Nesta semana, Sergio Gordilho, copresidente e CCO da Africa, embarca para Londres. Entre os próximos dias 17 e 20, ele preside o júri de Press & Outdoor do D&AD 2019, festival que será realizado entre os dias 21 e 23, na capital inglesa. Formado arquiteto, com pós-graduação em design, Gordilho é um dos mais respeitados talentos da direção de arte, da criatividade e dos negócios publicitários no Brasil. Nesta entrevista, ele argumenta sobre o conceito de mídia impressa ir muito além do papel. Também ressalta a transição de uma atividade “contadora de histórias para uma indústria geradora de ideias”.

Como está a qualidade da publicidade brasileira na mídia impressa? Continua sendo o carro-chefe nas competições internacionais?
A expectativa é sempre alta porque foi a partir da mídia impressa que o Brasil apareceu no mercado internacional. Sempre foi nosso motivo de orgulho. Foi ela que moldou a força criativa brasileira para o mundo, que apresentou os criativos brasileiros ao mercado internacional. A expectativa é de que tenha sempre uma qualidade muito elevada, mas não é isso o que vem ocorrendo, pois, de uma maneira ou de outra, a mídia impressa vem sofrendo impacto com a falta de interesse do consumidor. Os criativos, por sua vez, ficaram mais interessados no mundo digital e aí a mídia impressa perdeu essa dedicação de tempo por parte dos criativos.

Você se refere ao impacto tecnológico…
Sim, é um fenômeno que vem ocorrendo com a revolução tecnológica. Os criativos viram que podiam transformar aquela ideia que era só da mídia impressa em uma coisa muito maior. Houve esse espasmo, mas, de poucos anos para cá, isso tem se transformado, pois o potencial de ideia da mídia impressa é muito maior do que o papel. Um anúncio que a gente considerava um exemplo de mídia impressa no passado é, hoje, simplesmente um post do Instagram. Um anúncio de mídia impressa do passado se reproduz hoje com as técnicas de animação. Não é um fenômeno do Brasil, é uma realidade mundial, mas como a mídia impressa tem maior relevância aqui, o impacto é maior.

Você associa mídia impressa ao Instagram. É isso mesmo?
Não podemos considerar a mídia impressa limitada ao formato de um veículo impresso, simplesmente um processo derivado da celulose. Isso seria muito reducionista. O grande ponto, a grande discussão e o grande desafio é saber categorizar isso. A mídia impressa é um conceito.

Como assim um conceito?
É um conceito porque a mídia impressa tem um poder de convicção muito grande. Ela é o gatilho que faz a gente prestar atenção. Este conceito não pode ser limitado à impressão de um papel, a um veículo físico de papel. O que foi e continua sendo impresso em papel é impresso também digitalmente, eletronicamente. Está impresso, da mesmíssima forma, na tela do seu computador ou do seu smartphone. A mídia impressa, seja no papel ou na tela, é o primeiro poder de atração. É a pólvora, é o que chama a atenção. A mídia impressa é um conceito que não está preso a um formato. As pessoas hoje consomem a mídia impressa tradicional no Facebook ou no Instagram. Mudou o veículo, mudou o formato, mas o conceito é o mesmo. Esse é o desafio que temos.

Qual é o desafio exatamente?
Os jornais e revistas, o que conhecemos como mídia impressa no papel, tiveram, talvez, sua importância diminuída, pois existem várias outras plataformas. Com isso, há uma questão muito conceitual para o consumidor. Ele mudou o hábito. Ninguém comprava ou compra jornal e revista para ver anúncios. Aquele conceito de uma marca fazer um anúncio simplesmente migrou dos jornais e revistas para o meio digital. A mídia impressa não ficou menos importante. Eu acredito que ela está muito mais importante agora, pois não usa apenas uma superfície de papel, de celulose. Ela migrou para as telas. Ela migrou para onde houver imagem. Se, por um lado, a importância do veículo impresso ficou diminuída, por outro, a mídia impressa ficou muito mais importante. As pessoas veem muito mais mídia impressa nos meios digitais do que vídeo nos meios digitais. O veículo impresso ficou menos relevante, mas a mídia passou a ser impressa com os recursos digitais. Ela evoluiu. Esta é a grande riqueza da mídia impressa. Quando ela era apenas impressa no papel, ela era menos importante do que a TV, mas agora ela ganhou uma força porque ela ficou impressa em uma tela da mesma forma que um filme na TV. São muitos os caminhos disponíveis. A mídia impressa ganhou asas e está voando em outros mundos que não eram imaginados. Ela extravasou as páginas dos jornais e revistas. Este é o grande desafio que temos. O desafio é mostrar que o conceito da mídia impressa ficou ainda mais importante do que era apenas com o suporte físico do papel.

E a mídia exterior? Qual a sua avaliação?
Acho que está subutilizada. Tecnologicamente, ela pode ser melhor trabalhada. Ela usa muito pouco a geolocalização e o one to one com as pessoas que estão na rua. A mídia exterior deixou de ser estática. Ela tem uma base de dados que não está sendo utilizada. Cada vez mais teremos um comportamento de sair nas ruas. Ela está no seu caminho e não tem como você tirar ela de lá. Ela tem como comunicar com você no seu celular.

Mas você não vê muitos riscos de segurança, já que as pessoas estão cada vez mais absorvidas pelo celular, cometendo infrações de trânsito e sendo imprudentes mesmo quando caminham com o smartphone?
Sim, sem dúvida, o uso do celular gera riscos no trânsito. Acho que precisamos de uma legislação maior nesta questão e isso pode contribuir para que o olhar seja mais aberto para as cidades, para a mobilidade urbana. A mídia exterior não vai virar algo de um painel específico. Ela pode ser uma bicicleta, um painel de um prédio. Ela brinca com os nossos hábitos dentro da cidade e brinca com a própria cidade. Os fogos de Copacabana são uma mídia exterior. Acho que a mídia exterior precisa brincar, interagir mais com as cidades, com os ambientes em que vivemos. A mídia exterior talvez seja, entre todos os meios disponíveis hoje, aquele em que a publicidade pode mais voar e inovar.

Quais suas expectativas para presidir o júri de Press & Outdoor do D&AD 2019?
Primeiro é uma honra imensa. O D&AD faz parte da minha formação. Eu sou superfã e acho que o D&AD tem uma preocupação muito grande com a questão profissional, com a essência da formação. A gente se preocupa muito pouco com o jovem criativo de todas as áreas da nossa indústria. No júri, não tenho dúvida de que vou ver os melhores trabalhos do mundo. O D&AD é um festival sem política. Quem manda é o trabalho. Vou manter esses pilares de qualidade, de excelência criativa.

O case Tagwords, da Africa para Budweiser, GP em Cannes no ano passado, usa recursos de mídia exterior, mas foi premiado como Print. Como definir pertinência de categoria em uma premiação?
No final, estamos sempre criando uma conexão emocional. Não existe outro interesse além disso. Quando você tem uma ideia que pode estar em várias categorias, o grande segredo é ver onde a ideia está com o melhor formato. Estamos cada vez mais voltados para a força da ideia. Temos de ficar apaixonados por uma ideia, mas em um critério de premiação, não é só sobre a ideia e sim onde e como você contou a ideia.

Quais países estão com superioridade criativa?
Acho que não existem mais países e, sim, mercados. Antes, falávamos que os americanos são muito bons nisso ou naquilo, mas, hoje, lá está cheio de brasileiros, de argentinos, de chineses, de talentos do mundo inteiro. Os Estados Unidos sempre serão o mercado número um e eles aumentaram muito a distância desta grandeza. Com a influência de tantas culturas diferentes, é a publicidade que mais vem fazendo revolução. Antes, só ganhava pela força econômica. Hoje, é uma força multicultural. Acho que os Estados Unidos fazem a publicidade mais criativa. É onde estou prestando mais atenção. É uma publicidade que consegue usar insights verdadeiros, consegue uma qualidade de criação maravilhosa com a excelente qualidade de produção, que ela sempre soube fazer.

Qual seria hoje a principal tendência da publicidade?
Acho que é ser a mais humana possível. A tendência é utilizar dados e tecnologia para a gente conseguir buscar mais verdades humanas. A gente gostava muito do que era o mais diferente, o mais estranho, o mais tecnológico ou o mais fora dos padrões. Agora não. Estamos buscando muito mais o que é mais para pessoas, por pessoas e com pessoas.

Como você avalia o impacto da tecnologia no resultado final de uma produção publicitária?
Dependente é uma palavra muito dura. Acho que a tecnologia veio para simplificar. Se ela complica, não presta. Ela veio para baratear, se aumentar o custo, também não presta. A tecnologia veio para conectar e não para afastar. Ela é imprescindível em todos os campos e em todos os pontos. Não tem como a gente não olhar a tecnologia. Não somos uma indústria de tecnologia. Temos de entender e utilizar a tecnologia como ferramenta. Ela é fundamental para a execução das nossas ideias. Temos de usar a tecnologia e não sermos usados por ela.

De uma maneira geral, como está a qualidade da publicidade brasileira?
A publicidade brasileira vive um dilema. Ela tem mais história do que ideias. Fomos criados em um ambiente no qual tínhamos um compromisso com a história e não com a ideia. Era a história da menina do sutiã, a história da pipoca, da camisa do Fernandinho e tantas outras. Uma história pode andar sozinha, mas ela termina nela mesma. A ideia pode ter várias histórias em torno dela. A publicidade está deixando de ser uma contadora de histórias, o que não é uma coisa ruim, para ser um geradora de ideias. A propaganda tinha um caráter informativo. O dever era contar histórias para informar. Tudo mudou e evoluiu. A gente vê hoje, nas agências, uma preocupação que é, antes de contar história, encontrar uma ideia. Estamos indo para uma publicidade que é geradora de ideias e isso muda muito o jogo, questiona muito mais os formatos. Temos de evoluir de uma indústria de publicidade para uma indústria de criatividade. Nizan e Washington tiveram grande ideias, mas ficaram conhecidos pelas histórias. Serpa teve a ideia de transformar chinelo em ícone mundial. Estamos colocando mais ferramentas dentro das agências para transformá-las em agências de criatividade.