Quando os icônicos Marcello Serpa e José Luiz Madeira deixaram a AlmapBBDO em 2015, não faltaram dúvidas sobre os rumos da agência. Mas apenas um ano depois veio o título de Agência do Ano no Festival Cannes Lions, em 2016. De lá para cá, não pararam mais. Foram inúmeros prêmios e conquistas (ou reconquistas) de clientes de peso, como a Volkswagen. A agência atende a conta há mais de 60 anos no Brasil e acaba de aumentar o escopo para a América Latina. Luiz Sanches, cria da AlmapBBDO há 23 anos, fala sobre o momento da agência e da nova função de chairman.

Alê Oliveira

Você acaba de ser promovido a chairman da AlmapBBDO. O que muda com sua nova posição?
Na prática, eu não saio mais da cadeira (risos). Mas falando sério, me tornar chairman é a oficialização de algo que já existia: a minha liderança à frente da agência. Há poucos executivos na BBDO com essa posição. Trata-se de um cargo de importância global que te dá uma cadeira para as reuniões de board. É uma conquista legal não só pelo status, mas também pelo reconhecimento.

Essa promoção é reflexo das conquistas da agência nos últimos anos?
Acho que sim. Estou há 23 anos aqui. Imagina o dia em que o Marcello (Serpa) e o Zé Luiz (Madeira) saíram. A Almap sempre teve sua reputação criativa, então o desafio era gigantesco. Mas continuamos ganhando tantos prêmios ou até mais do que antes. Para mim, a premiação é um jeito de você quantificar o sucesso. É uma das constatações de que você é relevante. Com a saída dos antigos sócios, todo mundo se questionou o que seria da gente. Vai desmontar? Os clientes vão sair? Muito pelo contrário.

Apesar do novo cargo, você permanece à frente da criação, certo? Como ficam reconfiguradas as funções dos demais sócios?
O que eu sei fazer é criação. Eu olho o trabalho criativo da agência como um todo. Estou há muito tempo liderando a gestão criativa por aqui. Não muda muita coisa na prática. Essa promoção é simplesmente um coroamento do ano, sobretudo os dois últimos, que foram maravilhosos. Mas algo muito bacana que aconteceu foi a oportunidade de trazer o Filipe Bartholomeu como sócio. Ele é um parceiro de business há muitos anos. É legal ter um cara de negócios com o DNA da agência. A Almap é uma das poucas agências em que as pessoas estão há muito tempo. Há uma senioridade gigantesca, talentos que surgiram aqui. E isso abre a possibilidade de as pessoas verem um plano de carreira na agência, assim como aconteceu comigo e com a Cintia (Gonçalves), e agora com o Filipe.

A Cintia, aliás, terá uma nova função também, como CSO…
Ela vai se focar em uma coisa que é muito importante: o planejamento. Como vamos continuar sendo relevantes para os clientes estrategicamente com todos os dados que a gente tem. A ideia é que a nossa criatividade seja colocada desde o briefing ou, muitas vezes, que a gente proponha um briefing que ninguém estava vendo.

Alê Oliveira

Recentemente a AlmapBBDO expandiu sua atuação na América Latina com a ampliação da conta da Volkswagen. Como foi o processo de concorrência?
A gente entrou primeiro em uma concorrência local e, depois de dois anos, tivemos de entrar em uma nova concorrência, dessa vez global, por uma questão da matriz. No escopo de 40 agências, foram reduzidas para quatro. Dessas, o tempo inteiro fomos mencionados pelo grupo Volkswagen como Blue Print, ou seja, com selo de excelência a ser seguido pelas outras agências. Então, a Almap saiu desse processo de concorrência fortalecida não só pelo ganho de escopo, mas pela forma como encaramos o trabalho.

A Volkswagen, assim como outros anunciantes, tem falado muito em performance e otimização de resultados. Esses são assuntos já trabalhados na agência?
Quando o cliente fala de rentabilidade e performance, além de eficácia, ou seja, como posso deixar meu discurso mais fluido em todos os caminhos, esse já é trabalho que tem sido feito não só para a Volkswagen, mas para Antarctica e Elma Chips, por exemplo. Há muito tempo, eu tenho insistido que para continuar relevante, a gente tem de investir em entretenimento e produção de conteúdo. Porque lá na frente vai ter uma inteligência artificial que determina, por exemplo, que a nossa propaganda não seja vista pelas pessoas. Os algoritmos vão selecionar o que as pessoas vão ver. Para isso, as marcas têm de interagir com conteúdo de uma forma mais fluida do que o jeito que os consumidores queiram ver. A gente tem investido muito nesse formato. Nossos criativos participam de cursos com a Roteiraria para aprender como desenvolver roteiros, personagens, sair da formatação clássica que a gente já está mais acostumado. A gente tem um investimento gigantesco para essa mudança de linguagem.

Como esse investimento em conteúdo se combina com a chegada do Páris Piedade como VP de dados e performance?
Trouxemos o Páris para cá porque a gente realmente acredita que dados por si só são commodities, mas quando são usados com uma perspectiva de criatividade, eles são uma fonte inspiradora muito grande. O Páris é um cara muito importante para ver esses dados e nos ajudar a selecionar essa metodologia para que a gente tenha insights relevantes. Todo esse investimento faz parte do que a agência está mirando para o futuro.

Além da Volkswagen, a Almap conquistou recentemente a conta para Brasil e América Latina da Quaker. Como tem sido a experiência de criar para o mercado regional?
A gente já tem essa expertise. Já fazíamos isso lá atrás com Pepsi, e hoje com Visa. Nós somos o hub estratégico da Visa regional, não só para o Brasil. O mesmo com Elma Chips. No fim do dia, em um mundo tão globalizado em que os valores são tão parecidos, fazer ressoar seus valores locais, conseguir amplificar isso para o globo, se torna uma vantagem competitiva. E a gente tem olhado para isso com lupa.

De que forma?
Temos nos debraçado em compreender quais são os costumes de cada ponto na América Latina. Aí entra o trabalho do Páris e da Cintia de entender o que faz sucesso no Brasil e o que não faz na Colômbia, por exemplo. Identificar o que tem em comum, qual discurso que a gente precisa adotar. Será a mesma campanha? Precisa fazer diferente? Hoje estamos vivendo um momento de riqueza muito grande sem fronteiras para uma ideia. Para que ela se torne realmente relevante, ela precisa ter uma raiz. E acho que saber usar esses dados para conseguir contar essa ideia é muito rico.

Essa raiz pode ser um ponto em comum para todos os consumidores? Há verdades que encaixam para diversos públicos?
Esse exercício já é feito há bastante tempo, com O Boticário, por exemplo. Contar histórias que emocionam, como a de Natal. Todo mundo tem falado dessa campanha porque parte de uma verdade humana. A Almap é reconhecida por fazer um trabalho de craft impecável, mas os insights que a gente trabalha são humanos. Pensamos dessa forma desde uma campanha promocional para Visa ou Bradesco Seguros. O insight, quando é humano, se torna global. Todo mundo passa pelos mesmos problemas. Cabe a gente detectar esses sinais e fazer uma narrativa cuja marca está no coração dessa história.

Alê Oliveira

Quaker e Guaraná Antarctica são marcas tradicionais que oferecem inúmeras oportunidades, mas também riscos de caírem no lugar-comum. Como estão pensando a nova comunicação delas?
A gente imagina fazer tudo o que as marcas ainda não fizeram. Para Guaraná Antarctica, faremos a primeira apresentação da grande campanha esta semana. Mas percebo que há uma questão em comum aqui na agência: atendemos marcas que são orgulho nacional. Havaianas, Bradesco Seguros, O Boticário e Guaraná Antarctica. São marcas que quando a gente vê fora do Brasil, nos dão um certo orgulho. A gente vem passando por anos difíceis, não só economicamente, mas de valores morais. Ter na agência marcas como essas nos dá a chance de trabalhar a autoestima das pessoas. Toda vez que eu viajo e vejo alguém de Havaianas, sinto um baita orgulho. É do Brasil. Assim como acontecia com o futebol, que agora está meio em baixa, mas é um valor nacional.

Essa questão tem a ver com propósito de marca?
Acho que as marcas têm um papel de trazer alegria, esperança, inspiração e energias boas. É um marketing de causa sem precisar ser apelativo. Fizemos para a Antarctica, recentemente, um filme com a história do Gonzaguinha. Você tem uma marca brasileira resgatando os valores nacionais, coisas que aconteceram na nossa história graças à tecnologia. Esse é um jeito diferente de trazer uma causa, de resgatar a autoestima das pessoas, saindo do clichê.

Esse propósito ligado às causas, aliás, está sendo cobrado das próprias agências pelos clientes. Como vê esse movimento?
A gente vive numa época em que não dá para você falar uma coisa e ser outra. Não dá para aplicar a diversidade para os nossos clientes se a gente não acreditar nisso. Aqui, a gente tem se esforçado para que as pessoas se sintam confortáveis para ter voz, falar o que incomoda. Acreditamos tanto nesse posicionamento que não ficamos pensando em ter um negro, um oriental ou uma mulher no grupo. Isso acontece naturalmente. Essa discussão tem ocorrido de forma muito natural e em cadeia. Neste ano, para O Boticário, apresentamos uma família negra para uma campanha do Dia dos Pais. Houve um grande debate em cima disso e, embora o impacto tenha nos favorecido, criou-se um debate em cima de algo que deveria ser natural. Aquilo não deveria gerar impacto. O papel das agências é resgatar a comunicação e mostrar um Brasil como a sociedade é de verdade. A diferença é que a gente está mostrando essa verdade de um jeito tocante, poético e com humor.