo.

Quais os desafios?
Entender o valor da informação e ter acesso a ela das mais diferentes formas. E fazer com que isso vire um instrumento de conexão com as pessoas.

E quais as implicações?
Questões estruturantes, como o uso da tecnologia a serviço do marketing, mas também uma mudança de como olhamos para o nosso trabalho. A ideia é conseguir dosar o uso da informação com feeling, sensibilidade, capacidade de correr riscos e tentar fazer diferente. As marcas que se saem melhor estão seguindo essa trilha.

E como o Itaú se integra à esta métrica?
Estamos caminhando nessa direção. Buscamos ter as melhores informações, tanto as que estão dentro do banco quanto trazer as de fora. O ponto-chave é saber como extrair o valor desse volume disponível de informação. O profissional de marketing precisa ter o senso de analytics, mas sempre em busca do insight/oportunidade para ativar a criatividade. Ter a informação é um fator de diferenciação. Porém, saber o que fazer é o que vai ganhar o jogo daqui pra frente.

Esse acesso, interno e externo, interfere de que forma na equação de produzir briefings?
Conseguimos ter maior eficiência na relação com parceiros. Porque com informação temos mais segurança em relação aos caminhos. Assim, conseguimos ser mais produtivos e diretivos. Passamos matéria-prima de qualidade para a entrega de um produtivo criativo. Há uma mudança de paradigma que é o desenvolvimento de expertises e trazer para o nosso mercado perfis diferentes do que a gente sempre teve. Aqui no Itaú temos cientistas de dados e pessoas que têm a capacidade de analisar a informação além dos aspectos racionais para identificar traços importantes do comportamento humano. A relação da empresa com a área de marketing muda, mas também com os parceiros.

Qual o resultado?
Quando unimos a origem e o pós-trabalho, retroalimentamos a estrutura com mais qualidade e força.

Essa origem é a sala de performance? E a internalização de áreas como a mídia?
O modelo híbrido é vencedor. A nova dinâmica de mercado exige cada vez mais que os anunciantes tenham estruturas centralizadas e internalizadas. Isso traz mais profundidade e faz com que a operação tenha mais pulso do negócio e viva as entranhas da cultura da empresa. Isso gera oportunidades. Mas, por outro lado, acredito na importância de ter parceiros de qualidade fora da empresa. Essa provocação mútua é saudável. Esse é o modelo que eu acredito, que o Itaú vem perseguindo e vai consolidar nos próximos anos.

A mídia foi a primeira área a ser internalizada?
O processo de mídia do banco já é internalizado há bastante tempo. Foi a forma que encontramos para ter mais direcionamento estratégico vindo de dentro, que é algo indelegável. Mas as agências contribuem muito, não só para fazer a operação acontecer de um jeito eficiente, mas também do ponto de vista criativo. Quando digo que o mercado vai voltar para o básico e a criatividade como ponto central da oferta de valor, vale para todos os departamentos e parceiros. Por mais que tenha uma centralização da mídia no Itaú, ter uma provocação criativa vinda de um fornecedor externo também é salutar.

E como isso se conecta com o futuro?
Em primeiro lugar ter um produto que possa ser o marketing da empresa. Por que as pessoas estão em busca da melhor experiência e estão dispostas a falar bem dos produtos. Esse é o marketing eficiente. Aliás, sempre foi. A diferença é que antes se falava bem de uma marca na mesa do bar e hoje se fala bem ou mal através das redes sociais. E para milhões de pessoas simultaneamente. O desafio é ter produto, atendimento e serviços que identifiquem a marca. E o seu marketing.

E qual o segundo ponto?
Como construir uma relação das pessoas com as marcas além das questões meramente racionais. Isso tem a ver com ponto de vista, propósito e ter produto de qualidade, mas que diga algo sobre a marca. Esse é o grande desafio dos gestores de marketing e dos construtores de marca: como equilibrar os fatores para serem diferenciadores. Ou seja, um excelente produto que nasce da necessidade do cliente e carregado de significado. A diferença em um cenário competitivo é o olhar da marca para o mundo.

Então propósito é mesmo um feature mercadológico?
Costumo dizer que propósito é negócio. É o que atrai as pessoas às empresas. Antes tínhamos uma dinâmica, que considero antiquada, que era baseada na máxima: ‘preciso atrair, reter e desenvolver as pessoas’.

Por quê?
O propósito muda essa perspectiva porque as pessoas escolhem o local onde querem trabalhar. Não é mais salário e carreira que contam. As pessoas querem empreender e construir impacto positivo. Isso vai além do racional. O propósito permite que a empresa continue sendo escolhida pelas melhores pessoas e com uma alavanca de consumo absolutamente inexorável. As pessoas escolhem produtos por identificação com pontos de vista.

E como identificar?
Propósito não se cria; ele é revelado. E saber comunicá-lo de uma forma inspiradora é o que faz toda a diferença. Aqui no Itaú o propósito de estimular o poder de transformação das pessoas passa por um olhar intrínseco ao core business, mas que transcende. Por meio do fomento à educação de qualidade; democratização e acesso a cultura; mobilidade urbana inteligente e o esporte, que complementa o processo de forma eficaz. O propósito nasce com a empresa e cada vez mais as empresas nascem de um propósito. E permite reinvenção. Porque quando o propósito é inspirador, não é limitante. Inclusive para ir além do modelo de negócios.

As marcas estão em busca de humanização?
Sim. E de relações mais próximas. Por mais que a tecnologia esteja disponível, nada substitui o toque, a conversa e o olho no olho. Precisamos entender a tecnologia como forma de potencializar a humanidade das marcas. Tecnologia não é nada sem as pessoas. A tecnologia deve ser transparente. As pessoas precisam de tempo para cuidar de coisas mais importantes.

Como se constrói reputação com tanta oferta de tecnologia?
Ela permite que as marcas estejam antenadas sobre tudo que se fala sobre elas. Lembro que há cerca de 10 anos, quando eu cuidava das redes sociais do banco, havia o paradigma de entrar ou não entrar nesse ambiente. Até que percebemos que essa era uma decisão que não era mais nossa. O Itaú já estava nas redes sociais. A tecnologia já transformou tudo ao redor. O que vamos fazer e como extrair valor é a discussão. Quando pensamos em reputação e PR, a tecnologia possibilita que cada vez mais a gente entenda como esse processo está acontecendo. E consiga reagir.

E como é o monitoramento?
Temos um trabalho de conteúdo always on. É uma warm room permanente, seja para olhar a saúde da marca e possíveis crises, mas principalmente para construir conversas relevantes com as pessoas. Essa é uma atribuição do marketing moderno.

É por isso que a criatividade voltou a ser o asset mais importante?
No processo de reestruturação do banco, temos conversado muito sobre como deve ser a evolução da área de marketing. O consenso é que o marketing seja o local onde a criatividade encontra o negócio. Quando se pensa assim, é preciso contemplar uma pequena atualização em relação à forma de construção do marketing e da publicidade. Antes a criatividade era algo predestinado ou propriedade de poucos. Isso é ultrapassado. Porque o produto criativo é colaborativo, coletivo e com multiplicidade de perfis em torno da busca por uma ideia. As agências têm de se adequar a esse momento. O profissional de marketing não pede mais algo criativo; ele precisa ser criativo. A criatividade empodera pessoas e marcas.

A arquitetura de relacionamento com as agências muda?
O Itaú preza relações de longo prazo. Trabalhamos com a DPZ&T há mais de 40 anos e com a Africa há cerca de 20. Elas são importantes e desafiadoras, porque têm altos e baixos. Acreditamos que a transformação precisa ser conjunta. Só que soma-se a isso a necessidade de ter uma arquitetura flexível de parceiros. Alguns trabalhando dentro. Outros fora. Mas com o plano de trazer soluções diferenciadas. Está se criando um novo ecossistema, com multiplicidade de fornecedores. Mas empresas como DPZ&T e Africa são fundamentais. Porque agregam valor. Temos 400 profissionais no marketing do Itaú. Muitos perfis. Mas coletivo.