O que me inspira são todas as coisas que eu gostaria de ter feito.

Queria ter criado o anúncio da Nike com o Colin Kaepernick, que vai ganhar Grand Prix no Cannes Lions este ano (me cobrem).

Queria ter usado um artista forense para provar que as mulheres são mais bonitas do que elas acham que são.

Queria ter publicado, em 1949, um livro chamado 1984, que na verdade era sobre 2019.

Queria ter ganhado três campeonatos seguidos da NBA, ter parado por uma temporada para jogar beisebol e voltado pra vencer mais três campeonatos seguidos da NBA.

Queria ter convencido o Jean-Claude Van Damme a fazer um espacate apoiado em dois caminhões Volvo dando ré.

Queria ter tocado Purple Rain no intervalo do Super Bowl, debaixo de chuva.

Queria ter escrito o roteiro de Big Little Lies.

Queria ter sido filmado só da cintura pra cima porque meu quadril se mexia de um jeito sensual demais para aparecer na TV.

Queria ter batido no peito depois de receber um passe açucarado do Emerson Sheik e marcar o gol de empate no primeiro jogo da final da Libertadores de 2012.

Queria ter pensado o comercial Beer Chase, para Carlton Draught.

Queria ter nocauteado o Drago, pra vingar o Apollo.

Queria ter imaginado um gorila baterista.

Queria ter desenhado uma coleção de vestidos inspirada nas obras de Piet Mondrian.

Queria ter inspirado uma coleção de vestidos desenhada pelo Yves Saint Laurent.

Queria ter concebido o cartaz de Um Corpo que Cai e a abertura de Psicose.

Queria ter jogado no Corinthians, em seguida ter me dedicado às artes plásticas e desenvolvido a versão definitiva do escudo do clube.

Queria ter redigido o título Trabalhe, trabalhe, trabalhe. Mas não se esqueça: vírgulas significam pausas.

Queria ter composto Miss You, com o Mick Jagger.

Queria ter programado um DeLorean para voltar no tempo.

Queria ter sido fotografado numa semifinal olímpica dos 100m rasos dando uma risadinha marota para a câmera.

Queria ter elaborado o texto do comercial Tributo ao Tempo, da Visa, que na internet aparece erroneamente atribuído ao Dalai Lama.

Queria ter questionado o conceito de arte exibindo um urinol de porcelana.

Queria ter escalado o J.K. Simmons para o papel de Fletcher em Whiplash.

Queria ter saído em turnê com minha banda de heavy metal pilotando o próprio avião.

Queria ter gravado o áudio que fala que o Cristiano Ronaldo é melhor que o Messi.

Queria ter revolucionado a guitarra elétrica com um modelo Frankenstein que eu mesmo construí.

Queria ter passado a apresentar um programa de rádio sobre filosofia após uma bem-sucedida carreira como redator, diretor de criação e dono de agência.

Queria ter dito a frase: “Eu poderia concordar com você, mas aí nós dois estaríamos errados.”

Queria ter participado da campanha Like a Girl, de Always.

Queria ter me proposto a fazer dez filmes que misturassem todas as minhas influências e terminassem com o letreiro “Escrito e dirigido por Mario Cintra”.

Queria ter executado um duplo twist carpado ao som de Brasileirinho.

Queria ter salvado o rock fundando o Hellacopters.

Queria ter ficado verde de raiva e me transformado num verdadeiro monstro.

Queria ter percebido que dois tiques formam o logo da Volkswagen.

Queria ter planejado usar cabeças falsas de papel machê para enganar os guardas durante minha fuga de Alcatraz.

Queria ter convidado o Snoop Dogg pra cantar no meu disco.

Queria ter vendido minha alma numa encruzilhada para virar um mestre do blues.

Queria ter dirigido o Bill Murray em Lost in Translation.

Queria ter inventado o desenho característico da calçada de São Paulo.

Quero que um dia alguém faça um texto como este e inclua uma coisa que eu fiz.

Mario Cintra é redator da Talent Marcel